Trocamos?

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 30/06/2015)

Pacheco Pereira

                Pacheco Pereira

Meu bom Pan,

Passou-me pela cabeça, em desespero de causa, que podíamos trocar de vida um com o outro. Eu ia para aí, à procura de ouro nessas terras áridas, e tu vinhas para aqui aguentar mais uns meses de uma campanha eleitoral que está tão árida e poeirenta como os teus desertos do interior. E olha que eu sou teu amigo, em condições normais nunca me passaria pela cabeça desejar-te algum mal, mas como isto está, até te rogo esta praga. Só por isso imagina o meu desespero, acho que como as coisas estão por cá fico mais estúpido todos os dias. E não gosto.

E é desespero mesmo, porque a última coisa, pelos vistos a penúltima, que me apetece fazer é andar por esses sítios onde as pessoas comem vermes e raízes, se sentam no chão e onde há muito pó. Tu aguentas porque, como todo o alemão contemporâneo, tens muita culpa a expiar e eu não. Os meus antepassados andaram a matar pretos, cochins, malabares e mouros, mas já lá vai muito tempo. Agora, a minha pátria é um exemplar país do Primeiro Mundo, onde se vive melhor do que no Bangladesh. Mas os costumes, meu bom alemão, são muito maus…

Os nossos maus costumes, no qual se inclui uma manha camponesa e desconfiada, levaram o nosso Presidente a rogar-nos esta maldição de colocar o País numa longuíssima campanha eleitoral. As más-línguas dizem que foi para ver se o Governo encontrava maneira de se safar e de desgastar a terrível oposição socialista.

E isto parou tudo, ninguém governa nada, as mesmas polémicas regressam ciclicamente como se fossem novas, a comunicação social contribui e muito para esta monotonia suscitando “casos” às segundas, quartas e sextas e enojando-se com os “casos” que ajudou a criar, nas terças, quintas e sábados. Domingo era para ser o dia do Senhor, se não fosse o futebol.

Eu, se mandasse fora das minhas hortas, e mesmo assim tenho que lutar com insectos, minhocas, toupeiras, coelhos, pragas avulsas e o tenebroso S. Pedro, instituía uma campanha eleitoral de uma semana e proibia as “pré-campanhas”. Ou melhor, não lhes dava tempo: anunciava eleições no domingo, de segunda a sábado que se amanhassem, não havia “descanso”, nem reflexão, e votava-se no domingo a seguir. Durante uma semana era o Armagedão, o Apocalipse, o Julgamento Final, valia tudo até tirar dentes e depois, no glorioso domingo em que se votava, o País voltava aos eixos e ao silêncio. Dava-se cabo de uns milhões de euros em produtividade, mas havia menos estragos do que com este ano, mais do que um ano, de arrastada, viciosa, cansativa campanha que não ousa dizer o seu nome.

Assim, esta campanha pastosa faz à democracia o pior que se lhe pode fazer. Os spin doctors brasileiros (mas que raio de ideia ir buscar ao Brasil os “especialistas” de imagem e marketing político!) gostam: ganham por mais tempo de trabalho e colocam as suas marionetas a fazer teatro. Milhares de pequenos duendes estão a comer o passado para que ele não venha assombrar os candidatos: esqueçam Sócrates em Évora, dizem ao PS; esqueçam que amavam a troika dizem eles ao PSD; esqueçam o “partido dos contribuintes”, o “partido da lavoura”, o “irrevogável”, dizem eles ao CDS. Melhor conselho ainda: esqueçam tudo o que aconteceu e lembrem-se só daquilo que quero que se lembrem. Portugal aguenta? Aguenta. Só eu é que não, meu bom alemão.

Por isso, meu amigo agrimensor e prospector, podemos fazer um trato um pouco mais complexo. Tu vens e trazes a população aborígene de Queensland toda. Acampam no Marquês e no Parque Eduardo VII e, se a polícia vos incomodar, dizem que são benfiquistas. Até vos ajudam a fazer as fogueiras e a escavar o jardim. E eu levo-te até à Baixa onde há uma lenda urbana de que algum ouro do Banco de Portugal está numa cave. Como a tua função é procurar ouro, podes lá levar a varinha de vedor e escrever aos teus patrões a dizer que ela se verga toda na Rua Augusta.

Eu, pelo meu lado, em vez de ir para o interior de Queensland ficava-me pela costa, que parece que tem boas praias. Eu gosto do mar, mas detesto a “praia”, mas deve haver um sítio bonito, sem surfistas e solitário, onde possa finalmente escrever alguma coisa, limpo a cabeça desta miséria toda e fico por lá uns meses. Eu agradecia, o Governo e a coligação agradeciam, até dariam uns vistos gold aos teus aborígenes e tiravam-me o passaporte. E os leitores da SÁBADO leriam sobre a limpidez das águas, os tubarões ao longe, a beleza do nascer -do -sol, as ameaças sobre a Grande Barreira e o destino dos corais. E eu ficava cada vez mais aussie e tu cada vez mais luso.

Até que, no dia das eleições, eu descia do avião, qual anjo exterminador (imagina!), e colocaria o meu voto nas urnas como se espetasse uma faca nas entranhas do dragão e o mundo voltava aos seus eixos. Tu regressavas, saudoso da pessoana ginjinha, os teus aborígenes de cachecóis do Benfica, e os teus patrões alemães viriam buscar o que sobrava do ouro do Banco de Portugal, coisa que aliás eles fazem sem prospecção.

Sonhar é fácil.

Um abraço do teu amigo de sempre.

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