Vou pagar, senhor jornalista

(Bernardo Ferrão, in Expresso Diário, 02/03/2015)

Bernardo Ferrão

Bernardo Ferrão

Outubro de 2012. Debate quinzenal no Parlamento. Passos Coelho: “Eu pertenço a uma raça de homens que gosta, mesmo quando não é o próprio a causa do endividamento, de honrar os compromissos do país, de pagar aquilo que deve, mesmo que por essa razão tenha de solicitar aos portugueses um sacrifício ainda maior.”

Esta frase do primeiro-ministro não podia ser mais ajustada ao momento. Porque, de facto, Passos Coelho pagou o que devia à Segurança Social. O problema é que só o fez, como já reconheceu, depois de ter sido pressionado por um “senhor jornalista”. Ou seja, tarde e a más horas. E ainda por cima porque foi descoberto.

Percebe-se agora que, desde 2012, o primeiro-ministro já sabia que tinha um montante para pagar mas decidiu adiar esse ajuste de contas. Talvez para quando saísse de São Bento. É verdade que a dívida já estava prescrita, mas porque é que não a pagou logo naquela altura? Será que não lhe era politicamente conveniente? Nesse ano, Passos cortou o subsídio de férias, os salários e as pensões. Alargou a contribuição extraordinária de solidariedade e manteve a sobretaxa de IRS.

O que também se estranha é como é que durante esses 5 anos a recibos verdes nunca lhe tenha ocorrido que tinha de descontar para a Segurança Social. É verdade que alega que o Estado não o notificou, mas será que o Estado sabia que Passos estava nessas condições? Nesses anos em que não pagou (1999-2004), alguma vez foi à procura de saber se estava numa situação regular? Não é isso que o Estado exige a todos os cidadãos?

Dizer que “não tinha consciência que essa obrigação era devida”, ou que “estava convencido que era uma opção”, é fraco argumento quando se sabe que o desconhecimento da lei não serve de desculpa para ninguém. Muito menos para um primeiro-ministro. Para este primeiro-ministro e para a sua governação feita de sacrifícios e de lições de moral. E isto num país onde quem deve ao Fisco e à Segurança Social é penhorado na hora, sem apelo nem agravo.

Que moral tem agora o primeiro-ministro para falar das contas deficitárias da Segurança Social? A oposição não parece disposta a largar o assunto. E se a isto somarmos as dúvidas que ficaram da Tecnoforma e CPPC, o líder do PSD parte ainda mais intoxicado para a campanha eleitoral.

O primeiro-ministro, que tanto gosta de usar a linguagem popular nas suas intervenções, já devia saber que, nos dias que correm, a célebre passagem de Frei Tomas está desatualizada. Agora já não se olha apenas para o que se diz. Também se olha para o que se faz. E, neste caso, Passos fez mal e disse ainda pior.

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