(Carmo Afonso, in Público, 09/03/2022)

Dá-se o improvável: quem está envolvido no conflito parece estar disposto a negociar. Quem assiste não.
(O meu comentário: Os líderes europeus, presos pela trela dos EUA, tentam dar cabo de todas as negociações. Que os EUA queiram uma guerra na Europa porque é fora do seu território até se percebe. Que a Europa queira caminhar alegremente para tal é a insanidade total, que só revela que a Europa atual não passa de uma colónia dos EUA, sendo os nossos líderes uma espécie de marionetas. Estátua de Sal, 09/03/2022)
Notam-se tímidos sinais de paz. O caminho está encetado.
A China, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, declarou estar disponível para promover as negociações de paz e ser mediadora no conflito. Não se consegue pensar em melhor mediador.
Zelenskii, numa entrevista à estação de televisão ABC News, afirmou ser possível um compromisso para a Crimeia e para o Donbass (que integra as regiões separatistas de Lugansk e Donetsk). Declarou igualmente um recuo na sua pretensão de adesão da Ucrânia à NATO. Desde o início ficou clara, para quem quis dar atenção aos antecedentes desta guerra, a importância da possibilidade de adesão à NATO na infeliz decisão de Putin.
Do lado de Putin – e atendendo à lista de condições para a paz que a Rússia deu a conhecer – parece ter existido a desistência da suposta desnazificação e a concretização da solução pacífica assente nos exatos pontos (apesar de em moldes diferentes) que Zelenskii referiu na entrevista; Putin insiste no reconhecimento da independência das regiões separatistas e numa revisão constitucional que impeça a Ucrânia de aderir à NATO, ficando obrigada a manter a sua neutralidade. Parece que nada é dito sobre a UE, o que indicia que poderá ser mais uma razão de entendimento. A Ucrânia pretendia essa adesão.
Falta muito para um entendimento e existem claros sinais que apontam para a intensificação do conflito. Mas hoje vamos continuar a falar sobre a possibilidade da paz.
Ela pode chegar só depois de mais mortes e de mais destruição, mas acabará sempre por chegar. Diz-se no ditado: “Não há bem que sempre dure, não há mal que não se acabe”. Esta expressão da sabedoria popular parece indicar que o futuro é mais risonho para quem está mal do que para quem está bem. É certo que traz bom augúrio para quem mais precisa.
O bom senso costuma exigir que se privilegiem os esforços para a paz; que seja valorizado cada pequeno avanço. Por estranho que pareça este é um tema entre nós. E é também esse o tema aqui e não uma qualquer adivinhação acerca do bom ou mau desfecho destas negociações: porque é que tão poucos acreditam nas negociações? Porque se nota apego pela ideia da derrota militar de Putin em detrimento da solução pacífica?
Dá-se o improvável: quem está envolvido no conflito parece estar disposto a negociar. Quem assiste não. As negociações para a paz contrariam o princípio da maldade intrínseca e gratuita de uma das partes. Assim sendo, contrariam quem a tem defendido. As pessoas ficam de facto reféns das posições que defendem e ninguém gosta de perder. Agora reparem que este é o princípio que leva à guerra e que a agudiza.
Na guerra existe sempre um derrotado, numa negociação não pode, e não deve, ser assim
Não obstante o conflito que está a decorrer, as partes entregam esforços a um propósito conciliatório. E as negociações têm implícitas cedências. Existe aqui a frágil possibilidade de ceder sem perder. Uma negociação deve distinguir-se da antecipação dos resultados práticos de uma derrota. Na guerra existe sempre um derrotado, numa negociação não pode, e não deve, ser assim.
O caminho instintivo de cada um é o da guerra, o de fazer valer as suas razões. É sabido que quem quer ter sempre razão quase nunca tem paz. Mas este caminho é possível, e pode até ser meritório, a nível individual. Nada a corrigir. Só que as soluções individuais são perigosas quando trazidas ao nível colectivo.
Recordar um excerto da Fábula das Abelhas, de Bernard Mandeville: “Todos os dias se cometiam delitos nessa colmeia (…). Mas nem por isso a colmeia era menos próspera porque os vícios dos particulares contribuíam para a felicidade pública”. Será talvez o melhor a que conseguimos chegar como grupo. Um mundo em que os nossos defeitos privados se diluem na harmonia da vida colectiva. Salve-se essa parte.
Em tempos de paz houve quem se preparasse para a guerra. Pois agora é justo e consolador ver que, em tempos de guerra, existe quem se prepara para a paz. Novamente um bom augúrio para quem mais precisa.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico
Estatua de Sal, um blog de apoio aos crimes de guerra de um ditador capitalista!!
“Dá-se o improvável: quem está envolvido no conflito parece estar disposto a negociar. Quem assiste não. As negociações para a paz contrariam o princípio da maldade intrínseca e gratuita de uma das partes. Assim sendo, contrariam quem a tem defendido. As pessoas ficam de facto reféns das posições que defendem e ninguém gosta de perder. Agora reparem que este é o princípio que leva à guerra e que a agudiza. ”
É muito interessante a perplexidade que assinala e a explicação que propõe, mas eu tenho outra explicação, eventualmente complementar da sua que gostaria de expor:
“quem está envolvido no conflito parece estar disposto a negociar” porque, como está a sofrer na pele as inconveniências que dele resultam, faz muito mais rapidamente a avaliação dos custos/ benefícios. Em contrapartida, os espectadores, como não têm custos (pelo menos diretos), só querem os benefícios: querem que o show continue,… afinal eles pagaram para ver! E, dadas as tendências naturalmente sádicas dos seres humanos, quanto mais sangue melhor.
Todavia, para além desta explicação psicológica, há outra, se calhar mais realista no contexto em que estamos a viver, e é que, para aqueles que afinal promoveram a guerra e ficaram de palanque, é muito importante que o protagonista que hostilizaram perca a face, se enterre, e, por isso, mesmo às custas do sofrimento do lutador que apoiam e ao qual batem palmas, não lhes convém que a coisa se resolva tão rapidamente.