(Nicolau Santos, in Expresso, 01/05/2015)
A venda de empresas públicas e privadas é um traço marcante do ajustamento da economia portuguesa nos últimos quatro anos. Aliás, a pedra de toque do modelo desenhado pela troika residia precisamente no regresso em força do investimento estrangeiro, o que permitiria uma rápida recuperação após a cura de austeridade. Infelizmente, a redução dos salários na Função Pública e nas pensões, a simplificação do despedimento individual e a diminuição das indemnizações e os cortes severos na despesa pública, em particular nos apoios sociais e no investimento do Estado, não chegaram para convencer nem as agências de rating (que mantêm na classificação de “lixo” a dívida portuguesa) nem para atrair investimento estrangeiro que criasse empresas inovadoras e postos de trabalho qualificados.
Isso não significa que o investimento estrangeiro não tenha vindo em força para aproveitar a fragilidade do Estado e dos privados. Os investidores chineses foram a grande surpresa. A Three Gorges tornou-se acionista maioritária na EDP, a State Grid fez o mesmo na REN e na Efacec, a Fosun controla a Fidelidade e a Luz Saúde e está bem colocada na corrida ao Novo Banco, a Sinopec ficou com 30% da Petrogal Brasil, o grupo Haitong comprou o BESI, a Beijing Entreprises Water Group detém quatro redes de distribuição de água em baixa pressão. Os brasileiros da Camargo Côrrea adquiriram a Cimpor. Os franceses da Vinci ficaram com a ANA e os seus compatriotas da Altice com a PT Portugal. A angolana Isabel dos Santos tem presença significativa no BPI e na NOS, enquanto a Sonangol é a acionista maioritária do BCP.
É verdade que tínhamos de vender ativos. Mas quando se vendem os anéis e os dedos, o risco de morrer pobre e de gangrena é altíssimo
Contudo, nenhum destes investidores criou novas empresas. Vieram para comprar o que existia. Trouxeram financiamento (no caso chinês), mas não inovação. Vieram para aprender e ganhar experiência, não para ensinar ou transferir know-how. Querem ressarcir-se do investimento, não fazer mais investimentos. A troika e o Governo esperavam que daqui resultasse uma economia mais competitiva. Até agora não há evidências de tal. Não há mais emprego qualificado. Não há melhores salários para os quadros técnicos. Não há mais inovação.
Quanto ao processo de privatizações ou de alienação de participações públicas, obedeceu a um único critério: a maximização do encaixe. O vencedor foi sempre quem ofereceu mais. Nenhuma empresa foi considerada estratégica pelo Governo. Que, como disse Fernando Ulrich, a China esteja a fazer de Portugal o seu porta-aviões na Europa não preocupa o primeiro-ministro. Que Luis Sáragga Leal diga que os investidores chineses compram empresas portuguesas como porta de entrada para os mercados europeus, PALOP e América Latina não levanta nenhuma interrogação. Que a Cimpor esteja a ser desmantelada ou a PT Portugal reduzida a uma companhia local não inquieta São Bento. Que esteja nas mãos dos franceses da Vinci a construção do novo aeroporto não faz levantar a sobrancelha a ninguém do Governo.
É verdade que tínhamos de vender ativos. Mas um país não é uma empresa. E mesmo uma empresa sabe que tem de vender os anéis para ficar com os dedos. Quando se vendem os anéis e os dedos, o risco de morrer pobre e de gangrena é altíssimo.
Carlos Costa e Centeno
Em 2012, o Banco de Portugal abriu concurso para diretor do Departamento de Estudos Económicos. Um júri internacional escolheu, de forma destacada, o diretor-adjunto do departamento desde 2004. Contudo, o governador vetou a escolha. Numa casa que aparentemente se rege pela meritocracia, só razões políticas podem ter levado à decisão de Carlos Costa. Com efeito, o vetado é licenciado em Matemática Aplicada pelo IST e doutorado em Economia por Harvard, tendo desenvolvido uma sólida carreira no Banco de Portugal. Mas tem um pecado: criticou a política laboral do anterior Governo, ele que é especialista na área. O BdP deu a desculpa esfarrapada de que “as candidaturas não reuniam todos os requisitos exigidos para o desempenho da função” e nomeou uma comissão, liderada por Vítor Gaspar, para estudar o reposicionamento estratégico e a missão do departamento. Ah, o vetado chama-se Mário Centeno. E este é um caso em que temos vergonha por outro.
O ministro que vale por três
No mesmo dia fala com o embaixador brasileiro sobre como melhorar as relações económicas, numa conferência sobre o investimento chinês, e parte para Marrocos com uma luzidia comitiva de empresários. A seguir vai à Bolsa de Nova Iorque e afirma: “Esta visita podia resumir-se em duas palavras: vender, vender, vender, exportações portuguesas, marcas portuguesas, produtos portugueses; captar, captar, captar, investimento, porque esta é a altura de olhar para Portugal a sério.” Tanto resolve os problemas das vendas nacionais de azeite e vinho para o mercado brasileiro como consegue dissuadir o Governo angolano de aumentar as taxas de importação sobre produtos alimentares portugueses. O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, exerce também as funções de ministro dos Negócios Estrangeiros e de ministro da Economia, relegando Rui Machete para o papel de gaffeur irrelevante, que tem ocupado com garbo e distinção, e António Pires de Lima para ministro das Questões Económicas Pouco Mediáticas. Passos Coelho tinha razão. Este Governo podia ser bem mais pequeno. Portas é o três em um. E sempre com alto nível de eficiência.