(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 03/07/2018)
Desde que Madonna chegou a Portugal que o festival de provincianismo tem sido deprimente. E quem mais tem contribuído para ele tem sido a comunicação social, que vai alimentando o orgulho pátrio e bairrista fazendo cada lisboeta e português sentir que respira o mesmo ar que a estrela pop. Que a imprensa cor de rosa se dedique a isso, é natural. Faz parte da sua “função”. Que os jornais de referência o acompanhem sempre me pareceu um pouco mais estranho. Mas adiante.
Quando saiu a primeira notícia sobre o estacionamento de Madonna – excelente deve estar o país e a cidade para esta ser a polémica que alimenta as nossas preocupações – julguei estar perante mais um episódio de bimbalheira nacional. A senhora dona Madonna quer uns lugarzinhos, que não seja por isso, cá estão eles. Não seria de espantar, sabendo que quando Madonna chegou a Lisboa teve direito a boas-vindas de Fernando Medina. O deslumbramento denuncia o atraso. As primeiras notícias sobre este caso confirmavam o meu receio: não tinham conseguido confirmar se havia um contrato e quanto ela pagava e houve jornais que até nos garantiram que o acordo tinha sido oral.
Passados uns dias, as coisas eram um pouco diferentes. A cedência a título precário, de que Madonna não é a única beneficiária na cidade, feita no Palácio Pombal, foi contratada em 2018. Dela resulta o pagamento de 720 euros mensais e é justificada pelo facto dos imóveis que comprou estarem em obras. O contrato foi divulgado e corresponde a outras duas dezenas similares. Incluindo para particulares quando há edifícios em obras. Mas é um contrato difícil de se celebrar, porque é preciso que sejam obras significativas e por um tempo que justifique e que haja espaço disponível próximo.
Há alguma arbitrariedade na forma como estas cedências precárias são feitas e Medina esteve péssimo quando não divulgou imediatamente o contrato. Mas entre o que a comunicação social insinuou no início e o que sabemos agora vai uma razoável diferença. E esta polémica é o melhor retrato da pequenez com que olhamos para nossa própria pequenez
Pelo menos um órgão de comunicação social (a agência Lusa) tinha a obrigação de o saber porque tem um acordo igual. Estes espaços cedidos para estacionamento são espaços temporariamente vazios para necessidades temporárias e com um pagamento que resulta de uma tabela da EMEL. Tudo está enquadrado pela lei (artigo 148.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo), apesar do CDS ter dúvidas sobre o rigor dessa aplicação. E, ao que parece, faz parte da gestão corrente que não tem de ser discutida em reunião de Câmara. Mas a verdade é que outras cedências precárias de espaço (ao que parece toda a gente sabe que eles sempre existiram, mas resolveu fazer-se tudo de parvo durante uns dias) passaram pela Câmara.
O parque mais próximo tem um custo mensal de 65 euros por carro, o que corresponderia a mais 255 euros mensais, mas com a vantagem de ser uma solução definitiva e a desvantagem de não ser fácil arranjar 15 lugares. As razões invocadas pela Câmara de Lisboa para ceder o estacionamento em troca de pagamento estipulado pela tabela da EMEL foram semelhantes a de outras cedências – Madonna adquiriu imóveis na zona envolvente à Rua das Janelas Verdes que estão em obras e a ausência temporária de estacionamento para os carros da sua equipa causaria ainda mais problemas numa zona onde o estacionamento é ainda muito difícil.
