(Strategic Culture, in Resistir, 21/08/2022)

O facto de a NATO estar a intensificar seu apoio de combate aos militares ucranianos tanto na Grã-Bretanha como em territórios de outros Estados é uma prova clara de que o eixo liderado pelos EUA está em guerra com a Rússia. Já não se trata de uma guerra por procuração, mas sim de uma guerra multi-nível em grande escala.
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Claro que já começou a III Guerra Mundial.
Desde a Guerra da Síria, onde americanos e russos se enfrentaram pela primeira vez desde a implosão da União Soviética, que eu ando a dizer com toda a naturalidade, nos fóruns em que participo, que a III Guerra mundial já está em curso, com os Estados Unidos no lugar da Alemanha nazi.
Estamos a assistir às primeiras escaramuças, equivalentes à ocupação da Áustria e da Checoslováquia no século passado. As diferenças são meramente superficiais e devem-se ao facto de a conjuntura geopolítica de hoje não ser exatamente a mesma, como não poderia ser. E a existência de armas nucleares obriga à adoção de cuidadosas estratégias que não eram aplicáveis nos cenários das duas grandes guerras do século passado.
Com efeito, ainda que uma e outra tivessem muito cuidado para não assumir o facto, preferindo dizer que estavam ali para “lutar contra o terrorismo”, as duas potências enfrentaram-se na Síria. Para esse efeito usaram cada qual os seus intermediários. O Governo sírio e seus aliados regionais, os russos, e os movimentos terroristas em campo mais os guerrilheiros curdos disfarçados de “rebeldes moderados”, os Estados Unidos. E no fim estes últimos foram claramente derrotados ao não conseguirem depor Assad e substituí-lo por um governo “democrático” fantoche, eles que no princípio das hostilidades, e mesmo durante algum tempo após o início da intervenção russa, nem admitiam a possibilidade de aquele governante eleito permanecer no poder.
Os russos, saídos finalmente de um período de duas décadas de letargia, cujos últimos dez anos foram sabiamente usados para se armarem intensivamente à semelhança do que fizera a Rússia Soviética de Estaline na antecâmara da esperada invasão nazi, evitaram desta forma que a Síria, seu velho e fiel aliado na região, se tornasse uma Líbia 2.0. E de caminho impediram também o projecto americano/turco de abrir caminho ao gasoduto do Catar para fazer concorrência ao gás russo dos Urais.
O projeto americano de destruir seis países no Médio Oriente para se apoderarem de parte substancial da produção de petróleo mundial falhou com estrondo. E foi desde então que eles se concentraram decididamente no “plano B” da Ucrânia, que se encontrava já em andamento. Repare-se que a Rússia entrou na guerra síria em 2015 e o golpe da Praça Maidan tinha sido no ano anterior.
No espaço de um ano, mais ou menos, os russos aniquilaram o Daesh.
Para aqueles que estranham a duração da intervenção militar russa em solo ucraniano e as dificuldades que lhe estão associadas, recordo que os militantes do Daesh eram em número de 50 000, aproximadamente, estavam equipados apenas com armamento ligeiro e não dispunham de um território acidentado que lhes desse vantagem na guerra de guerrilha. Mesmo assim foi preciso um ano de combates para os derrotar, muito também devido ao facto de eles usarem, tal como as milícias ucranianas de resto, as populações residentes como escudos humanos.
No decurso da sua Operação Especial em solo ucraniano, o exército russo já destruiu praticamente todo o arsenal disponível europeu e esvaziou os armazéns de armamento dos Estados Unidos, ao ponto de diversos especialistas militares americanos manifestarem receio de que a América, se continuar por muito mais tempo a alimentar o aparelho militar de Zelensky, possa não estar em condições de suportar uma guerra contra a China nas atuais circunstâncias. Isto é do domínio público.
