Como se faz um canalha

(José Soeiro, in Expresso Diário, 16/02/2018)

rio_aleixo

No mais recente filme de João Salaviza, um dos mais reconhecidos e brilhantes realizadores portugueses da nova geração, chama-se “Russa” e acontece no bairro do Aleixo, no Porto. Ao mesmo tempo que o filme estará em competição em Berlim, bem acompanhado por outras obras portuguesas, 948 delegados e delegadas juntam-se no Congresso do PSD que consagrará Rui Rio como novo líder do partido.

Há imagens que não se esquecem e que definem as pessoas. Uma delas é a de Rui Rio num barco, no Rio Douro, a abrir uma garrafa de champanhe com os seus convivas enquanto assiste à demolição de uma das torres do Bairro do Aleixo. No bairro – sei-o porque estava lá – o clima era de desespero, com um enorme aparato policial montado, mulheres que gritavam de raiva ao ver a sua casa ser implodida, homens a chorar junto ao gradeado enquanto o pó dos destroços se espalhava, crianças atónitas junto ao lugar onde até há poucos dias brincavam e que parecia, agora, um cenário de guerra. Se acaso a demolição daquelas torres tivesse sido negociada com a população, talvez um Presidente da Câmara estivesse junto aos moradores naquele momento, de consciência tranquila por ter cumprido o seu dever e garantido uma alternativa para a vida daquela gente. Se não fosse esse o caso, uma pessoa normal que tivesse tomado convictamente aquela decisão teria ao menos o pudor de se remeter ao silêncio perante o sofrimento dos outros. Rui Rio não fez uma coisa nem outra. Foi para a frente do bairro, no aconchego de um barco no meio do rio, juntou os amigos e celebrou, frente aos cidadãos desesperados da sua cidade, o momento em que as suas casas a vinham a baixo. Perante o sofrimento dos outros, Rui Rio sorriu e brindou. Independentemente do que cada um possa pensar sobre as soluções para o Aleixo – e há muitas opiniões – uma coisa parece-me estar para além das discordâncias políticas: quem faz isto é um canalha. E eu, como muitos outros, não esqueço.

Talvez por isso as palavras de Salaviza, que não é do Porto mas esteve pelo Aleixo para fazer o seu novo filme, sejam tão contundentes: “Rui Rio é uma espécie de papão, de pesadelo que assombra a memória dos moradores do Aleixo.Trata-se de um tipo tenebroso e sinistro que decidiu brincar com a vida de centenas de pessoas para ceder aos interesses da especulação imobiliária. Há uma imagem dele muito paradigmática quando, na demolição da torre, o vemos no Douro, num barco de luxo a fazer uma pequena celebração com champanhe e abrindar à demolição. Ele transforma aquele momento de aniquilação de uma comunidade numa celebração. E é este tipo que tem esta forma de estar na política e de jogar com a vida das pessoas que quer ser primeiro-ministro de Portugal…”.

Não é a primeira vez, aliás, que o caso é tratado por um filme. Quem quiser perceber o processo do Aleixo deve ver “Ruído ou As Troianas”, do realizador portuense Tiago Afonso. Está lá tudo: a origem do bairro e de quem foi para lá, a explicação cristalina – através de uma imagem da marginal do Porto – para o apetite imobiliário por aqueles terrenos, a revolta contra o modo como o poder autárquico tratou aquelas pessoas, a dignidade das mulheres que resistem, o modo como as crianças representam aquele espaço, o ambiente vivido no dia da demolição, a relação de tudo isso com a cidade. Num registo diferente, é também no Aleixo que se passa Bicicleta, um filme de Luís Vieira Campos, com argumento de valter hugo mãe, do qual guardo a imagem de umas intermináveis escadas, num bairro em que, propositadamente, a Câmara deixou de consertar o elevador, condenando as pessoas a terem de viver como um sacrifício as mais singelas necessidades do dia-a-dia.

Sobre o mal que Rui Rio fez ao Porto e sobre os mitos acerca da sua governação no Porto, não repetirei o eloquente resumo feito por Adriano Campos. Também não tenho grande esperança que Rui Rio vá alguma vez ver algum destes filmes – ou que se deixasse transformar por eles, caso os visse. Direi apenas isto: ninguém deve querer para o seu país aquilo que Rui Rio fez com quem mais sofria no Porto. E este é um bom fim-de-semana para o lembrar.

7 pensamentos sobre “Como se faz um canalha

  1. O diabo tem uma capa que tapa e outra que destapa! O discurso de hoje mostrou as duas caras do figurante que nada de melhor mostra, comparado com o anterior. São feitos da mesma massa da hipocrisia, da mentira, do despudor e prepotência. O povo que abra os olhos, pois já sofreu o suficiente! Afinal, resta-nos a grande esperança de uma esquerda coesa e eficiente para guiar Portugal rumo a um futuro mais promissor!

  2. Estes impolutos, tipo RR que aparecem ciclicamente armados em messias metem-me medo….Este senhor RR que vá até ao bairro do Aleixo….lá adoram-no….Cuidado com este ppd, chapeu de chuva de fascistad, ex. Pides e gente fascizante….

  3. É evidente que este texto não tem fundamento. Não é verdade o que aqui se diz!. Eu pessoalmente nunca gostei de Rui Rio. Acho-o até execrável. Mas o que se passava nas Torres era desumano. A DROGA que lá se vendia e consumia a céu aberto era o pior cenário para o Porto. Eu sei porque tive lá uma casa para vender mais de 10 anos e ninguém comprava!! As torres tinham que vir abaixo. Era a degradação total. Os prédios já não tinham portas, vidros, um autêntico cenário de guerra!! Que as pessoas não queriam sair… isso é outra coisa. Estavam num sítio nobre virado ao rio. Que a Câmara tinha obrigação de os reinstalar condignamente sim, tinha. Não se pode ver só um lado!!!

  4. Os comentários de todo este ódio vertido sobre RR, vem do tempo em que ele acabou com os chulecos pseudo intelectuais, que impingiam “coltura” a torto e a direito, que viveram sentados à mesa do OE no Porto. ano após ano, e que ele pos fim, quando chegou à CMP.
    Esqueceram a coragem que teve em acabar com a promiscuidade que existia entre o poder local e o futebol?
    Parece-me que há muita gente que tem medo dos que tendo o poder o sabem usar, mas não em proveito próprio. Gostam é dos corruptos, porque apesar de tudo fazem uma coisitas, rotundas, “obras de arte” que lhes encomendam, etc., etc..
    Sobre as Torres do Aleixo, deveriam é falar em que condições as pessoas foram lá parar. Mas têm memória curta, como é apanágio do nosso portugalsito. Onde é que estes senhores estavam? Com certeza entretidos a fazerem pichagens e a colarem cartazes de intoxicação do povo.
    Pois nessa altura é que os habitantes do Gueto do Aleixo foram desenraizados, procedentes da Ribeira e outros locais e metidos nesse Gueto. E este Gueto nem vale a pena falar das condições em que as pessoas lá viviam.
    Seriam interessante inquirir agora, as pessoas que sairam de lá e verificar como vivem agora.
    Mas não é mais cómodo e fácil, verter veneno para uma folha de papel, porque não há contraditório no imediato.

Leave a Reply to Henrique coelhCancel reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.