O que Trump ignora

(Robert Reich, In Substack, 04/02/2025, Trad. Estátua de Sal)

Desenho animado de Bruce MacKinnon

Enquanto Trump tenta obter a subserviência de outros líderes mundiais, ele está a virar as costas aos verdadeiros problemas da América.


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Amigos,

Questionado ontem se havia algo que o primeiro-ministro Justin Trudeau do Canadá pudesse oferecer para evitar as tarifas, Trump disse, na Sala Oval: “Gostaria de ver o Canadá tornar-se o nosso 51º estado”.

Essa resposta, meus amigos, resume onde estamos.

O Canadá e o México evitaram as tarifas durante os próximos 30 dias, mas não fizeram nada diferente do que estavam a fazer antes de Trump os ameaçar.

O plano para a fronteira do Canadá já estava em andamento, incluindo a implantação de tecnologia e pessoal adicional na fronteira. O México já havia intensificado a fiscalização da fronteira antes das ameaças de Trump.

No entanto, Trump está já a declarar vitória sobre o Canadá e sobre o México e, quando perguntado se vai aumentar as tarifas sobre os seus vizinhos no mês que vem, ele diz: “Veremos”.

Sempre que Trump diz “Veremos”, o que ele está realmente a dizer é “Vou esperar para ver quanta subserviência recebo“. Porque, como eu já notei, tal resposta é performativa. É sobre mostrar força — não apenas exibi-la para o Canadá e para o México, mas também para o resto do mundo — e, em troca, obter demonstrações de submissão.

A técnica de bullying mais antiga é ameaçar pequenos entes, que não têm nem de longe o poder que você tem — digamos, Canadá, México, Colômbia e Gronelândia (Gronelândia!) — e então, quando eles parecem ceder, anuncie que seu bullying funcionou. E então passe para alvos maiores.

Trump agora está a dizer que vai impor tarifas à União Europeia. O que é que a Europa precisa de fazer para as evitar? Trump não disse. Se lhe perguntassem ele diria: “Veremos”.

Enquanto isso, o sistema de comércio mundial está silenciosamente a reorientar-se. Empresas no Canadá, México e Europa estão a encarar-se como maiores parceiros potenciais para o comércio e o investimento direto — que se danem os Estados Unidos.

A China está a enviar convites a todas elas. Os Estados Unidos são uma economia enorme, mas a da China é maior. O seu mercado é enorme. E pode produzir maravilhas. Porquê beijar o traseiro de Trump? Porquê arriscar ainda mais com sua intimidação?

Este é o momento da China.

O comércio é uma pequena parte do bullying de Trump, é claro. Ele quer sinais de submissão — manifestações de respeito — de todos, incluindo dos centros de poder dentro dos Estados Unidos.

A submissão total destruirá a democracia americana, que foi projetada para impedir que um monarca assumisse o poder. Mas a submissão total não colocará a América de novo no caminho da primitiva vocação da sua democracia.

Ontem, um grupo politicamente diverso de académicos divulgou um boletim sobre o bem-estar americano. Enquanto Trump lança ameaças e insultos ao Canadá, México e Europa, o relatório apresenta uma comparação séria entre os Estados Unidos e outros países ricos.

Ele aponta que os Estados Unidos têm a menor expectativa de vida de qualquer país rico. (Isso não acontecia durante a maior parte do século XX.)

Os Estados Unidos também têm a maior taxa de homicídios entre todos os países ricos — não porque pessoas sem documentos estejam a saquear e a pilhar o país (a taxa de crimes violentos cometidos por pessoas que vivem ilegalmente nos Estados Unidos é menor do que a taxa de crimes violentos cometidos por pessoas que lá vivem legalmente) — mas por causa das taxas, notavelmente altas, de pobreza e falta de casa, bem como o acesso, extraordinariamente fácil, a armas.

Os Estados Unidos têm a maior taxa de overdoses fatais por drogas do mundo — não porque as drogas estejam a chegar do outro lado da fronteira, mas porque temos uma das maiores taxas de depressão e desesperança entre os jovens, especialmente entre os jovens que não vão ter acesso ao ensino superior.