Sobre as “ajudas” de milhões enviadas repetidamente pelos EUA à Ucrânia, há uma coisa importante que deve ser conhecida. O dinheiro na verdade fica todo nos Estados Unidos. Ele é canalizado para as fábricas de armamento privadas que fabricam os equipamentos militares, e então transforma-se em dívida do regime ukronazi à América, dívida essa que terá de ser paga no futuro. Se a Ucrânia sobreviver à guerra como Estado independente, o que não é muito provável mas enfim, vai ficar enterrada em dívida até à eternidade. Todo o ouro das reservas ucranianas já foi transferido para ser armazenado nos Estados Unidos, de resto. Ele nunca será devolvido.
Mas mantendo a linha de raciocínio, verificamos que de facto vivemos já em cenário de II Grande Guerra. Só por estarmos inseridos no contexto e de sermos diariamente bombardeados com toneladas de “informação” avulsa, desgarrada, contraditória e as mais das vezes viciosa, é que podemos ter alguma dificuldade em perceber isso mesmo.
Como diziam os filósofos gregos da Antiguidade, os sentidos podem enganar-nos. Só o pensamento nos pode levar a apreender o “Real” como um todo. Temos então que nos distanciar da algazarra estabelecida e raciocinar de forma abrangente, suportados no plano histórico. Porque, muito embora os acontecimentos sejam só por si bastante significativos, eles são a emanação factual de uma realidade mais profunda, a qual tem a ver com a natureza das coisas. Voltamos sempre à velha fábula do cágado e do escorpião.
Eu já descrevi aqui a natureza do Capitalismo e das suas crises cíclicas tal como as explica a Ciência Económica Marxista. É a única ciência que nos dá uma definição global do fenómeno capitalista, e de onde lhe vem o próprio nome de resto, e se ela não tivesse validade não era ensinada em todas as universidades. Também já disse aqui, mais do que uma vez, que as contradições do sistema capitalista substanciadas nos desequilíbrios da oferta e da procura já o conduziram por duas vezes ao seu fim no século passado. E como todas as pessoas inteligentes sabem, não se podem reproduzir os mesmos procedimentos e esperar que no futuro eles levem a um resultado diferente.
A crise terminal da atualidade, será até muito mais grave do que as anteriores, que se passaram na “economia real”, ou seja, no processo produtivo capitalista. Hoje temos concomitantemente uma tremenda crise na “economia virtual”, também chamada “Financeira”. Também já expliquei porque é virtual. É porque nas sociedades ocidentais modernas ela não está associada a nada que tenha valor, como seriam metais preciosos, “commodities”, etc.
No entanto, devido á interdependência que foi criada entre os dois mundos, o que acontece na “matrix” acaba por se refletir na economia real e acelerar-lhe o fim. Exatamente como no conhecido (e excelente) filme de Ficção Científica.
Por duas vezes tivemos então no século passado o “Great Reset” de que agora tanto se fala. Acontece que vivemos o tempo do terceiro da série, e que ele é inevitável no contexto do Capitalismo neoliberal. Já estaria de certeza em fase muito mais adiantada e semelhante aos dois primeiros, se não existisse o elemento extra, que são as armas nucleares.
Sim, ele é inevitável, e não é por causa do velho Schwab e dos outros ideólogos fascistas que se fizeram notar no Fórum Económico de Davos. O que eles estavam a tentar fazer, e isso parece-me bem evidente, era introduzir um suporte ideológico na equação para justificar junto das populações afetadas a derrocada económica que se aproxima. Da mesma forma que Adolfo Hitler, por exemplo, explicou muito bem ao povo alemão que a Guerra era necessária por causa dos malandros dos judeus e da falta de “espaço vital” necessário à “raça ariana”. Schwab e os seus parceiros não serão a causa do problema, mas uma das suas consequências. Apenas se adiantaram ao momento. E foram postos mesmo a jeito para se tornarem um conveniente bode expiatório quando as coisas se puserem realmente feias.
