Guterres e a teoria dos jogos

(Por Estátua de Sal, 05/10/2016)

gueterres

Como toda a gente fala no António, Guterres de apelido, também não posso fugir ao tema.

Há um coro de aplausos, da esquerda à direita, pelo sucesso da candidatura de Guterres a Secretário-Geral da ONU. Louvam-se as qualidades do candidato e diz-se que elas foram a alavanca para que os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU o tenham aceitado, logo numa primeira escolha, praticamente por unanimidade. Eu não duvido que as qualidades humanas, políticas e técnicas do candidato tenham sido importantes. Mas tal não seria suficiente se qualquer um dos grandes países considerasse ter, neste momento, a força suficiente para impor um outro candidato, mais próximo dos seus interesses e das suas políticas. Não há quem a tenha. O que o sucesso de Guterres prova é que atualmente, na correlação de forças a nível mundial, nenhuma potência se destaca com um poder de hegemonia tal que possa ousar, sequer, iniciar um processo de imposição às restantes dos seus pontos de vista, ou pelo menos que tal não seja feito sem grande desgaste e custos.

Fazendo um paralelismo com a teoria dos jogos, a vitória de Guterres é consequência de uma situação de equilíbrio de Nash: ou seja, todos os países concluíram ganhar mais em cooperar, apoiando a candidatura de Guterres, qualquer que fosse a decisão dos restantes, do que em a hostilizar e sujeitar-se a ter que vir a aceitar uma outra bem pior, já que nenhum deles se viu com força suficiente para impor o seu candidato.

Como em todos os processos, também aqui há ganhadores e perdedores. Guterres, Portugal e todos o que o apoiaram, a própria ONU enquanto organização mundial cuja face pública e poderes de influência saem reforçados, são grandes vencedores. A Alemanha, a Comissão Europeia, Juncker, Barroso e comandita, e os grandes interesses financeiros que giram à volta do PPE, saem nitidamente de rastos.

Sobretudo Merkel. Quis dar um passo maior que a própria perna. Julgou que conseguia impor ao mundo uma candidata de última hora tal como consegue impor à Europa e aos frouxos líderes europeus a sua agenda e o seu programa castigador. É preocupante a Europa estar entregue a alguém com uma capacidade de julgamento político e de avaliação das situações e das forças em presença tão limitada e tão canhestra. Merkel saiu derrotada e falhou em toda a linha.

Tal como está a falhar na política financeira, no Euro, nas perspectivas de crescimento das economias europeias, sacrificando uma geração à desesperança e aos extremismos consequentes. Tal como falhou na gestão da crise das dívidas soberanas, mormente no caso da Grécia. Tal como falhou na questão dos resgates e das troikas à Grécia, a Portugal e à Irlanda. Tal como falhou na crise dos refugiados e que culminou com o vergonhoso e caro acordo que veio a fazer com a Turquia. Tal como falhou no processo que levou ao Brexit. Tal como falha, aceitando a política xenófoba e racista da Hungria agora sufragada em referendo. Tal como irá falhar, provavelmente, na gestão do dossier do Deutch Bank, que lhe irá rebentar nas mãos e espalhar estilhaços letais pelo mundo fora, e em primeira linha pela Europa adentro.

De derrota em derrota até à derrota final, assim vai a chanceler. Só é pena que leve consigo para o abismo o seu país e, por tabela, todos os outros países europeus, o presente e o futuro de milhões de cidadãos. Parece que a Alemanha não tem jeito para negociar e dialogar com ninguém. A História isso mesmo nos diz. Está-lhe na genética, nas práticas e nos cometimentos, e até nos filósofos. Relembro uma frase de Friedrich Nietzsche: “Ser independente é apanágio de uma pequena minoria, é um privilégio dos fortes”.

Enquanto na Europa a Alemanha é forte, e quer sempre subalternizar os restantes países, no mundo a Alemanha não é assim tão forte, e acabou por provar do seu próprio veneno. Se a D. Merkel fosse uma grande estadista sabê-lo-ia seguramente e teria evitado sujeitar o seu país e as instituições europeias, que é suposto liderar, a mais uma humilhação.

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