A comunicação social não é politicamente neutra…

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 02/10/2015)

Pacheco Pereira

            Pacheco Pereira

Como faço muitas vezes antes de escrever, fui ler as últimas notícias nos jornais online, para ver que temas estão a ser noticiados e debatidos nas suas primeiras páginas. Eis uma selecção do que encontrei, tendo feito uma consulta simultânea aos vários jornais na segunda-feira, por volta das 16 horas. Os resultados podiam ser diferentes uma hora antes ou uma hora depois. No entanto, os resultados têm também que ter em conta que os jornais em linha se patrulham uns aos outros em tempo real, pelo que cada um sabe o que o outro está ou não está a destacar e faz uma escolha, mesmo que a base seja comum, das notícias de agência.

Fraude da Volkswagen
Como se tratava de uma fraude empresarial, com claro dolo criminoso, e atingia uma das maiores empresas privadas alemãs, cujo objectivo é, sem ambiguidades, ganhar mais dinheiro através da manipulação de um produto destinado a enganar consumidores, a lei e a regulamentação de vários estados, fui ao principal arauto do mundo empresarial, da “liberdade” das empresas, dos méritos das empresas privadas e dos malefícios das públicas, ou seja ao Observador. O Público e o Diário de Notícias tinham na primeira página com destaque as últimas notícias sobre a fraude e o elevado número de carros atingidos. O Observador nada em destaque, a notícia está lá para o fundo arquivada, e, pelos vistos, dos 18 artigos de opinião, ainda activos na página, ninguém considerava relevante falar da fraude da Volkswagen. Para grandes defensores do capitalismo, vulgo “economia de mercado”, o silêncio é interessante.

Situação dos idosos
O Público cita um relatório, Long-term care protection for older persons: A review of coverage deficits in 46 countries, da OIT, que mostra que Portugal é dos países que menos gasta na protecção dos idosos. Não só tem poucas pessoas capazes de cuidar dos idosos, como é dos países com “despesas nesta área das mais reduzidas do mundo”. Num dos países a envelhecer mais rapidamente isto deveria ser objecto de alarme e de discussão pública. Só encontrei no Público a notícia.

Saúde pública/saúde privada
De novo o Público refere um alerta de um tenebroso esquerdista, o presidente da Associação Italiana de Hospitais Privados, de que “a tendência para a diminuição da despesa pública em saúde na Europa, que se tem observado nalguns países nos últimos anos, vai gerar um fosso tecnológico e assistencial que não será possível colmatar rapidamente”. Exemplo? Portugal, onde os gastos públicos com a saúde representam 6,1% do PIB, abaixo dos 7% considerados mínimos para haver uma qualidade mínima dos serviços de saúde.

O FMI considera que o crescimento da economia mundial abrandou…
…e que as previsões para 2015 e 2016 eram demasiado optimistas. O Diário de Notícias dá relevo a esta notícia, o Observador atira-a para baixo. O Público nada diz.

Portugal em risco de recaída, diz o Morgan Stanley
Só o Observador dá relevo a esta notícia. Era interessante perceber por que razão um jornal tão próximo do actual poder político tinha uma notícia que podia ser crítica da governação. Lido com atenção o que diz o Morgan Stanley percebe-se duas coisas: uma é que, como o FMI e as agências de rating, o banco não gosta de eleições; a outra é que é preciso “ir mais longe nas reformas” e sabemos quais são essas “reformas”. Como nos relatórios do FMI, o banco não gosta das amabilidades e promessas eleitorais da coligação, queria a linha dura da austeridade mais claramente expressa na acção governativa.

Os articulistas de opinião do Observador também. Não se preocupem muito, porque se a coligação ganhar as eleições o ambiente de bodo aos pobres muda logo a seguir e estes relatórios vão tornar a ser lidos e aplicados com zelo. Quanto ao PS, não é muito confiável e é-lhe aconselhado “consenso”.

O que é que votou a Catalunha?
O Público diz: “Independentistas têm maioria absoluta no parlamento da Catalunha”. O Diário de Notícias diz “Catalunha. Votação recorde dá maioria absoluta no parlamento a independentistas.” O Observador “Catalunha. Ganhou o sim, não tanto a independência”.

Aqui os títulos são contraditórios. Percebe-se que uns ou estão contentes ou são indiferentes aos resultados e que outros não gostam deles. Na verdade, todos estes títulos têm razão de ser, embora o do Observador não seja factual mas interpretativo, e parece incomodado com os resultados. Não admira, os partidos centralistas e, em particular, o PP, partido no poder, irmão do CDS e do PSD, teve uma grande derrota.

A comunicação social não é politicamente neutra…
…e só perde quando o tenta disfarçar. Daqui a dias vota-se e muito daquilo que “informou” cada um pode não ser decisivo, mas ajuda.

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