A espiral progressista

(Sandro Mendonça, in Expresso Diário, 11/05/2017)

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Como Pessoa temia: será este um país bipolar? Maníaco-depressivo numas alturas (os “anos de chumbo” que culminaram com a Troika) e entusiasta-compulsivo noutras (como já se bem nota em alguns mercados)? Ou, como Agostinho da Silva desejava: um país que, apesar dos desacertos, encontra de vez em quando o seu caminho?

Apesar da política económica tendencialmente mais baseada na procura, a balança comercial melhorou recentemente: exportações a crescer 17,1% e importações a 15,3% no primeiro trimestre de 2017. Ou seja, mais movimento resultou em mais equilíbrio. Um princípio que, quem anda de bicicleta, reconhecerá.

Mas as boas notícias são em cachos. A taxa de desemprego em contínua trajectória descendente e a perfurar os 10%. E o emprego criado não só é em quantidade como também em maior qualidade: mais duradouro, melhor pago. Há mais um sucesso no leilão de obrigações do tesouro (com a taxa de juro abaixo da última emissão). E tudo isto apesar do peso da dívida, das implosões em mercados externos importantes como Angola ou Venezuela, ou da sucessão de broncas bancárias e do atrito recalcitrante das instituições europeias que mantém Portugal debaixo de suspeita por alegada incontinência orçamental.

Valerá a pena discutir o porquê deste aparente círculo virtuoso em crescente auto-reforço? E, ao nível das expectativas, valerá a pena discutir porque a desconfiança se transformou em bom “karma”?

Do nosso lado preocupamo-nos aqui mais com factos e, de acordo com a nossa estimativa de datação, a inflexão terá sido há um ano: Maio de 2016. Porém, compete sem dúvida aos arautos do anterior arranjo governativo CDS-PSD esclarecerem por que razão durante tanto tempo procuraram fechar o caixão económico com forças vivas lá dentro: têm muito de explicar esses que directamente fizeram a economia olhar para o abismo e para a então chamada “espiral recessiva”. Por exemplo, quiseram um Conselho das Finanças Públicas para fustigar as costas do Estado mas nunca um Conselho para a Modernização e Produtividade que servisse para nos tirar do buraco. E têm também muito de explicar as consultoras de serviço, os comentadores sabichões, e as faculdades de economia “yuppies”. É claro, sabemos que estão todos mortinhos por ter razão outra vez, tal como o proverbial e avariado relógio de ponteiros que acerta sempre duas vezes por dia.

Neste artigo o que gostaria de relevar é o seguinte. Sim, a presente governação empenhou-se na gestão da conjuntura. Mas a natureza da sua manobra quanto à re-engenharia de estrutura merece escrutínio.

Vejamos a situação: o excesso de sucesso do turismo agudizou o risco de sobre-especialização nesse sector e a recuperação europeia movida a Draghi fez novamente crescer a dependência de Portugal face à União Europeia. Sabemos como é a vida real: mais cedo ou mais tarde será tempo de meter o optimismo na gaveta.

Assim, perante estes riscos, qual a estratégica económica da governação? Qual a doutrina para o lado da oferta? Que novos mercados externos e que novos sectores produtivos? Como está a governação a preparar o pós-optimismo?

Algumas pistas. Sobre a diversificação dos mercados externos já vimos o próprio Primeiro-Ministro em acção várias vezes em paragens menos habituais para as exportações portuguesas: este ano foram já a Índia e o Qatar, para dar dois exemplos. Sobre a diversificação sectorial surge crescente a concepção da ciência como um quase-serviço-transaccionável, apoiada por uma “diplomacia de investigação e inovação” e definida como um instrumento para a captação de investimento directo estrangeiro.

São precisas ver mais peças do puzzle, porém a questão é esta: como sustentar a aparente espiral de progressos em curso e aproveitar o conjuntural para fazer algo de estrutural?

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