(Raquel Varela, 30/03/2022)

A chapada de Hollywood é a cereja no bolo de uma sociedade histérica, despolitizada, onde a violência verbal e física ganhou. É um espelho, Hollywood ganhou outra vez, do estado do mundo. Se não concordas comigo, levas porrrada. Podia ter dado uma lição ao mundo aquele tipo, fazer uma piada melhor, desprezá-lo, no seu discurso criticá-lo, ignorá-lo. Não. A ideia é cancelar o opositor porque se foi ofendido. O “ofendido” permite tudo, já que é um critério subjectivo – quem define se é ou não ofensivo é o ofendido. A chapada é assim a estilização cinematográfica da censura, que foi introduzida nos países democráticos, com o nome “combate à desinformação”. Em Hollywood não se escrevem textos longos justificativos e leis rebuscadas para censurar opiniões contrárias e cancelar cientistas ou maestros. Aprenderam com os anos de chumbo pós guerra fria. Faz-se uma cena inesquecível. É o cinema, também ele em fase de decadência.
Pelo mundo, e aqui também (no jornal Expresso um novo, bom, Manifesto), surgem manifestos públicos contra o cancelamento e a censura, agora que uma piada, ou uma ofensa, como queiram (não tenho opinião, pode ser uma, outra ou as duas), redundou em culto da violência filmada em directo. E que todos os que estão contra os falcões da NATO são acusados de putinismo, e Tolstoi banido. Já comecei a preparar o exílio da minha Biblioteca. É que como disse o escritor Andrea Camillieri, os escritores da cerveja e do vinho são bons, mas os melhores são de longe os da vodka.
Nunca subscrevi a censura de qualquer texto, incluindo de vários nos quais não me revejo, nem na forma nem no conteúdo. Censurar palavras, por mais brutais que sejam, é uma atitude anti-democrática. Ponto. Devem proibir-se partidos de extrema direita porque não são correntes de opinião – são organizações de violência, a política é a fachada da milícia. Mas não se pode proibir ninguém de dizer bacoradas fascistas. Pode e deve proibir-se a sua organização – e essa é a nossa moldura Constitucional, correcta a meu ver.
Há um crime de difamação tipificado na lei, é preciso que os tribunais funcionem a defender a honra de quem é posto em causa. Mas isso é matéria de tribunais. Antes disso há o mais importante, o nosso civismo. Acima de tudo e sempre, somos obrigados à defesa pública de quem é injustamente atacado, ou com métodos canalhas, de quem é ofendido. Para isso, para tomar posições públicas contra métodos ignóbeis não precisamos de esperar por um tribunal, basta termos coragem e valores. Agora, não precisamos da comissão europeia, dos nossos governos ou de directores de jornais a fazer as vezes dos tribunais, e em nome do que eles definem como desinformação censurar o nosso acesso aos textos e palavras de outros.
Não opto por passar férias com um grupo de homofóbicos, bloqueio ofensas no meu mural, sou assinante de um jornal, estrangeiro e de literatura; também não passo férias com gente progressista que mede as minhas palavrinhas e se irrita com anedotas – não tenho, como se diz no Brasil, saco para fanáticos, de espécie alguma. Gosto de gente que aceita piadas de tudo e até aceita que eu num dia mau diga um disparate; gosto de gente imperfeita; acho que o humor, desde os Gato Fedorento, não tem graça nenhuma porque não se enfrenta com o poder, é só fait divers e tiros ao lado, o humor bom incomoda o Poder, este em geral é para crianças de 5 anos de idade. Mas isso é a minha casa, as minhas decisões, a minha opinião, que neste caso só em mim tem consequências, não as imponho a ninguém.