E têm uma das menores taxas de confiança no governo federal. Porquê? O meu palpite é porque a maioria dos americanos vê a política americana como a forma de encher de muito dinheiro os bolsos das grandes corporações e dos super-ricos (como o Musk-rato, que investiu mais de um quarto de bilião para eleger Trump, e os outros 13 bilionários que agora trabalham para Trump).

Os americanos não odeiam o governo. Eles só querem um governo que trabalhe para eles — fornecendo Segurança Social e Medicare, e ajuda quando eles precisam (digamos, auxílio emergencial da FEMA) — não um que socorra grandes bancos e distribua “assistência social” às corporações. (Mãos ao alto se você acha que o Musk-rato vai acabar com a “assistência social” às corporações).

No geral, quando os americanos são questionados sobre o quão satisfeitos estão com as suas vidas, a sua classificação é mais baixa do que há três décadas. A nossa economia é muito maior do que era naquela altura, mas estamos mais miseráveis. É de se espantar?

Em vez de lidar com esses problemas reais, Trump está a dizer ao Canadá e ao México para fazerem o que já estão a fazer. E também quer que o Canadá se torne o 51º estado dos EUA.

Fonte aqui.


5 pensamentos sobre “O que Trump ignora

  1. Um farol da humanidade tao luminoso que montes de países não extraditam gente para os Estados Unidos por terem pena de morte, penas de duração indeterminada e penas de prisão perpétua.
    Um farol tao luminoso que a esperança de vida dos prisioneiros em boa parte das prisões e de dois ou três anos.
    Salvam se melhor os do corredor da morte que ao menos estão isolados e não são obrigados a trabalho de corno. Por isso vemos alguns serem soltos depois de décadas de cativeiro por se ter chegado a conclusão que afinal de contas os assassinos não foram eles.
    Um farol tao luminoso que tem a menor esperança de vida de todo o mundo desenvolvido.
    Um farol tao luminoso que as pessoas se enchem de droga para aguentar a vida.
    Um farol tao luminoso que os seus dirigentes acreditam, ou fazem de conta que acreditam, que o Fentanil e outras não podem ser produzidas internamente se o fluxo externo for detido.
    Um farol tao luminoso que a licença de maternidade se resume a 15 dias não remunerados e em que as férias são vistas não como um direito mas como um benefício sendo que a única obrigação que há e a de dar ao desgraçado 11 dias de férias após seis anos de trabalho. Mais só se a empresa for boazinha e der o “benefício”.
    Tudo o que aqui é visto como direito la e “benefício”.
    Se ainda há desesperados a querer emigrar para lá e porque a miséria nos seus países e muita. Miseria muitas vezes lançada pelas multinacionais e os oligarcas do tal farol.
    E a tal propaganda também funciona e todos eles acreditam mesmo que vão encontrar leite e mel daquele lado da fronteira.
    Um dos brasileiros que chegou ao seu país acorrentado como um animal assim que chegou foi enviado para um campo de detenção onde estava preso desde o final de 2023. Tinha casa própria e venceu tudo o que tinha para ir atrás do sonho.
    Muitos dos migrantes empenharam se com máfias, ficaram ainda pior do que já estavam muitas vezes parte também por lá há comentadeiros.
    E até quem não tem televisão em casa conhece aqueles filmes família lindos em que toda a gente tem uma casa, dois carros, três filhos e dois cães e nunca e visto a trabalhar no duro.
    Porra, com tanta luz ate já tenho os olhos ofuscados.

  2. Mas vejam que, segundo todos os pivots de noticiário e seus correspondentes “comentadores/opinadores”, salvo algumas excepções, estamos perante “o mais rico, o mais poderoso, o maior país do mundo”. Um “céu na terra” portanto, mas capaz de infernizar a vida não só aos próprios concidadãos (como se constata no texto), como aos dos países vizinhos e mais distantes.
    Quanto aos oligarcas americanos, aí desculpem, “empreendedores”, “bilionários”, se ainda há pategos ou incautos a pensar que é pelos desfavorecidos que se movem, então aconselho-os a lerem uns livros de história, onde possam aprender qualquer coisa, nomeadamente como funciona o capitalismo corporativo e facizante, explorador de recursos humanos e naturais até à exaustão, e quem ganha e lucra com ele.