Claro que no contexto global existem ainda soluções. Nas regiões do Leste está a ser criado um movimento que pretende recuperar os tempos áureos do Mercantilismo dos séculos XV a XVIII, obviamente sem a parte da exploração colonial, movimento esse que permitiu no período considerado a acumulação de riqueza que esteve na base precisamente do surgimento do próprio Capitalismo.
Mas o império ocidental com sede nos Estados Unidos não funciona assim. Ele é um sistema imperial fechado que vê o restante do mundo como sua colónia. 500 anos de História levam-no a pensar assim, e essa é uma questão existencial. Não se vira a página a uma dominação de cinco séculos sem uma boa luta.
Mais uma vez, tem a ver com a natureza das coisas. Os Estados Unidos precisam da guerra para se manterem como potência imperial e isto é muito fácil de entender.
Ao contrário do que alguns possam pensar, não é o lucro que advém da produção e venda de armamento que os move. A máquina de guerra americana é deficitária e é uma das razões da dívida monstruosa deste país, que só é sustentável porque o dólar “ainda” é a moeda de referência e eles podem continuar a imprimir dinheiro falso para pagar os juros “durante mais algum tempo”.
A questão central é que todos os impérios têm que estar em permanente em expansão. Se deixarem de crescer, definham e morrem. O próprio Império Romano entrou em decadência quando não conseguiu submeter os persas e foi impedido de continuar a avançar para Leste. Isto é porque a máquina imperial é extraordinariamente dispendiosa e consome toda a riqueza disponível para se manter. É também por essa razão que americanos e ingleses roubam praticamente todos os metais preciosos que podem. Mas ainda não chega. Os Estados Unidos têm cerca de 800 bases militares implantadas em outros países pelo mundo. Elas são necessárias para a preservação do Império, mas têm custos imensos para a economia.
Então, é necessário que o aparelho imperial desbrave mais e mais caminhos para a conquista de novos mercados e de novas riquezas que pertencem a outros povos, os quais devem ser submetidos para que sejam obrigados a “negociar” os seus produtos e a ceder os seus mercados internos de acordo com os padrões e os interesses das cleptocracias ocidentais. Nos tempos antigos como nos tempos modernos. Podem dar-se nomes diferentes às mesmas coisas, podem variar as ideologias de dominação, mas ainda continua a ser Colonialismo.
O que está a acontecer é um confronto potencialmente letal entre os dois blocos antagónicos pela conquista/preservação de mercados e matérias-primas. O bloco ocidental, a viver talvez os seus últimos momentos de supremacia mundial, e o euroasiático, suportado no poder militar da Rússia, mas onde pontificam também vários outros países com armamento muito poderoso, como a China, a India, o Irão, a Coreia do Norte entre outros. É evidente o desequilíbrio de forças em presença. A Europa pouco conta e os americanos sabem que não podem vencer uma guerra assim.
Mas ao mesmo tempo, sentem que também não podem dar-se ao luxo de não fazer nada e conformar-se com a própria decadência. Têm vivido sempre à custa de outros e não sabem viver de outra forma, nem estão dispostos a sofrer os custos de uma necessária transformação económica interna, que por acaso Donald Trump começou a esboçar antes de ser trucidado pelo Estado Profundo .
O continente africano segue os acontecimentos em expectativa, mas com as suas nações quase todas a resvalar para o lado do binómio Rússia/China, enquanto procuram visivelmente aumentar o seu próprio poder militar com base na produção desses dois países. Quando chegar a hora querem ter uma palavra a dizer.
Aos poucos, tudo se conjuga para o Armagedão.
“Vivam tempos interessantes”, é a velha maldição chinesa.
Palpita-me que em breve vamos desfrutar bastante.
Excelente!
* Os britânicos e os americanos pagam aos terroristas para fazerem o seu trabalho sujo – tudo, desde assassinatos e raptos até à realização de ataques com bandeira falsa para incriminar o seu ditador que não jogue segundo as suas regras.
Se não sabe isto, então provavelmente ainda pensa que o Pai Natal é real e que o O.J. [Simpson] é inocente, ou que há fadas no fundo do jardim *
@Martin Jay