Estive contra a censura seja do que for porque ela é Estatal. Podemos decidir não estar ou não ouvir, o Estado não pode decidir por nós. Estive contra quando se quis criminalizar o piropo, quando se insistiu em condenar legalmente o discurso de ódio, quando, para supostamente proteger homossexuais, negros, mulheres, deficientes, animais (estes últimos os mais violentos verbalmente, de longe), se institui a normalização da censura, da violência verbal, da calúnia; estive contra quando o aquecimento global se tornou matéria de delito de opinião e todos os cientistas críticos da área eram acusados de trumpistas! (agora já começam as notícias a explicar que não é assim tão consensual o apocalipse…coisas da crise energética), estive contra, com vários intelectuais (mas poucos dos que hoje se indignam e bem contra a russofobia), quando as medidas de mitigação da pandemia passaram por censura, proibições, processos disciplinares e despublicação.
Estive contra a nova palavra introduzida pelo jornal Público em Portugal, a despublicação. Ironia da história, o Público despublicou um artigo por, alegou o seu director, colocar em causa o consenso sobre a vacinação de jovens, sendo que agora o Página Um tornou público esse parecer, escondido pela DGS, e nada mais nada menos que metade dos seus conselheiros foram contra a vacinação de jovens, medida adoptada oficialmente na Escandinávia.
Atenção que sou contra mesmo se só fosse um contra. As opiniões não são como os votos para parlamentos, as maiorias não se impõem. As opiniões são de cada um, livres, a maioria ou os consensos não podem condicionar as opiniões. Quantas vezes na história quem esteve totalmente na margem estava correcto? A subjectividade não se transfere. Ciência não se faz com voto de braço no ar. Não se vota um consenso. Ciência é liberdade. O mesmo para a arte. Não sou a favor da invasão mas sou contra que se expulsem maestros, sejam ou não pró Putin. Vargas Llosa foi apoiante da ditadura do Peru, não gostaria de jantar com ele, mas adoro os seus livros. A arte não tem nem pode ter condicionantes. Esse aliás foi o debate da Oposição de Esquerda, na URSS, contra o Estalinismo. Há URSS para lá de Estaline e de Putin.
Estive contra a proibição da RT, que não assistia até ao dia em que foi proibida, agora dá-se o caso patético de me mandarem “clandestinamente” uma entrevista do Kusturica na RT a dizer que esta guerra é o segundo acto da NATO – o mesmo Kusturica que ouvi e dancei há 4 meses no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra. Esse, um proscrito. Recebo-o às “escondidas”. É tudo ridículo.
Os critérios, amplamente conhecidos dos académicos críticos, são a metodologia que sustenta os argumentos, a coerência, a intenção da verdade, a verificação externa de argumentos, a fiabilidade das fontes, etc. O combate pelo conhecimento e pelo acesso à verdade faz-se com educação e politização, com debate aberto, com desenvolvimento de uma ciência livre de pressões do Estado e do Mercado; com organização dos que não têm poder e com teoria crítica e formação. Não se faz com censura. Não se luta contra as ideias – que consideramos erradas – à chapada.
Concordo totalmente com o deu post
Nunca abdicarei dos direitos de
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DE PENSAMENTO
DE RELIGIÃO
DE PROPRIEDADE
DE DIREITOS SOCIAIS
Não sei que filmes foram premiados pelo óscar, que a chapada se sobrepôs a todos eles. Só isto me pôs a pensar. Coisa de nada, porque os óscares nem me aquecem nem me arrefecem. Também não sabia que exigências fez Putin, que toda a comunicação social se pôs a transmitir propaganda da NATO. Bem, aqui fui ver. E entendi Putin. Se os EUA/NATO transformaram o planeta numa selva, não posso exigir que Putin vá pregar a lei para a selva.
Concordo com 99%. Só não assino por baixo porque discordo de uma pequena parte: passei a ser a favor desta invasão. Se o resultado final são só +mil mortos civis, a desmilitarização da Ucrânia, o fim do imperialismo da NATO, a salvação de Lugansk e Donetsk (onde morreram +13 mil em 8 anos por culpa da Ucrânia e do golpe dos EUA apoiando milícias nazi-fascistas), impedir a guerra de alastrar à Crimeia, e começar a desdolarizar a economia Mundial, então ainda bem que a Rússia decidiu invadir.
