A temível marxista Ursula von der Leyen e o PS dividido como nunca

(Ana Sá Lopes, in Público, 11/09/2022)

César tem razão quando adverte para o “sinal político”. Nos fóruns europeus já se discute como a crise suscitada pela guerra da Ucrânia pode fazer ressurgir os populismos na Europa e a dar uma inesperada meia-vitória a Putin.


O PS raramente se divide em público: houve há uns tempos a questão das touradas e as eleições presidenciais, com alguns a defenderem o apoio a Ana Gomes (Pedro Nuno Santos, Francisco Assis) e outro grupo, maioritário, a defender o apoio a Marcelo Rebelo de Sousa – onde se incluía o actual Presidente da Assembleia da República Augusto Santos Silva.

Mas, habitualmente, a linha da espécie de Comité Central socialista que começa e acaba em António Costa é seguida sem ondas. As excepções costumam ser o deputado Sérgio Sousa Pinto, a antiga candidata presidencial Ana Gomes e o presidente do Conselho Económico e Social Francisco Assis. Era assim no cavaquismo: quando queríamos ouvir qualquer opinião dissonante de Cavaco Silva himself íamos falar com Álvaro Barreto ou Ângelo Correia.

Agora, estamos num novo patamar. A veemência com que o presidente do PS, Carlos César (que nunca foi um farol da esquerda do partido e sempre foi apoiante de Jaime Gama, da ala direita) defendeu a criação da taxa sobre lucros extraordinários que o Governo rejeita mostra que o partido está dividido ao mais alto nível.

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Carlos César já tinha defendido a taxa sobre lucros extraordinários numa publicação no Facebook no meio de Agosto. Agora fê-lo num lugar mais solene: a Academia do PS, que marca a rentrée do partido. No mesmo dia – a última quarta-feira – a outrora ministra da Defesa de Angela Merkel, militante da CDU alemã, do Partido Popular Europeu (a direita europeia) veio defender exactamente o mesmo. “As companhias petrolíferas e de gás também estão a arrecadar lucros maciços, pelo que vamos propor que paguem uma contribuição solidária para ajudar a enfrentar esta crise”, disse Ursula Von der Leyen.

Subitamente, a líder da Comissão Europeia transformou-se numa perigosa marxista para o Governo socialista português que resiste até ao limite a taxar os lucros extraordinários. O ministro das Finanças e o primeiro-ministro não estão impressionados com a presidente da Comissão Europeia nem com o presidente do PS. As palavras de Carlos César esta semana foram duras: “Temos de convocar a responsabilidade social, a contribuição e a ajuda das empresas que têm beneficiado com este processo inflacionário. Não é justo que fora desse contexto possam existir empresas que lucram fabulosamente com a desgraça e a insatisfação dos outros”. César enfatizou “não só a arrecadação correspondente, mas o sinal político” de uma medida destas.

Fernando Medina respondeu, tal como já antes tinha feito António Costa, que já havia taxas a mais. “No sector energético já existe um imposto especial”, disse Medina. O eurodeputado socialista Pedro Marques veio ontem reforçar o apelo à taxa sobre os lucros extraordinários.

O Governo está preocupado com as “contas certas”, um slogan que lhe permitiu a consolidação no poder por oposição àquilo que a direita chamava o “despesismo” de José Sócrates (ignorando que foi a própria Comissão Europeia que consensualizou que o “despesismo”, ou seja, o investimento público, como primeira resposta à crise financeira de 2008 – e depois virou o bico ao prego).

Agora, César tem razão quando adverte para o “sinal político”. Nos fóruns europeus já se discute como a crise suscitada pela guerra da Ucrânia pode fazer ressurgir os populismos na Europa e a dar uma inesperada meia vitória a Putin, mesmo que venha a perder – como os sinais de ontem apontam – a guerra da Ucrânia. O governo da troika PSD/CDS fez a direita perder os votos dos pensionistas e dos funcionários públicos. Agora, começam a ser criadas condições para a situação se inverter.

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