(Vasco Lourenço, entrevista, Diário de Notícias, 10/07/2017)
O capitão de Abril Vasco Lourenço fala sobre os acontecimentos em Tancos e suas consequências no Exército.
Como entende a demissão de dois generais no Exército?
Fundamentalmente como tentativa de cavalgar, senão liderar, o movimento que se gerou, promovido por uns poucos militares na reserva e na reforma com posições radicais de direita. Com o natural descontentamento existente nas Forças Armadas para com o poder político – que tem vindo a destruir as Forças Armadas, a descaracterizá-las e a reduzi-las à ínfima espécie -, aproveitam um incidente onde a condução das suas consequências pelo principal responsável do Exército não terá sido a melhor para uma atuação no campo político.
Os generais José Calçada e Faria Menezes estão a fazer jogo político?
Sim. Quem está a confundir as coisas, fazendo aproveitamento político do furto em Tancos, não é o CEME, mas os generais demissionários. A sua demissão não é mais que o aproveitamento destes acontecimentos para continuar a ação que os mesmos vêm desenvolvendo há muito, de contestação ao CEME desde a escolha deste em detrimento de outros, nomeadamente dos dois demissionários, para o cargo.
Por serem do curso do CEME e de José Calçada ter apresentado o livro do organizador do protesto em Belém…
E não só. De facto, em minha opinião, os agora demissionários nunca aceitaram a nomeação do seu camarada de curso para CEME. E, segundo sei, têm-lhe feito a vida negra. Quanto ao movimento das espadas, se não dou importância às demissões, menos dou a esse movimento que eles estarão a tentar cavalgar ou mesmo dirigir. Felizmente, a sua expressão no Exército é pequena e confio que continue a ser. Vou manter-me atento, confiante em que os militares se não deixem embalar pelo canto das sereias.
Como avalia o procedimento dos responsáveis pela segurança dos paióis? E o que pode justificar as exonerações sem processo e prova de ilicitude disciplinar ou criminal?
Se há negligência, falta de organização, os responsáveis pela segurança têm de assumir a responsabilidade e demitir-se. Não sei se os cinco eram os responsáveis… concluo que sim, porque foram exonerados. Mas se não o fazem e a entidade acima deles verifica que o deviam ter feito, essa tem de o fazer. Temos um princípio de que a última responsabilidade é do comandante.
Daí haver quem pergunte como é que o CEME não se demitiu e se é crível que os generais e o Estado-Maior não tenham responsabilidades?
O CEME é o último responsável e dá beneplácito às regras. Mas não se pode demitir sem responsabilizar quem foi responsável pelas coisas. Só admito que tenha demitido os comandantes porque já estava na posse de elementos que lhe davam a certeza de que eles eram responsáveis pelo sucedido.
Como justificar com falta de pessoal e dinheiro a incapacidade de garantir a segurança dos paióis quando há efetivos e verbas para missões civis e não mandatórias como as militares?
Não é o problema da segurança do paiol que tenho de criticar, mas o desinvestimento que cria a situação global, que afeta e de que maneira o moral das tropas, dos profissionais. A vontade, que é fundamental para os militares cumprirem a missão, está extraordinariamente por baixo e tudo isso cria este ambiente, cria a rotina e situações que não se percebem. Não digo que isto é consequência do desinvestimento, mas ele está na base da situação que existe… neste momento o que é que temos em termos de FA, do Exército? Forças que vão cumprir missões lá fora e cá dentro não há nada…
Militares que participam nos fogos, limpeza de matas, vão para as praias…
Mas esses são muito poucos!
Reforçaram agora a segurança dos paióis sem aumentar efetivos…
São prioridades… se definirmos que há ameaça, há que colocar ali meios capazes mesmo que prejudiquem outras missões. Daí perguntar como ter cinco unidades responsáveis pela segurança de uma mesma instalação militar…não acuso o poder político de ter responsabilidade direta no caso, mas indireta, pela situação que gerou. O ministro tem lá culpa que fizessem o furto… mas é capaz de ter responsabilidade na destruição da condição militar, em que continuou a obra de Aguiar Hífen Branco.
Como vê a ação do governo na área da Defesa e, em particular, este ministro?
Este ministro é o Aguiar Hífen Branco do PS, segue a mesma política de destruição das FA.
Pode dar exemplos?
O setor social. Furtaram a Cooperativa Militar aos militares e o objetivo está claro: deitar a mão aos bens do Instituto de Ação Social das FA, que na maior parte são dos militares e não da instituição, destruíram o hospital… como militar pago duas vezes o serviço de saúde, porque pago os impostos para o SNS e depois a quotização para o IASFA.
Os funcionários públicos também, com a ADSE…
Também está mal.
Foi muito crítico de Marcelo na campanha das presidenciais. Como vê o seu desempenho como Comandante Supremo das FA e no caso de Tancos?
Já disse ao candidato que apoiei, Sampaio da Nóvoa, que estou altamente satisfeito com a maneira como Marcelo Rebelo de Sousa tem desempenhado o cargo. Criaram-se entre nós ótimas relações, ele terá posto de lado as críticas que lhe fiz. No caso de Tancos, ele diz que chegou ao limite dos seus poderes de intervenção, mas acho que está a funcionar bem e tem vindo a mostrar preocupação com o estado a que as FA chegaram.
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