A irrelevância diplomática da União Europeia

(António Filipe, in Expresso Diário, 25/07/2022)

Na passada semana, as Nações Unidas e a Turquia sentaram-se à mesa com representantes da Rússia e da Ucrânia, ainda que separadamente, e conseguiram um acordo assinado por ambas as partes relativamente ao escoamento de cereais dos portos ucranianos. Independentemente de dificuldades que possam surgir quanto à aplicação deste acordo e do que possa estar por detrás dessas dificuldades, o esforço das Nações Unidas e da Turquia só pode ser de saudar pelo que representa. Independentemente das dificuldades, o caminho para a solução deste conflito só pode ser obtido pela via negocial. É esse o caminho que a União Europeia e o Reino Unido insistem em não querer ver e é por isso que enquanto as Nações Unidas e a Turquia assumem um papel concreto na tentativa de encontrar caminhos de intermediação entre os beligerantes num conflito que ocorre no coração da Europa, o papel da diplomacia da União Europeia vale absolutamente zero.

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À medida que a artilharia mediática usada pela NATO e a União Europeia para apresentar uma versão hollywoodesca da guerra na Ucrânia como um conflito dos maus contra os bons, de um ser maléfico e psicopata contra um estadista heroico e impoluto, de um regime autoritário contra uma democracia exemplar, vai dando sinais de cansaço, são cada vez mais os cidadãos europeus a questionar, ou mesmo a contestar, o beco sem saída em que os governantes dos países europeus da UE e da NATO colocaram os seus países, com graves consequências para as condições de vida dos povos respetivos.

É cada dia mais claro que os Estados Unidos usam a Ucrânia como uma guerra que travam por procuração, longe do seu território, visando enfraquecer a Rússia enquanto potencial aliado da China, eleita desde já como o inimigo a abater na nova guerra fria. Não foi em vão que, contra as mais avisadas opiniões de estrategas norte-americanos que alertavam para os perigos de aproximar a NATO das fronteiras da Rússia, a NATO não só foi alargada até essas fronteiras, contrariando compromissos assumidos, como a Ucrânia, após o golpe de Estado de 2014 foi armada, treinada, integrada em ações da NATO, e lançou uma guerra aberta contra as populações do Donbass em violação dos Acordos de Minsk.

As responsabilidades da Rússia na escalada do conflito a partir de fevereiro de 2022 são reais e condenáveis, mas não é possível ignorar, com seriedade, as responsabilidades “ocidentais” na criação de um caldo de cultura explosivo da região. Assim como não é possível ignorar que os Estados Unidos não escondem que o seu real objetivo é levar esta guerra o mais longe possível, contando para isso com a subserviência da União Europeia e dos demais países europeus da NATO e usando os ucranianos como “carne para canhão”.

E perante isto, qual tem sido a posição da União Europeia? Abdicar de qualquer interesse próprio em contribuir para um ambiente de boa vizinhança e de cooperação mutuamente vantajosa na Europa e prestar-se a servir os interesses políticos, económicos e militares dos Estados Unidos como criado de libré, ainda que isso lhe traga custos económicos, sociais e políticos que ameaçam tornar-se insuportáveis.

É que começa a ser cada vez mais claro para os cidadãos europeus que a grave crise que começa a instalar-se e a ameaçar significativamente as suas condições de vida não é consequência direta da guerra, mas das sanções decretadas pela União Europeia à Rússia que se vão revelando a cada dia que passa como verdeiros tiros nos pés. E é significativo que as crises políticas despontem como cogumelos entre os países sancionadores, com a queda dos governos no Reino Unido e em Itália, com os governos francês e alemão na corda-bamba e com um descontentamento social que cresce a cada dia que passa.

Entretanto, os dirigentes da União Europeia insistem na narrativa de que não pode haver negociações com a Rússia e que é preciso armar, mais e mais, a Ucrânia, para que a guerra se vá eternizando, sem querer admitir que, a prosseguir nesta orientação, é a própria União Europeia que se condena a si própria a uma crise de consequências imprevisíveis e que condena a sua própria diplomacia à irrelevância quando se trata de decidir da paz na Europa.

Bem podem a Sr.ª Von der Leyen ou o Sr. Borrel continuar com as suas proclamações grandiloquentes contra Putin que elas valem tanto como os impropérios do Pedro Abrunhosa, ou seja, nada.


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