Dia da Europa: o dia do perpétuo esquecimento!

(Hugo Dionísio, in Facebook, 10/05/2023)

Esquecer é um erro, apagar a memória é um erro ainda maior. Todos sofreremos com isso. Mas não podemos condenar esta Europa por tomar uma decisão, que está em profunda consonância com o seu íntimo ser. Um perfeito vazio de ideias, valores, de existência. Tal como a celebração escolhida, esta Europa representa a mais superficial das superficialidades.

Daí que, a mudança, pela autocracia de Bruxelas, do 9 de maio “Dia da Vitória” para “Dia da Europa” coincida, precisamente, com um período histórico em que nada há a celebrar relativamente à Europa. Muito pelo contrário. Se o Dia da Vitória celebra, de alguma forma, as forças do bem sobre o mal… Não me ocorre nada de bom que justifique celebração nos tempos que correm. Daí que a mudança faça todo o sentido! Constitui um retrato trágico da nossa existência actual.

A mudança de nome é tão acertada que corre o risco de simbolizar, em si, toda a desgraça por que estamos a passar, em especial, no que se designa por Ocidente coletivo. Afinal, tudo o que significa a Europa de hoje, conspurca inexoravelmente toda a carga simbólica e ideológica representadas no Dia da Vitória. Nem por mais um dia esta Europa, poderia celebrar o dia da Vitória. Não seria acertado. Para nossa imensa desgraça e tragédia, nada do que se tornou o Ocidente coletivo se encontra representado no dia da Vitória.

O Dia da Vitória representa, primeiro que tudo, a luta contra o nazi-fascismo. Uma luta que os apoiantes, financiadores e instigadores, mais ou menos ocultos, do nazismo e do fascismo pressupunham não ser possível de ser ganha, em especial pela URSS. A URSS tratava-se do país, que por excelência, não poderia viver lado a lado com a ameaça fascista. Daí a URSS constituir o tão desejado prémio da ofensiva nazi-fascista. Como prova a história ocidental, praticar o fascismo e a tirania, principalmente nas colónias, não era algo com que o bloco imperialista anglo-saxónico, francês, português, belga ou espanhol, não pudesse conviver. Perguntem aos povos colonizados como foram – e são – tão “bem” tratados pelas potências ocidentais e eles dir-vos-ão o que significa o “Dia da Europa”.

Ora, a esta luz, e descontando a hipocrisia do pseudo antifascismo caviar, poderá a Europa actual rever-se numa vitória antifascista? Jamais. Como disse Engels, “a história repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa”. Edmund Burke disse também que “um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”. Se não honrar o Dia da Vitória, deturpar a sua memória e significado profundos, implica o esquecimento da história, o apoio da UE ao regime brutal de Zelensky representa a farsa – a tragédia foi nos anos 30 – e a repetição da história.

A verdade é que, muitos anos de CIA nos manuais escolares ucranianos, produziram o esquecimento propício ao erro, tornando possível o nascimento e tomada do poder (golpe de Maidan) pela força, por parte de uma oligarquia profundamente reaccionária, que tiraniza, em nome da ideologia neonazi de Bandera, um povo que havia votado para a paz e desde sempre se manifestou, nas sondagens de opinião, em oposição à adesão à NATO. Uma UE que apoia um regime brutal que ilegalizou mais de uma dezena de partidos do centro e da esquerda; que persegue a religião e pratica o terrorismo sobre a sua população e sobre as populações dos outros países que se lhe opõem (não, não é só na Rússia) … Uma UE que apoia uma bárbara e corrupta oligarquia, como sendo “democracia”, não pode, não deve e não deveria permitir-se a celebrar o Dia da Vitória.

Mas o Dia da Vitória também representa a vitória sobre o imperialismo nazi-fascista. Como poderia a UE, totalmente submetida a Washington, apoiante da teoria da “contenção da China” apenas por razões relacionadas com a manutenção de uma profundamente injusta hegemonia mundial… Uma UE seguidora das sanções unilaterais que visam punir os povos pelas suas escolhas soberanas e praticante do confisco de bens de estados que se defendem da pilhagem… Como poderia, neste quadro de apoio ao bloco imperialista anglo-saxónico, a UE celebrar um dia que nasceu da luta anti-imperialista, que celebra a libertação dos povos, não apenas europeus, mas do mundo inteiro?

O Dia da Vitória significa também a vitória da igualdade e amizade entre os povos, quer os libertados, os aprisionados e massacrados, quer os ameaçados, sem distinção de credos, etnias ou ideologias. A própria noção de aliados representa a ultrapassagem das diferenças entre ideologias (capitalista e socialista) em nome de um bem comum. Será que a UE representa isto? A UE de hoje assume um discurso absolutamente xenófobo contra o povo russo, não apenas perseguindo a sua cultura, cerceando as suas propriedades, mas também classificando de forma pejorativa tudo o que o que representa o mundo russo. Incluindo a história gloriosa deste povo face ao nazi-fascismo. O comportamento da UE nada difere do que faria um regime fascista em relação a um qualquer povo que considerasse menor e susceptível de invasão. Mais uma razão para a UE se afastar do dia da Vitória.