Quanto à censura, sou contra o crime de ódio (ex: racismo), e a favor de tudo o resto, até mesmo a publicação do Mein Kampf de Hitler. Quem começa por queimar livros, é que acaba a queimar pessoas. Isto lembra-me o crime que os nacionalistas, fascistas, e nazis ucranianos fizeram em Odessa, com pessoas vivas incluindo crianças, queimadas vivas num edifício, tudo em nome da “democracia e liberdade” e dos “valores do Ocidente”…
Eu vi a entrevista do Kusturika (realizador que ador desde que vi pela primeira vez a comédia Gato Preto Gato Branco), pois já costumava passar pela RT pelo menos 5 minutos por dia (foi assim que fiquei a saber do último crime de guerra dos EUA no Afeganistão cerca de 15 dias antes da “imprensa livre” do Ocidente finalmente deixar de difundir só a propaganda e passar a reconhecer que os EUA tinham bombardeado uma família de 10 pessoas (7 crianças) e não um alvo do ISIS-K), e agora passei a ver ainda mais.
Se as pessoas não gostam, têm o direito de não gostar. Têm o direito de se sentir ofendidas. Têm o direito de ofender de volta. Só não têm o direito de exigir um cancelamento ao nível da sociedade ou do Estado. Se não gostam, mudem de canal. Foi o que eu fiz. Deixei já totalmente de ver qualquer canal de “informação” português (com exceção esporádica dos alternativos online Fumaça e SetentaEQuatro), e vejo poucos do Ocidente (The Guardian online, Euronews na TV), e passei a ver mais do que se passa no Mundo, pela CGTN, RT, TeleSur na TV, e muitos meios alternativos online. Recomendo.
Quanto ao episódio de Hollywood (cada vez mais a máquina de propaganda/distracção do Goebbels de Washington), não sei do que falam nem quero saber. Muito menos de cerimónias que não passam de feiras da vaidade de uma oligarquia milionária, hipócrita, e desinformada. Gosto cada vez mais de ver cinema alternativo e vindo de outras paragens. E a minha “netflix” chama-se The Pirate Bay… não só tenho acesso a tudo, como tenho acesso às versões sem censura, e como cereja no topo do bolo, não ajudo a financiar a máquina de guerra da NATO/EUA.
Como exemplo de que a única censura aceitável é a auto-imposta (ex: mudar de canal), eu deixei de vir à EstátuaDeSal durante muito tempo, após ficar chateado com as repetidas publicações de Sócrates, e ou de outras a desculpar Sócrates, escritas pelo tipo de doido/cego que votou nesse desastre 2 ou 3 vezes seguidas…
Como foi auto-censura, hoje posse mudar de opinião e voltar a este blog. Se tivesse sido um cancelamento da sociedade ou censura de facto do Estado, hoje não teria EstátuaDeSal a onde regressar, e teria sido impossibilitado de ler outras opiniões, censuradas ou marginalizadas pelo pensamento único dos sucessores de Salazar: os “democratas liberais fanaticamente pró-UE e pró-NATO”.
Já o disse aqui e repito: senti um calafrio quando vi o documentário sobre o golpe de Estado no Chile em 1973, onde o fascista genocida Pinochet teve ajuda dos EUA para deitar abaixo uma Democracia e assassinar o Presidente eleito pelo povo: Allende. Um dos entrevistados explicava como antes do golpe, para dividir/manipular a sociedade, a quase totalidade dos OCS foram comprados e controlados pelos interessados nesse golpe: os oligarcas e fascistas do Chile, e os seus american friends. Dizia esse entrevistado que, após viver o que era a ditadura Chilena e essa propaganda, fica hoje triste ao observar que não é o Chile democrata que se aproxima da Europa, mas sim a Europa que se aproxima do Chile Pinochetista. Quem é que não sente um calafrio com isto?
Right! Quem nao sente?!
Os mais cegos,são aqueles que não querem ver…..e hoje parece haver uma cegueira colectiva que pode levar à escuridão-…..