Rui Moreira, o grande beneficiário do centralismo lisboeta

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 22/09/2021)

Daniel Oliveira

Do caso Selminho ao Queimódromo, tudo seria assunto de debate apaixonado se acontecesse na capital, porque quase toda a comunicação social nacional está em Lisboa. A isto junta-se o facto de, tirando o BE e o PCP, todos estarem ou terem estado no bolso de Moreira. Moreira é imbatível porque todos os que contam querem que ele seja imbatível. E porque os jornalistas não ligam a nada que aconteça para cima de Mafra. Sem escrutínio ou oposição, não é difícil governar.


Imagine-se que Fernando Medina era acusado de um crime e corria o risco de perder o mandato. Mal ou bem, havia outro tema nesta campanha? Pois a acusação contra Rui Moreira parece ter sido uma bênção eleitoral, permitindo que quase toda a oposição passasse a dizer: “à justiça o que é da justiça” E está encerrado o tema. Nada digo em relação ao processo, que me levanta, aliás, muitas dúvidas. Mas é mais assunto a investigação de casos que surgiram há quatro anos e envolvem um ex-vereador da Câmara Municipal de Lisboa do que a acusação já conhecida contra o presidente da Câmara Municipal do Porto que lhe pode custar o mandato.

Mas não é só o caso Selminho. Em véspera de eleições, rebentou a bronca com a vacinação no Queimódromo, por incompetência técnica. Rui Moreira, que nunca deixou de fazer pressão pública para a abertura daquele centro privado, pôs-se ao fresco de qualquer responsabilidade, quando as coisas correram mal. Foi quase nota de rodapé nas televisões e na imprensa com impacto nacional.

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Não vou aqui avaliar o trabalho estrutural de Rui Moreira. Nem a explosão do turismo e os seus efeitos na gentrificação da cidade, nem a reabilitação que a explosão do alojamento local permitiu, no Porto como em Lisboa – no que toca à política de urbanismo, Moreira e Medina não são muito diferentes. Nem a contínua perda de população, nem a recuperação de alguma e centralidade cultural perdida nos tempos de Rui Rio. Nem a rapidez como reagiu a algumas falhas do Estado na resposta imediata à pandemia, nem o facto da Câmara do Porto, que serve metade da população de Lisboa, ter gasto quinze vezes menos do que a CML em apoios sociais e económicos durante esta crise, em 2020 – depois não terá sido melhor. Nem a dificuldade em responder pelos seus falhanços em contraste com a rapidez com que apontou o dedo ao que falhou no Estado central. Todas as avaliações que faça falharão na sua profundidade, por distância.

O complexo centralista do lisboeta acredita que Moreira é popular porque, explorando o ressentimento da segunda cidade (que existe em todas as segundas cidades de todos os países), combate Lisboa. No caso da TAP, mas não só. É verdade que Moreira explora esse filão o mais que pode. É natural. Sabe que ele rende, quando tem e quando não tem razão. Ele é, no entanto, o maior beneficiário do centralismo.

Do caso Selminho ao Queimódromo, passando pelos dados estruturais que nos explicam que as coisas também não estão bem no Porto, tudo seria assunto de debate apaixonado se acontecesse na capital. Porque, com a exceção do “Jornal de Notícias”, a comunicação social com algum peso está toda em Lisboa. Mesmo as delegações reginais, para os órgãos de comunicação social que ainda as têm, são mínimas. E sem o escrutínio dos media Rui Moreira passeia-se como se nada fosse com ele.

A isto junta-se uma péssima oposição. O PSD escolheu o refugo do refugo e deixou que se soubesse de todas as tampas. O ódio de Rui Rio a Rui Moreira é a única estratégia que o partido tem para a cidade. António Costa, pelo contrário, tentou por tudo que o PS escolhesse alguém comprometido com uma aliança pós-eleitoral com Moreira, porque que lhe dá jeito o ter como aliado. E, graças a isso, o PS acabou a escolher o seu candidato muito depois da 25ª hora. As dificuldades da oposição são fáceis de explicar: tirando o BE e o PCP, já todos estiveram ou estão no bolso de Moreira. Está a IL e o CDS, que o apoiam. Esteve uma boa parte do PSD, que lhe deu apoio quando se quis ver livre Luís Filipe Menezes. Esteve o PS, que lhe garantiu maioria depois disso. Até o Chega, cujo cabeça de lista veio direitamente das suas fileiras.

Rui Moreira é imbatível porque todos os que contam querem que ele seja imbatível. E porque os jornalistas não ligam a nada que aconteça para cima de Mafra. Sem escrutínio ou oposição, não é difícil governar.


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Um pensamento sobre “Rui Moreira, o grande beneficiário do centralismo lisboeta

  1. Em conclusão Moreira é e serás sempre uma miragem. No final dos doze anos nada restará, pois não tem obra para deixar a perpetuar o seus mandatos. Uma tristeza. Nem honra nem glória.

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