(Daniel Oliveira, 03/02/2016, in Expresso Diário)

Daniel Oliveira
Não contam comigo em discursos populistas sobre os ordenados de administradores de entidades e empresas públicas. Acho natural que os cargos políticos não pretendam concorrer com salários de administradores e quadros superiores de empresas privadas. Isso faz com que um presidente da Câmara de Lisboa (o autarca mais bem pago do país), que dirige muito mais gente e muito mais recursos do que a maioria das empresas cotadas em bolsa, receba muito menos do que um quadro superior dessas mesmas empresas. Aceita-se esta discrepância porque a dedicação à atividade política tem (e deve ter) outras motivações que não as estritamente profissionais e financeiras. Os salários dos eleitos (que não são escolhidos pelo seu currículo profissional) não tem em conta apenas os salários dos “concorrentes” (que na realidade, não existem). Também têm em conta os salários dos que os elegeram.
A mesma lógica não se aplica aos gestores. Os gestores públicos são, ao contrário dos políticos, profissionais que fazem desta atividade a sua carreira. Se há alguma diferença em relação a um gestor privado é os seus deveres serem ainda mais exigentes. Além de responderem pelos resultados financeiros, respondem pelo serviço público que as empresas em causa têm de prestar. É por isso impossível ignorar os salários praticados no sector privado, até porque, ao contrário do que sucede na administração pública, o administrador público não será compensado, ao ter salários mais baixos do que no privado, por uma maior estabilidade laboral. Se eu posso e devo exigir a um político que a sua motivação fundamental seja o de servir as causas em que acredita – por isso a política não é uma atividade profissional, mas um intervalo na vida profissional de cada cidadão –, essa exigência não é extensível a um gestor. Pelo menos não o pode ser durante muito tempo.
Dito isto, os decisores políticos têm de ser coerentes e rigorosos no tratamento deste assunto. O caso dos administradores da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC, nova denominação do INAC) desafia qualquer coerência, rigor e justificação plausível. De acordo com o “Jornal de Notícias”, os aumentos dos administradores desta agência de regulação foi de 150%. O salário do presidente passou de 6.030 euros para 16.075; a do vice-presidente de 5.499 euros para 14.468; e o da vogal de 5.141 euros para 12.860. Apesar do antigo ministro da Economia dizer que o governo anterior nada teve a ver com estes aumentos, eles foram decididos pela comissão de vencimentos da ANAC, constituída por três elementos que foram escolhidos para as funções por Maria Luís Albuquerque e Pires de Lima. E custa muitíssimo a acreditar, tratando-se de três administradores cuja nomeação gerou muita polémica mediática, que estes aumentos tenham passado ao lado do ministro.
Quais são os três problemas relacionados com este aumento? Primeiro, foi pouco transparente. A lei obrigava à sua divulgação e, no entanto, foram mantidos em segredo. Segundo, foi injusto. Este brutal aumento acontece no mesmíssimo momento em que toda administração pública e empresas do Estado mantinha uma posição de brutal contenção e redução salarial no pessoal permanente. Terceiro, é injustificável. É impossível explicar estes salários com o argumento que usei no início do texto. A Cresap (Comissão para o Recrutamento e Seleção para a Administração Pública) chamou a atenção para o facto de Luís Ribeiro (presidente) e Carlos Seruca Salgado (vice-presidente) não terem “qualquer formação específica aprofundada em termos de regulação económica”. Ou seja, se eles nem eram indicados, como se justifica um aumento de 150%?
Foi a própria Cresap que assinalou outro problema grave com o presidente da ANAC: Luís Ribeiro era administrador executivo da Portway e vogal do Conselho de Administração da ANA. Não tinha currículo no que interessava e o currículo que tinha punha-lhe problemas na independência que se exigia à sua função. Quando foi nomeado para a ANAC, Luís Ribeiro justificou-se, no Parlamento, dizendo que tinha ido para a ANA, ainda pública, por via do Estado. Assumindo que isso teria qualquer efeito menor nas incompatibilidades assinaladas, é bom recordar que foi escolhido de novo pela Vinci para administrador, viu as suas funções reforçadas e quando saltou do regulador para o regulado era administrador de uma empresa privada com fortíssimos interesses na área de regulação que foi exercer.
Defendo que os salários dos gestores públicos devem corresponder às suas responsabilidades e ter em conta o que é praticado no sector privado. E defendo isto de forma ainda mais clara em relação a agências de regulação, onde são várias as incompatibilidades que necessariamente limitam a carreira dos candidatos aos lugares. O que me parece impossível de defender é aumentos de 150% na ANAC, ilegalmente escondidos, no mesmo momento em que o governo anterior sufocava os funcionários públicos. E isto para segurar no lugar pessoas que a Cresap considerou pouco qualificadas. Sendo que, ainda por cima, o presidente desaconselhado e exponencialmente aumentado vinha diretamente de administrador de um dos mais importantes regulados para o regulador, pondo em causa a credibilidade do seu próprio trabalho.
Na Autoridade Nacional de Aviação Civil, o governo anterior conseguiu um jackpot de descaramento.
Este caso… só à tiro !!!
Posto isto, há forma de os mandarem embora e de os mandar restituir os aumentos?
A ilegalidade da não publicação de indigitação não chega para anular a coisa?