Afinal a mesma UE que diaboliza o povo russo por querer defender os seus irmãos do Donbass e Crimeia, é a mesma UE que celebra a criação do estado de Israel, calando a ocupação bárbara e genocida do povo palestiniano. A UE que tenta – sem conseguir – isolar a Rússia e Bielorrússia, é a mesma que integra Israel nos seus interesses económicos, a mesma que tão bem conviveu com as invasões do Iraque e do Afeganistão, ou com a destruição da Jugoslávia e o ataque à Sérvia. A UE que defende a inviolável e incondicional “integridade territorial da Ucrânia”, é a mesma que convive, de forma efusiva, com a secessão autocrática do Kosovo ou com a ocupação da Síria pelos EUA. Esta foi a UE que ajudou a destruir a Líbia, a Síria e mantém amordaçados, ao dólar e às sanções dos EUA, cerca de 5 dezenas de países pobres. Esta UE não tem qualquer motivo para celebrar o dia da Vitória.

O dia da Vitória significa também o esforço, tantas vezes doloroso, pela paz. O julgamento do nazismo, não foi um julgamento do povo alemão. Hoje a UE julga o povo russo como um todo, punindo-o pelas suas escolhas, pela defesa do que considera ser certo. Hoje, a UE, incapaz de uma visão construtiva, conciliadora, diplomática, incentiva a guerra, a derrota total do inimigo, nem que isso represente a aniquilação total do povo ucraniano. No tempo que vivemos, a UE é incapaz de qualquer compromisso em nome do maior interesse de todos os povos: a paz. Nenhum povo quer guerra, nenhum povo a escolhe. Por isso mesmo, uma UE que responde aos interesses da oligarquia, autocrática e sem freio democrático algum, apenas pode distanciar-se da celebração do Dia da Vitória.

Por fim, o dia da Vitória representa também a oportunidade de um mundo novo, de um mundo melhor, de uma vida melhor. Será que é isso que nos promete a UE, hoje? Se do ponto de vista democrático, os estados-membros foram extirpados de qualquer soberania que possa representar e materializar a escolha livre dos seus povos, do ponto de vista económico esta autocracia europeia representa a sublimação da ignorância, do preconceito, da charlatanice e da hipocrisia.

Esta é a UE que desvia cerca 2 mil milhões de euros destinados à construção de estradas nos países mais pobres da UE, para a compra de munições para a matança. É também a mesma que comprou milhões de vacinas sem sequer dar a conhecer os seus contratos, é a mesma que, acusando outros de autoritarismo, obriga os estados-membros a apertados procedimentos de contratação pública.

Esta UE vende-nos a inevitabilidade da austeridade, impondo e uniformizando o neoliberalismo em todos os estados que a compõem. Não nos prometem nenhum mundo melhor, apenas a pior versão do que já temos hoje. No discurso europeu quotidiano, em vez de esperança, apenas se transmite o medo, o ódio, a ameaça, numa lógica esquizofrénica de quem vê inimigos em toda a parte.

Se Kennedy, no desejo genuíno de paz reconhecia que “nunca nenhum país pagou um preço tão alto pela guerra como a URSS”, a classe política aristocrata formada na escola neoliberal que é a Ivy League, apenas quer apagar essa parte da História e privar os jovens da memória histórica de que necessitam para nunca mais cometerem o mesmo erro.

Se a experiência histórica nos permite, enquanto povos, evoluir, o que a UE faz hoje é negar essa possibilidade de evolução, tudo em nome da mesquinhez, arruaça, ignorância e intolerância. Esta UE nega às novas gerações um futuro melhor… Tal como o fascismo escondia a verdade, tentando manter os povos na ignorância, submetidos a uma repetida e redutora existência, a UE fecha-nos no seu quintal reaccionário, devidamente guardados pelas agências de “inteligência”, criando a ideia de que o que nos oferece é único e valioso.

Não, esta UE não é minimamente digna de celebrar o dia da Vitória. Este apenas pode ser celebrado de cabeça arejada, coração e braços abertos. Uma Europa de costas voltadas para o mundo, zangada por este não lhe obedecer como o fez nos últimos 500 anos, não lhe resta, senão, celebrar o Dia da Europa. O dia em que a Europa se esqueceu de si própria!

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13 pensamentos sobre “Dia da Europa: o dia do perpétuo esquecimento!

  1. Há uma crise de memória:
    – Ninguém recorda a colaboração entre soviéticos e prussianos contornando as restrições pós- IGG.
    – Ninguém recorda o Pacto Alemanha-URSS
    – Ninguém recorda a partilha da Polónia por essa aliança e que inicia a IIGG
    – Katyn nunca é recordado
    – Ninguém recorda que a ambição imperial soviética decidiu a sua invasão pelos nazis
    – E sim, muitos milhões morreram e o nazismo foi derrotado, e com ele esperava-se que desaparecessem os ideais imperialistas, militaristas e etnicistas.

    Tal não aconteceu como é evidente.

