Justiça, política e democracia

(Por Carlos Esperança, 12/06/2018)

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Não há Estado de Direito sem independência dos Tribunais, nem democracia refém de juízes. Os erros judiciários, tal como os erros médicos, acontecem e não são razão para censura, são motivo de mera reflexão e, tanto quanto possível, de reparação dos danos causados.

Os protofascistas acusam todos os juízes e todos os políticos de corruptos, geralmente para fingirem que são honestos, biltres que preferem as ditaduras. Há juízes e políticos corruptos, mas, quero crer, em percentagem bem menor do que no comum dos cidadãos.

Acaba de ser conhecida a notícia de que «O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos criticou a decisão do juiz Rui Teixeira que não deu acesso à defesa dos testemunhos e dos relatórios médicos das alegadas vítimas e condenou ainda os tribunais da Relação e o Supremo por terem negado uma indemnização ao antigo governante por detenção ilegal.». (Ver notícia aqui)

O juiz Rui Teixeira procedeu bem quando investigou Paulo Pedroso, mas foi intolerável quando foi à Assembleia da República, com câmaras da televisão, para prender um dos membros e humilhar o mais representativo órgão de soberania. Foi a afronta gratuita, na vertigem mediática, por um cidadão medíocre.

O 25 de Abril não saneou os cúmplices do fascismo e os raros juízes demitidos, por colaboração com a Pide, foram imediatamente reintegrados, com retroativos, após o 25 de novembro de 1975. Nem os juízes fascistas dos Tribunais Plenários foram julgados.

A Paulo Pedroso não há sentença que consiga ressarci-lo da humilhação, a ele que logo pediu o levantamento da sua imunidade parlamentar, para se deixar prender, sem haver perigo de fuga ou flagrante delito.

O juiz que teve a glória a prender um deputado, foi recebido em delírio, com foguetes e banda de música na comarca de Torres Vedras, quando aí foi colocado. Depois de um acórdão da Relação referir que «cometeu erros grosseiros na investigação» do processo Casa Pia, veio a ser classificado de Muito Bom o seu desempenho. O país lembra-se das câmaras que o seguiam e da satisfação com que era filmado em ralis de todo o terreno.

O deslumbramento e a certeza da impunidade levaram-no a proferir um despacho em que proibia “no seu Tribunal” o novo Acordo Ortográfico, a todos os funcionários e, pasme-se, aos advogados.

O juiz que tão grosseiramente violou o tratado assinado pelo Estado Português, não se limitou à desobediência, quis impô-la ao arrepio da lei e da decência, como se ao juiz não coubesse apenas a aplicação da lei e, jamais, a sua violação. Isso, sim, foi grave, e não consta que tenha sido punido.

Sobre os tribunais superiores que negaram a reparação, mesmo simbólica, recai sempre a suspeita de uma proteção corporativa a um juiz contra uma vítima que não chegou a ser acusada.

O juiz Rui Teixeira já deve andar pelo Supremo. Paulo Pedroso arrastará a humilhação até ao fim dos seus dias.

10 pensamentos sobre “Justiça, política e democracia

  1. Não arrastará não, porque muita gente sabe e entende estes lamentáveis factos, e muito mais do que se +esna sabe discernir. Nunca condenei no meu íntimo nenhum acusado logo de início, sempre esperei ver a evolução dos processos para adquirir uma certeza.

  2. Não arrastará não, porque muita gente sabe e entende estes lamentáveis factos, e muito mais do que se pensa sabe discernir. Nunca condenei no meu íntimo nenhum acusado logo de início, sempre esperei ver a evolução dos processos para adquirir uma certeza.

  3. Desculpem a minha ignorância : Os juízes (quero dizer ALGUNS juízes…) podem julgar e condenar em “roda livre” sem estarem sujeitos a nenhum estatuto disciplinar ?

  4. Meu Deus, que par.!
    Acaba de ser conhecida a notícia de que «O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos criticou a decisão do juiz Rui Teixeira que não deu acesso à defesa dos testemunhos e dos relatórios médicos das alegadas vítimas e condenou ainda os tribunais da Relação e o Supremo por terem negado uma indemnização ao antigo governante por detenção ilegal.».
    .
    Obviamente, o TE n critica. E mt menos condena… tribunais!
    Cada um devia escrever do que sabe. N do resto….

  5. Carlos Esperança, como já sei do que a casa gasta, escrevi algures sobre isso (o Carlos entra na parte dos rangers). Copio-o para aqui, que não tenho pachorra para tangas (pouco) originais, pois sei algumas coisa sobre as reacções pavlovianas.

    RFC 13.06.2018
    XXXXX, revendo nas televisões as imagens de há quinze anos fiquei quase com a certeza de duas coisas: que os juízes que chegavam à carreira com uma média de 11 valores praticamente desapareceram das parangonas dos jornais; e que o PS institucional (porque não deixam de ser inquietantes rever as cassetes das cenas passadas na Assembleia da República, mesmo sabendo-se que o Paulo Pedroso era deputado e de lá saiu a caminho do DIAP) aprendeu bastante sobre o que deve ser a separação de poderes e, concomitantemente, qual o seu lugar no/s processo/s de ritualização democrática.

    Sublinhado, a e b: sem espinhas o PS, ele próprio, seja enquanto instituição mas também com os protagonistas de então que, na verdade, são quase os mesmos mudaram de hábitos. Por outro lado, sei que não é o teu caso, mas subsistem alguns desmiolados, cabos de esquadra e rangers nas caixas de comentários que têm o processo Casa Pia à mão e que o usam, sem pudor, para as ocasiões mais estrambólicas.

    • Manuel G. e Carlos Esperança, é só para avisar que um dos mais ilustres cabos de esquadra da blogosfera indígena postou também sobre o assunto.

      Acontece que esses inimigos ocupam, transversal e corporativamente, a Justiça portuguesa. Que o mesmo é dizer, portanto, que os seus inimigos, inimigos porque o privaram da liberdade e tentaram assassinar o seu carácter, estão na política soberana. Estão na Assembleia do República. Têm passado pelos Governos e pela Presidência da República. Todos os agentes políticos que usufruíram de poder institucional e influência social, e que não se escandalizam com os abusos da Justiça seja sobre quem for, são inimigos do Paulo Pedroso. Inimigos do Estado de direito democrático. Inimigos da liberdade.

      No Aspirina B, claro.

      [Pavlov está vivo, olá se está!]

      • Manuel G., ainda: dizer estas merdas deveria ser uma vergonha, se o cobardolas que se assina como Valupi tivesse um grama da dita.

        • Não estou a dizer nada, ontem só criei três categorias (desmiolados, cabos de esquadra e rangers).

          Como se comprova, aliás, é muito saber de experiência feito pelo que passei a escrever para memória futura à espera de que haja um outro alguém que, estando há meses ou anos tolhido num atroz sofrimento com as cenas pró-mártir São José mesmo durante os tempos de Santo António (gostas da subtileza, …?), prossiga o seu caminho das pedras como uma alma penada.

          Que os zombies andam por aí, sem espinhas.

  6. «Copio-o para aqui, que não tenho pachorra para tangas (pouco) originais, MAS sei algumas coisa sobre as reacções pavlovianas.», assim fica mais lindinho.

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