O Natal que passou nas redes sociais

(Carlos Matos Gomes, in Facebook, 26/12/2022)

O Natal que passou nas redes sociais. A ilusão paga-se caro.

Eu não quero ser desmancha prazeres, mas ás vezes existe uma escuridão por detrás das luzes que nos pode fazer cair num buraco. O que vi e li nas redes sociais e na TV:

A classe média que domina as tecnologias da informação está bem e tem a mesa farta. O Natal deste ano foi um sucesso de felicidade familiar e culinário. Seria interessante saber que percentagem da população portuguesa gozou do Santo e Feliz Natal com mesa pantagruélica, mesas que, como as que aparecem nos FB em casas de classe média, há cem anos seriam apenas acessíveis à grande burguesia. Houve, pois um alargamento da base social da fartura e do excesso.

Os que nada têm para exibir são invisíveis como historicamente sempre foram. Sabe-se apenas que aumentou muito a pobreza envergonhada, que acorre a instituições de caridade, bancos alimentares, associações beneméritas. O Natal desse grupo, de que se desconhece a dimensão, não merece reportagens, não existe e, por isso, não estraga a imagem que as classes médias querem dar dele.

As comunidades imigrantes, que representam uma percentagem significativa da população também não existem em termos públicos.

A utilização do conceito de tradição é um bordão que serve para justificar tudo, desde as luzes a piscar ao Pai Natal e ao filme Sozinho em Casa. Também os cães com um barrete vermelho! A tradição do Natal de classe média empanturrada é, curiosamente, uma conquista do 25 de Abril de 1974: do fim da guerra colonial, da integração europeia, do abandono da ideologia do Estado Novo de exaltação da pobreza, da obediência e da ignorância.

Concluindo: o estreitamento da classe média e a exibição da sua riqueza, o alargamento da pobreza e o silenciamento de velhos e, principalmente novos pobres, muitos deles jovens, cria condições para ruturas violentas. A ideologia dominante, do individualismo neoliberal assenta nos pressupostos do mérito desta lei da selva, mas historicamente movimentos de grupos sociais em sentidos opostos origina choques violentos. É o que nos aguarda se continuarmos com estes princípios. O resultado da convicção de que os pobres podem comer brioches se lhes faltar o pão tem precedentes e as consequências são conhecidas!


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