Este euro que nos mata lentamente

(Nicolau Santos, in Expresso, 08/08/2015)

Nicolau Santos

     Nicolau Santos

O euro está a fazer mal à economia portuguesa. Se tivéssemos a estrutura produtiva da Alemanha não seria assim. Se tivéssemos um mercado interno muito superior a 10 milhões de pessoas não seria assim. Se não fossemos a 40ª economia mundial a viver com a moeda mais forte do mundo não seria assim. Mas é assim por todas essas razões e também pela inquestionável indisciplina nas finanças públicas desde 1974. O último excedente orçamental das contas públicas registou-se em 1973 — e desde 1975 só em três anos é que o défice orçamental ficou abaixo dos 3%. Apesar disso, o peso da dívida pública em percentagem do PIB manteve-se bastante estável, em torno dos 50% do PIB, entre 1986 e 2000. E é a partir daí, década em que aderimos ao euro, que o rácio de dívida pública/PIB começa a crescer de forma sustentada e explode depois de 2008, ano da falência da Lehmann Brothers.

Ora, se continuámos a acumular défices orçamentais entre 1986 e 2000, como foi possível manter estabilizado o rácio da dívida pública em percentagem do PIB? Por várias razões, a primeira das quais e mais importante decorre do forte crescimento da economia portuguesa nesse período (subida de 9,1% do PIB nominal entre 1987 e 2000 e de 4% do PIB real contra valores descoroçoantes de 4,5% e 1% entre 2000 e 2007 ou completamente agónicos de 2,5% e 0,2% entre 2000 e 2013). Depois, com a entrada na Eurolândia, o crescimento começa a definhar ano após ano. As causas são várias: o euro torna as exportações nacionais menos competitivas; os agentes económicos, beneficiando das taxas de juro baixas, endividam-se; o mercado nacional aquece, devido ao aumento do poder de compra; as empresas passam a apostar nos bens não transacionáveis. Todos estes ingredientes, mais o dinheiro público injetado na economia para a sustentar em 2009 e 2010, levam ao disparo brutal da dívida externa, que chega a 130% do PIB em 2014.

O que daqui decorre é que sem fortes crescimentos da economia não há outra maneira de permanecer no euro senão ir cortando cada vez mais nas funções do Estado, em salários e pensões, nas prestações sociais, no investimento público, para manter o garrote sobre a procura interna.

Logo que ele afrouxar, é mais do que provável o regresso dos desequilíbrios externos. E esses fortes crescimentos deveriam decorrer do regresso em força do investimento estrangeiro, após o ajustamento. Não foi isso que aconteceu. O investimento que veio foi de fora da UE (China e Angola) para comprar empresas e bancos já existentes. O investimento francês dirigiu-se para a compra de imobiliário. Pelo caminho, o país perdeu várias empresas âncoras da economia e mais de 300 mil técnicos médios e altamente qualificados para o estrangeiro.

Sem forte crescimento da economia não há maneira de permanecer no euro senão cortar no Estado social, salários e pensões

Como é que se sai deste imbróglio sem sair do euro? A proposta de François Hollande (um núcleo duro de sete países e um euro fraco para os restantes) é uma via. E não há muitas mais.


Fragilizar a Caixa

O primeiro-ministro está “preocupado” com a Caixa Geral de Depósitos por a instituição ainda não ter devolvido ao Estado as ajudas públicas que recebeu. A afirmação é surpreendente. O presidente da Caixa, José de Matos, foi uma escolha direta do ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar. Os restantes membros da administração foram indicados pelo PSD e CDS. Depois, sendo um banco público, o acionista Estado pode demitir a administração, se não está contente com ela, ou obrigá-la a cumprir novas orientações. Além disso, a Caixa só tem de pagar o empréstimo até 2017 e nada a obriga a fazê-lo antes. Aliás, esse não pagamento antecipado permite ao Estado encaixar anualmente cerca de €100 milhões em juros. Por fim, os 900 milhões em jogo são sempre dinheiro público, embora, hélas!, sejam contabilizados de forma diferente no Orçamento do Estado. Por isso, ao dizer o que disse, Passos Coelho fragiliza a administração da Caixa e desvaloriza a instituição. Com que objetivos, eis a questão.


Simões e os ficantes

A escolha de António Simões para presidir ao HSBC levantou de novo o esplendor de Portugal. Dois bancos ingleses presididos por portugueses! Pois lamento estragar a festa. Nem o HSBC nem o Lloyds, presidido por Horta Osório, operam em Portugal. António Simões é seguramente excelente no que faz, mas o país nada ganha com isso, a não ser ter mais um filho ilustre. É muito bom mas não resolve um único dos nossos problemas. São os insignes ficantes, como disse Jorge de Sena, que têm de os resolver.


O que é preciso é gente

gente com dente

gente que tenha dente

que mostre o dente

Gente que não seja decente

nem docente

nem docemente

nem delicodocemente

Gente com mente

com sã mente

que sinta que não mente

que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente

que fira de unha e dente

e mostre o dente potente

ao prepotente

O que é preciso é gente

que atire fora com essa gente

Essa gente dominada por essa gente

não sente como a gente

não quer

ser dominada por gente

NENHUMA!

A gente

só é dominada por essa gente

quando não sabe que é gente

Ana Hatherly, ‘Essa gente / Esta gente’, in “Um Calculador de Improbabilidade”, 1929-2015

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