(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 10/05/2017)
Dia 9, ontem, foi dia da Europa. Se não deu por isso não se preocupe, ninguém está para grandes comemorações e a coisa está reduzida, na melhor das hipóteses, a um inofensivo pró-forma. O que não vai mal com o estado do projecto Europeu, diga-se.
Se Schuman, cuja corajosa Declaração se fez precisamente num 9 de Maio, mas de 1950, cá estivesse para ver no que isto deu era capaz de se arrepender de alguma vez ter dito que “A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto”.
Falar hoje, nesta Europa, neste tempo, de solidariedade de facto é coisa para pôr Gregos a rir – o que até é simpático, por estes dias não é como se tivessem muito do que se rir – e alemães também, mas por diametralmente opostas razões.
Falar de solidariedade é sujeitarmo-nos a um ou outro olhar desconfiado, provavelmente oriundo de uma Pessoa Muito Séria. São sempre solenes, compostas e graves, as Pessoas Muito Sérias, especialmente quando nos explicam que se pode arranjar uns milhares de milhões de euros para ajudar a Banca, mas é absolutamente imprescindível cortar pensões de umas centenas de euros.
Mas tergiverso, facto que trago à colação apenas para poder integrar o rarefeito olimpo de pessoas que já escreveram tergiverso (e vão duas, assim mesmo, sem mais nem ontem) num texto destinado a publicação.
A Europa de que Schuman falou, a Europa que acolheu a Alemanha e a Itália, vindas do mais repugnante e violento fascismo, no seio das nações civilizadas, praticando o perdão de que os católicos gostam de falar (e quase só falar), a Europa que abriu os braços a Portugal, Grécia e Espanha, ainda sob o peso de longas e brutais ditaduras que nos afastaram do desenvolvimento humano e económico, a Europa que não hesitou em tornar a queda do muro de Berlim num momento de celebração, ao invés de ter mandado contabilistas míopes explicar que a República Federal ia ter de empobrecer se queria a reunificação, a Europa, enfim, que tanto conseguiu, a Europa que prometeram à minha geração não é isto. Não pode ser isto.
Isto, meus amigos, não é nada. Dessa outra Europa, queremos mais. Desta, como está, queremos cada vez menos. Uma Europa que é capaz de criar um mercado comum mas não é capaz de, solidariamente, ter políticas sociais comuns é uma falácia que convém a alguns ir afirmando, mas que não passa disso mesmo.
Somos, hoje, 500 milhões de pessoas, 28 países (até ver), o maior PIB do Mundo, e o segundo maior PIB per capita. Temos um modelo de Estado de Direito Democrático consolidado. Somos capazes de tudo quanto quisermos ser capazes. Falta querer. E falta, acima de tudo, exigir nada menos do que o que podemos ter. Ou a Europa que nos prometeram ou um novo modelo de Europa, mas que garanta o essencial. Paz.
Espero, sou pai, acreditem que espero mesmo muito, que não tenhamos um dia de nos lembrar que na mesma Declaração, Schuman lembrou, referindo-se aos anos 30 e 40 que “A Europa não foi construida, tivemos a guerra.”. Só uma Europa unida pode resistir às instabilidades que possam existir, dentro e fora do seu espaço. Os populistas dos anos 20 e 30 já aí andam de novo.
Com o mesmo ódio, o mesmo asco ao outro, o mesmo apelo para as massas. Sejamos sensatos. Sejamos Churchill e não Chamberlain. Dava jeito.