    • O pacto Alemanha-USSR?
      Então e todos os pactos Alemanha-UK, Alemanha-França, etc que foram feitos entre 1933 e 1939, ANTES da USSR ter de fazer o mesmo só para evitar ser atacada primeiro pelos nazis num momento em que não tinha condições para se defender?

      Mas isso foi há 90 anos!
      Então e os actuais pactos entre UE e genocidas dos EUA? Entre UE e fascistas da Polónia, Bálticos e Itália? Entre UE e nazis da Ucrânia? Entre a UE e o Apartheid de Israel?

      Tu és um propagandista do nazi-fascimo!

  2. O pacto Alemanha-USSR? Essa agora ! Mas ainda há gente que não sabe que a Rússia bolchevique, então URSS, vivia com medo de um ataque do campo capitalista, que aliás se desdobra desde o final de 1917 por todos os lados, inclusive no Pacífico onde o Japão se junta à coalizão internacional formada sob a égide de Wilson, Clemenceau e Lloyd George. Quatorze potências se uniram contra a Revolução Russa ! Em outras palavras, enquanto a Alemanha nazista ameaça invadir a Polônia desde a primavera de 1939, Stalin teme encontrar-se sozinho contra as forças do Eixo – Alemanha, Japão e Itália que aderiram ao Pacto Anti-Comintern em 1937, ao qual foi adicionado a Hungria reacionária em Fevereiro de 1939 e a Espanha franquista em Março de 1939. E durante esse tempo, as “democracias liberais”, tão apegadas à defesa da “paz”, das “liberdades” e do homem”, permanecem acampadas na sua hipocrisia, sua covardia… e acima de tudo, seu anticomunismo primário e vulgar. Como hoje a UE, que prefère o nazismo ao socialismo .

    • * Os bolcheviques formaram um exército para se opor às confederações militares (especialmente os vários grupos conhecidos coletivamente como o Exército Branco) de seus adversários durante a Guerra Civil Russa *
      in wikipedia

    • * Os bolcheviques formaram um exército para se opor às confederações militares (especialmente os vários grupos conhecidos coletivamente como o Exército Branco) de seus adversários durante a Guerra Civil Russa *

  3. Todos conhecem a célebre frase de Winston Churchill, quando lhe fazem uma pergunta sobre a Guerra Civil Espanhola: “Entre o fascismo e o comunismo venha o diabo e escolha!”
    O dito Ocidente das tão propaladas liberdades e direitos humanos é governado por um bando de hipócritas, sem vergonha e moralidade. Continuam a acreditar que os seus valores são melhores que os do resto do mundo e na sua imensa soberba querem impor as suas regras. Em nome da liberdade e direitos humanos levam a guerra, a morte e a destruição a todo o lado. O mais absurdo de tudo isto é que o povo, dito soberano, aceite trocar qualidade de vida por apoio a intervenções armadas, em países que nada de mal nos fizeram, apenas queriam ser eles a escolher o modo como viver e prosperar! O ódio á Rússia vem desde 1917, quando um povo se ergueu, sacudiu os grilhões da miséria e enfrentou os poderosos. Desde então que é um alvo a abater. As suas imensas riquezas são cobiçadas pelos donos disto tudo, que se acham no direito a essas riquezas, pois consideram-se superiores e não concebem que um povo inferior, atrasado e incapaz detenha tanto poder. O que assistimos hoje é nada mais nada menos que racismo, do Ocidente contra o povo e a cultura russa. Acredito sinceramente que se fosse outro país qualquer a enfrentar o nazismo ucraniano, ninguém ergueria um único dedo para defender esses nazistas. O Mundo está numa encruzilhada. A vitória da Rússia, acredito, traria um mundo melhor, mais justo e humano. A vitória do Ocidente aprofundará as divisões e perpetuará no poder aqueles que defendem um mundo regido pelas suas, perversas, regras.

  4. «o tratado incluía um protocolo secreto que dividia os territórios da Polônia, Lituânia, Letônia, Estônia, Finlândia e Romênia, em esferas de influência alemãs e soviéticas, antecipando uma “reorganização territorial e política” destes países».

    Os soviéticos estavam com tanto medo dos capitalista que só podiam aceitar estas penalidades…
    Tem orfão que é cego!

  5. A primeira reacção internacional à revolução bolchevique foi o apoio militar aos chamados “russos brancos”. Um documento impressionante comprova que o combate ao socialismo desde 1918 foi sempre mais militar que ideológico. Fica a sugestão para quem esteja interessado:
    The Blockade of Russia
    THE British Naval Blockade of Russia has been one of the most powerful weapons employed against the Soviet Government, and has been in continuous operation, in spite of every statement to the contrary, since the date of the Armistice with Germany, November 11,

    • 11 November 1918 – Armistício IGG
      23 de agosto de 1939 – Pacto Molotov–Ribbentrop, também conhecido como Pacto Nazi–Soviético, Pacto de Não Agressão Germano–Soviético ou Pacto de Não Agressão Germano Nazi-Soviético (oficialmente: Tratado de Não Agressão entre a Alemanha e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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