Ou seja, tudo indica que o contrato assinado para a cedência precária de estacionamento num terreno camarário perante obras profundas em vários imóveis de Madonna parece cumprir todas as regras legais (o CDS contesta), não é inédito (são os próprios vereadores da oposição a reconhecer que discutiram outros em reuniões de Câmara) e os valores cobrados correspondem à tabela da EMEL. Não estamos perante um acordo oral ou informal. Parece-me haver alguma arbitrariedade na forma como estas cedências precárias podem ser feitas, graças a critérios demasiado subjetivos? Sim, tanto para a Madonna como para a Lusa e para os outros poucos beneficiários. Parece-me que Fernando Medina esteve péssimo quando não divulgou imediatamente o contrato e não deu as explicações que dá agora. Claro. Todos temos direito a saber os contratos que que a Câmara assina. Mas entre o que a comunicação social disse no início e o que sabemos agora (graças, por exemplo, ao insuspeito “Observador”) vai uma razoável diferença. E o rigor que exijo aos governantes é aquele que exijo a quem os escrutina. Até porque sem esse rigor não temos escrutínio, temos polémicas passageiras e estéreis que acabam sempre numa névoa que vagamente se assemelha à verdade. O provincianismo com que Madonna foi recebida não é exclusivo de Medina. E esta polémica é o melhor retrato da pequenez com que olhamos para nossa própria pequenez.
Manuel G., por aquilo que se sabe dos jornais este artigo do Daniel Oliveira tem dois parágrafos típicos de quem parece que tem a boca cheia de papas de farinha (pois não adiantam nada e que só enchem, acho).
Sendo expedito, e nem cito-citando-o o facto de alguém ser jornalista, o que deveria ser perguntado publicamente é se o tal contrato existe-assim-assim e não foi sequer assinado (já que ele ou algo assim foi divulgado pela CML amputado), o porquê de estar rasurado (porque a/o contratante é uma personalidade exótica?!), ou se é o Expresso (e o Daniel Oliveira que parece ter lido apressadamente o artigo…) quem está a fazer um frete?
É ver as imagens do alegado “contrato” onde se lê, no fim, que ele “foi feito em dois exemplares devidamente rubricadas (sic) e a última assinada (sic-bis)”. Ou seja, senhores/as, dever-se-ia pegar a sério no assunto até porque não é aceitável que uma entidade pública divulgue um qualquer print manhoso (eu, e imagino que outros maduros, não fazemos isso nem na vidinha-da-gente na gestão do condomínio).
Aqui ao vivo e a cores, interessam as imagens: http://expresso.sapo.pt/sociedade/2018-07-02-Veja-o-contrato-mais-polemico-do-momento-o-que-a-Camara-de-Lisboa-assinou-com-Madonna#gs.OLsom9U
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Nota, importante. As trapalhadas do Fernando Medina e a falta de transparência perante os seus iguais e, claro!, os eleitores lisboetas, porque a CML é um bólide demasiado grande para as suas unhas, constitui um padrão que estará para sempre colado à sua pele desde a compra do duplex dos 645 mil euros (que mama!). Não me surpreende, pois, recordo que o PS foi penalizado perdendo a maioria absoluta… de António Costa.
Adenda, em tempo.
Ainda sobre o candente assunto de um alegado fretismo, alguém que anda pelo Expresso online vá-se lá saber porquê parece que resolveu substituir as imagens do alegado “contrato” da CML por umas imagens de baixa-resolução (tornando tudo isto ainda mais nebuloso, literalmente!). É ver, ontem e hoje (que parvos não somos).
https://pbs.twimg.com/media/DhMBmYIWsAEriXF.jpg
Segunda adenda (sobre o Fernando Medina com o Vítor Gonçalves, que não sei se viram ontem).
Tema de abertura: a Madonna, claro!, mas pareceu-me que o Medina se equivocou ao ler os papeis de preparação da entrevista. Em vez do exemplo do hotel acho que estava escrito que era um hospital-para-velhinhos-coitadinos, sabes alguma coisa disto Manuel G.?
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[Confrangedor, só no fim é que um misericordioso Vítor Gonçalves lançou uma escada para o Fernando Medina ter oportunidade de contar pela infinitésima vez a estória do anúncio n’O Século onde a família anunciava, ao Edgar Correia do PCP então na clandestinidade, o nascimento de um filho varão…]