    • Se os EUA, “nação excepcional”, “farol do mundo livre e da humanidade”, são os “mais ricos”, para que quererá Trump impôr mais tarifas, cortar nas despesas públicas internas (funcionalismo público, custos de integração dos imigrantes, etc) e externas (USAID, intervencionismo militar, etc)?
      Se são os “mais poderosos”, como é que se explica que foram ultrapassados em sectores estratégicos de “hard power” (e também “soft”) quer no domínio da Inteligência Artificial (DeepSeek), quer no da indústria militar (mísseis hipersónicos, Orechnik, etc) ou até mesmo aeroespacial, mesmo com os boicotes, sanções, espionagem e sabotagem industrial (embargo de chips e semicondutores à China, sanções à Rússia, escutas aos líderes aliados europeus, quer politicamente, quer no âmbito da NATO, saboragem do NordStream)?
      Uma coisa concedo, a manipular percepções, em propaganda e desinformação são sem dúvida a potência mais poderosa, pelo menos no espaço do “Ocidente Colectivo”, basta ver que o primeiro chefe de Estado que Trump 2.0 recebe de braços abertos na Casa Branca é Benjamim Netanyahu. e ainda não vi qualquer referência ao facto que o chefe de estado israelita tem um mandato de captura internacional emitido pelo Tribunal Penal Internacional, como criminoso de guerra e responsável por crimes contra a Humanidade. Mas essa é precisamente a parte que Trump não precisa de apelar ao espírito MAGA, para manipular simpatias. Ou se é sionista, ou faz de conta que não é nada com os alt-rights e fascizóides, que diariamente negam as perseguições aos judeus, alguns até o holocausto, tal a cegueira histórica (e isto não anula outros genocídios de outros povos, apenas não se pode omitir o que Hitler e os nazis e a cegueira provocada pela propaganda fizeram na primeira metade do século XX. Agora Trump propõe-se completar a limpeza étnica da Faixa de Gaza, como se nada fosse, para satisfação do procurado internacionalmente por trucidar, aniquilar e arrasar esse território e a sua população.
      O que Trump pretende internamente é a recuperação de poder corporativo, são guerras internas. o problema não é haver muito Fentanyl a passar as fronteiras do Canadá e do México para os EUA, onde a procura é imensa e descontrolada. É não serem os americanos, especificamente os da trupe Trumpista, a controlar esses fluxos, esses mercados negros. Já têm o controlo da informação computacional, de metadados, de espionagem, da indústria do cinema e da mídia, do controlo da informação de massas, agora também na internet, não só a Fox News e genéricos…
      Portanto, Trump é um gestor de impérios, de percepções e de intere4sses. Os que prioriza são claramente os seus e os dos sionistas, e os das corporações e dos lobbies financeiros que dominam. Mas sobre esta realidade evidente, nem uma palavra da direita, que tanto gosta de apregoar “valores e princípios democráticos e do Estado de Direito”. Uma ova.

      Se são “o maior país do mundo”

    • Ah, “o maior país do mundo”! Se o são, porque quererão anexar a Gronelândia, tornar o Canadá o “51.º Estado” (a ignorância de Trump é tanta, ou a estupidez propositada do seu discurso para pategos, que parece que o Canadá é um conjunto de províncias, tal como os EUA são um conjunto de Estados, mas algumas até têm o francês como língua oficial e franca)? Não lhes chega já serem o “mais maior grande”?
      Se já assim têm dificuldade em controlar as fronteiras, precisam da ajuda dos governos mexicano e canadiano, então quando as fronteiras aumentarem exponencialmente em extensão, de dimensão e em pontos de entrada (aeroportos, portos), com a integração do Canadá e da Gronelândia, como será?
      Tudo se resume ao controlo de fluxos de matérias primas e de capitais. É esse o objectivo de Trump,, reestruturar os sistemas de controlo, distribuição e acumulação de riqueza e poder para assim remodelar a “América” à seu gosto e à sua dimensão (grande na aparência, pequena na essência).

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