UMA CHATICE, A HIPOCRISIA

(In Blog O Jumento, 17/05/2018)

prolongamento

Aconteceu com o Sporting, mas poderia ter acontecido com qualquer clube, com qualquer instituição, o país ignora a hipocrisia, faz de conta que não vê, ignora os jornalistas que se converteram em pequenos Goebbels ao serviço de clubes, não repararam no espalhar do ódio. Agora assistimos a uma verdadeira vaga de hipocrisia.

Ninguém reparou nos posts no Facebook ou em newsletters a espumar de ódio? Ninguém reparou nos jornalistas que se converteram em assessores de imprensa para com a sua escrita serem mais eficazes nos incentivos ao ódio e para ajudarem dirigentes desportivos a melhor estimular o conflito junto dos seus adeptos.
Ninguém reparou no excessivo envolvimento dos partidos com os clubes de futebol talvez por já estarem esquecidos de quando Pedro Santana Lopes organizou um jantar de presidentes de clubes de futebol para apoiarem Durão Barroso na sua candidatura a primeiro-ministro. Já não bastam os jantares na Assembleia da República, onde os presidentes dos grandes clubes são tratados com as honras devidas a um Presidente da República. Há partidos mais implantados nos clubes do que no país e há mesmo um deputado do CDS que vai para a CMTV fazer de voz do nodo, referindo-se ao presidente de um clube desportivo como o “meu Presidente”.
Ninguém reparou que treinadores como Jorge Jesus com um estádio de Alvalade cheio em vez de levar os jogadores para o centro do terreno de onde se podem dirigira aos adeptos que estão em todas as bancadas, levam-nos quase de empurrão para junto das claques, fazer vénias aos mesmos que agora fizeram o que fizeram.
Ninguém reparou que a estratégia de um presidente de um clube em vez de ser ganhar o campeonato passou a ser a destruição do clube rival, com muitos dos seus adeptos mais esperançados em que o rival desça de divisão do que em ganhar os jogos. Não só ninguém reparou como parece que este ódio foi o cimento que uniu muita gente.
Quando elogiavam os dotes negociais de um presidente que discutia preços e condições até ao último minuto do prazo das transferências, não repararam que esta forma de negociar tinha como consequência transformar os jogadores em escravos do clube, retirando-lhes a esperança. Quando Carrilho saiu ninguém reparou de quem era a culpa, os que assobiaram Carrillo apoiam agora Rui Patrício, William de Carvalho ou o próprio Jorge Jesus no seu desejo de saírem facilmente para melhor negociarem o seu futuro.
Aquilo que aconteceu foi uma desgraça, mas uma desgraça bem mais pequena do que a que poderia ter acontecido se em vez de um par de tabefes encomendados e descontrolados, fosse um confronto aberto numa final da Taça. Há muito que a violência germina apoiada por especialistas e jornalistas contratados para promover o ódio e todos faziam de conta que não viam.

Os Jogos dos diplomas não foram assim tão maus

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 22/08/2016)

nicolau

Terminaram os Jogos Olímpicos e a rapaziada que detesta atletismo, hipismo, natação, judo ou qualquer coisa que não seja futebol resolveu amuar e dizer que o Rio 2016 foi um fracasso para as cores nacionais. O Correio da Manhã, sempre atento ao Portugal cavernícola que existe em cada um de nós, vá de pespegar na primeira página que “Portugal pagou 17 milhões pela medalha de bronze”, “ Desilusão no Rio”, “Representação abaixo das expectativas” e por aí fora.

É sempre interessante reduzir o esforço de dezenas de atletas portuguesas (entre os 10.500 de todas as modalidades que estiveram presentes) à conquista de medalhas. Mas num país onde quase toda a gente só pratica desporto de bancada ou de sofá; onde o desporto escolar praticamente não existe; onde as condições de trabalho para os atletas de alta competição também sofreram severamente durante o programa de ajustamento (2011-2014, mas com sequelas que se continuam a verificar dois anos depois); onde os centros de alto rendimento são poucos; onde a capacidade de atrair treinadores internacionais de topo é reduzida e onde também os melhores técnicos nacionais são tentados por boas propostas vindas do estrangeiro – num país com este envolvimento desportivo a única conclusão que se pode tirar é que, apesar de tudo, os resultados foram muito satisfatórios.

É verdade que pódio só houve um, o bronze de Telma Monteiro (e mesmo assim o juiz que a puniu por falta de combatividade no combate que a podia levar a disputar a medalha de ouro pareceu claramente ter tomado uma decisão excessiva). Mas na canoagem (onde não éramos nada há dez anos) ficámos entre os seis primeiros em K2 (4º), K1 (5º) e K4 (6º). No trialto, João Pereira fez uma recuperação espetacular na última prova (atletismo) vindo do 37º lugar até ao 5º. No futebol, Sub-23, uma equipa montada à pressa e boicotada por todos (é ver, por exemplo, que Neymar pressionou o Barcelona para o deixar participar nos Jogos e o Brasil ganhou a medalha de ouro), acabou mesmo assim no quinto lugar. No ténis de mesa, Marcos Freitas também ficou entre os cinco melhores. Na marcha feminina, Ana Cabecinha esteve também muito bem e ficou num muito honroso 6º lugar. Nélson Évora, no triplo salto, foi o melhor europeu, conquistando a sexta posição. Também no triplo, mas feminino, Patrícia Mamona, ficou na mesma posição. No ciclismo Nélson Oliveira ficou em 7º. E mesmo Luciana Diniz alcançou um magnífico 9º lugar na prova de saltos de obstáculos individual, tendo feito um percurso limpo na segunda passagem.

Ok, é verdade que vivemos com saudades das vitórias de Carlos Lopes e de Rosa Mota na maratona ou de Fernanda Ribeiro nos 10 mil metros. Mas o nosso fundo e meio fundo tem vindo a afundar-se, desde que Moniz Pereira se afastou (e faleceu) e os seus mais diletos alunos foram treinar para outras paragens. Em contrapartida, passámos a ter esperanças em modalidades técnicas, coisa para o que não parecia termos aptidões especiais.

Digamos, pois, que estes foram os nossos Jogos dos diplomas olímpicos. Mas para a nossa tradicional desorganização, o reduzido apoio ao desporto de alta competição e os milhões de praticantes de desporto de sofá e de bancada que temos, o que é que queríamos mais?