O turismo rural

(António Guerreiro, in Público, 18/08/2017)

Guerreiro

António Guerreiro

A anexação do ambiente rural pelo turismo é muito mais do que uma homenagem ao kitsch, é o culminar de uma história da paisagem.


O modo de aquisição cultural da paisagem através do turismo rural (em boa verdade, a natureza é sempre uma função da cultura) requer que se imite a natureza para a limitar. A natureza tem de ser contida na sua desordem e nas suas manifestações exorbitantes para que o modelo paradisíaco seja assegurado. Pode ser que o turista rural tenha uma vaga ideia de que a natureza é muito avara a conceder bem-estar, mas ali, no empreendimento turístico onde o campo foi domesticado, colonizado e anexado à vida urbana, “tout est calme, luxe et volupté” (Baudelaire).

Uma grande filósofa da paisagem e socióloga do turismo rural, de nome Espírito Santo, pronunciou há alguns anos, do seu posto de observação na Comporta, uma frase de grande alcance nesta matéria: “É como brincar aos pobrezinhos”. O turismo rural é uma brincadeira do mesmo tipo, mas de sinal inverso: é um fazer de conta que a natureza é rica e confortável.

E é uma forma de estetismo que teria horrorizado o supremo esteta que foi Oscar Wilde. Um grande antropólogo e historiador italiano, Piero Camporesi (1926-1997), que dedicou à invenção do campo italiano, no século XVI, uma obra notável (Le belle contrade: nascita del paesaggio italiano), mostrou que a imagem preponderante na sensibilidade estética foi a do “paese giardino”, a do idílio campestre, extensão do jardim do Éden. E assim vemos como o turismo rural, na sua suprema destinação kitsch, subsume uma história estética da natureza. Devemos colocá-lo do lado do canto nostálgico e elegíaco? Nem pensar, ele é uma celebração jubilante do fim dessa coisa que já só existe para ser aposta ao substantivo “turismo”: turismo rural.