(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 24/04/2015)
Confesso que já não sei se o objetivo do PSD, do PS e do CDS é que não haja cobertura mediática da campanha eleitoral para reduzirem ao mínimo qualquer tipo de alteração no quadro político-partidário existente. Porque se não for isso, há, em quem negociou as medidas que agora foram apresentadas para regular a cobertura noticiosa das campanhas e pré-campanhas eleitorais, um grau tal de desconhecimento sobre jornalismo, comunicação social e a liberdade de imprensa que seria melhor nunca mais produzirem legislação para este sector.
Antes de mais, tentemos entender-nos numa coisa: há um problema de pluralismo no acesso à comunicação social? Há. Há nas campanhas e fora delas. Há entre os partidos e entre organizações sociais. Há na pluralidade de posições que existem no país e que muitas, bem representativas, pouco espaço têm nos media. Isto não se resolve legislando tempos e espaços para cada posição. Resolve-se favorecendo o pluralismo e independência nos meios de comunicação social. O poder político cria as condições para o pluralismo informativo, não o determina fazendo alinhamentos de telejornais.
Os jornalistas não podem ir a despacho para aprovação estatal de planos de cobertura de uma campanha eleitoral. Adoraria ver o CDS, o PSD ou o PS defender que as empresas têm de apresentar os seus planos de negócios a aprovação. Ou teatros que não dependam sequer de apoios públicos terem de apresentar a um regulador a sua programação. Se isso é impensável nestas atividades ainda mais impensável é quando se fala de jornalismo. Ainda mais quando a cobertura de uma campanha é dinâmica, não é um ato burocrático. O telejornal, devendo ser pluralista e equilibrado, não é um tempo de antena. Para isso existem os tempos de antena propriamente ditos. Mas, acima tudo, a ideia do visto prévio é de tal forma repugnante que deveria ter feito tocar os alarmes democráticos que alguns deputados deviam ter nas suas cabecinhas. A ideia é de tal forma abstrusa que custa a acreditar que não seja uma mera forma de sabotar a cobertura mediática das campanhas.
A DECISÃO DE UM JORNALISTA PERANTE A TENTATIVA DE CENSURA NÃO É DEIXAR DE ESCREVER A NOTÍCIA. É ESCREVÊ-LA E ASSUMIR OS RISCOS DISSO MESMO. SE NÃO O FIZEREM, PODEMOS FALAR DE JORNALISMO SUAVE
Quando o disparate parece ter chegado aos Himalaias, decreta-se que estão proibidos os juízos de valor nas peças jornalísticas. Nas de campanha ou em todas as notícias? Numa greve pode e numa campanha não? Para os partidos é proibido mas para todas as restantes organizações não há problema? “O comício foi morno” é um juízo de valor? “Houve poucos aplausos” é um facto? Haverá uma comissão de censura a determinar onde começa uma coisa e acaba outra? Com base em quê: no código deontológico dos jornalistas ou na lei de imprensa? Passou a existir um jornalismo legal e outro ilegal? E entre os partidos que aprovam esta aberração não está um que é dirigido por Paulo Portas, ex-diretor do “Independente”?
Por fim, há uma determinação do tempo que é dado à opinião e às notícias. Não querem nomear também um representante parlamentar nas redações? Fica na régie e vai dando ordens.
Desde que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social decidiu começar a cronometrar os tempos que os telejornais dão a cada partido, tratando por igual notícias negativas e positivas, irrelevantes e relevantes, como se o jornalismo se fizesse a peso, que se instalou o disparate na forma como tudo isto se discute. O resultado, perante a exigência de debates com 24 partidos, foi o fim dos debates. Bom para quem não quer esclarecer ninguém. O disparate, perante o cronómetro do burocrata que quer dar a partidos com dez pessoas o mesmo tempo que dá a partidos com dezenas de milhares, resultou no desaparecimento das campanhas das televisões. Podem agradecer à Comissão Nacional de Eleições os maiores partidos, que têm dinheiro para cartazes, o aumento do desinteresse, da desinformação e da abstenção.
Que fique claro: os jornalistas não podem fazer tudo o que querem. Não podem fazer bullying com um partido ou promover outro. Não são, também eles, os tutores da democracia. Não podem achar que há umas forças políticas que dispensam um tratamento informativo sóbrio, só porque não são do sistema partidário já instalado. Não podem tratar partidos com a mesma força eleitoral de forma totalmente diferente só porque determinam que um é do “arco da governação” e outro não. Mas isto não se resolve pondo instituições públicas a determinar os alinhamentos noticiosos. É impensável numa democracia.
Dito isto, é um erro os jornalistas responderem com um boicote à campanha. Primeiro, porque tratam a cobertura do período de campanha como um serviço que fazem aos partidos e não um serviço que fazem aos cidadãos. É quase uma confissão. Segundo, porque favorecem o infrator. Quem tem meios financeiros tem mais facilidade em chegar às pessoas sem a comunicação social. Quem prefere não esclarecer dispensa os debates. Mas é mais do que isto. Este boicote não é um ato de resistência, é um ato de desistência. Afrontar o abuso de poder é não cumprir normas que atentem contra a liberdade de imprensa. A decisão de um jornalista perante a tentativa de censura não é deixar de escrever a notícia. É escrevê-la e assumir os riscos disso mesmo. Se não o fizerem, podemos falar de jornalismo suave. Pelo silêncio, mas suave.