Este partido é perigoso

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 03/09/2021)

Miguel Sousa Tavares

Esta semana entrevistei para a TVI Inês Sousa Real, a “porta-voz” (líder) do PAN. Ao contrário de André Silva, o seu antecessor no cargo, que não conseguia nem fazia um esforço para disfarçar uma postura de talibã desta nova religião disfarçada de nova política, Inês Sousa Real é calma e simpática, aparentemente disposta ao diálogo e ponderada. Além de inteligente e combativa. Só posso agradecer-lhe aceitar ser entrevistada por quem sabe não comungar de quase nenhumas das ideias dela. Isto posto, depois de a ter ouvido e depois de ter lido tudo o que encontrei sobre ela e o PAN, mais tudo o que retinha de memória, fiquei de tal maneira assustado que me vejo forçado a escrever isto, preto no branco: este partido é perigoso.

E é perigoso por três razões: porque são perigosas as suas ideias, fruto de um misto de ignorância, fanatismo e intolerância; porque o seu discurso e o seu método de arregimentação de fiéis, assente na demagogia e na sedução do submundo urbano e ignaro das redes sociais, lhe garante um futuro, infeliz e fatalmente, auspicioso, e, finalmente, porque a sobrevivência do actual poder socialista, anualmente dependente de um leilão de feira sem sombra de grandeza ou de verdadeiro interesse público, lhe assegura uma importância e influência que chega a ser pornográfica quando contrapomos os 174 mil votos do PAN aos 1.980.400 do PS.

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A primeira coisa que nos devia assustar no PAN é que é um partido que, antes de tudo, adora proibir. E isso para quem viveu parte da sua juventude num regime em que quase tudo era proibido faz soar logo uma campainha de alarme. O PAN não quer convencer, quer proibir quem não consegue convencer. Não quer entender outros modos de vida, quer bani-los. Não quer sequer fazer um esforço para conviver com outras culturas ou tradições, respeitar os hábitos de vida e os prazeres de vida das populações locais, quer varrê-los por lei do Parlamento ou alínea do Orçamento. Se, porventura, existisse na Amazónia, o PAN proibiria os índios de caçar e pescar — o seu modo de vida desde sempre — e condená-los-ia a comer hambúrgueres de soja, aditivada e cultivada em milhares de hectares todos os anos roubados à floresta tropical pelo seu insuspeito aliado Jair Bolsonaro. Mas como existe apenas em Portugal — onde não há índios, mas apenas velhos abandonados num interior despovoado —, é fácil aos demagogos do PAN conquistar adeptos entre uma população urbana que desconhece tudo sobre o campo (como escreveu alguém que conheci de perto, “As pessoas sensíveis não são capazes/ de matar galinhas/ porém, são capazes/ de comer galinhas”). Mas no PAN nem isso: são todos, sobretudo os dirigentes, forçosamente vegans — comem soja, curgetes, cogumelos e pasta de dentes. (E eu, pessoalmente, só lhes posso agradecer: quantos mais houver assim, mais salmonetes, sardinhas ou rodovalhos sobram, mais carapaus alimados eu hei-de comer e perdizes de escabeche ou estufadas, mais canjas de pombo-bravo, mais cabritos assados ou leitões da Bairrada, mais perus da bolota pelo Natal, mais lulas cheias, mais caracóis com orégãos, mais galinhas pica-no-chão. E comerei todos os legumes, os vegetais, as ervas e as algas que eles comem, mas misturados com o peixe, o marisco, a carne, a caça e os ovos, porque tenho atrás de mim 2 mil anos de civilização e cultura de que a cozinha é um expoente absoluto e que seria um imbecil se não aproveitasse. E assim, quanto mais eles sofrerem, mais eu gozarei, quanto mais eles precisarem de vitamina B12, mais eu serei saudável e feliz à mesa. Que Deus conserve os queridos vegans com o mesmo desvelo com que os alentejanos conservam os seus enchidos de porco no fumeiro!)

A grande diferença é que eu não quero proibir nem os vegans nem o PAN, apesar de saber que nem aquilo nem este são uma dieta, ou uma filosofia, ou um partido político, mas uma seita religiosa assente no fanatismo e no sofrimento auto-infligido. Mas paciência: parece que na Opus Dei também gostam de se chicotear a si próprios e infligir-se outros padecimentos para redimir o mundo do pecado. O que há-de fazer alguém que aprendeu no Novo Testamento que somos todos filhos do pecado e aprendeu no marxismo que as religiões são o ópio do povo? O que há-de fazer alguém que acredita que a democracia ainda é o menos mau de todos os sistemas e que a única religião que faz sentido é a natureza e as suas leis? Pois, tolerá-los e, como dizia o Hemingway, “tratá-los com ironia e compaixão”.

A primeira coisa que nos devia assustar no PAN é que é um partido que, antes de tudo, adora proibir

Ironia e compaixão — eis tudo que está ausente do discurso e do projecto político do PAN. O PAN nasceu apenas como partido animalista — essa era a sua única causa e matriz, o partido dos donos dos cães e gatos de companhia vivendo nas marquises das cidades e indo mijar à rua embrulhados em fatinhos de flanela. Depois, na segunda eleição a que concorreu, o PAN percebeu que podia alargar o seu espectro de aderentes declarando-se também partido ambientalista e aproveitando o vazio deixado nesse campo pelo PSD (que, com o PPM, que deixou de contar, era o único partido com pergaminhos na matéria), pelo desprezo que o PS sempre votou a essas questões e pelo embuste do chamado partido Os Verdes. Mas, não obstante algumas tomadas de posição acertadas em matéria de ambiente, o PAN nunca mostrou o mesmo empenho em impor ao PS medidas concretas nesta área equivalentes às que impôs para defesa dos animais. E ultimamente, numa jogada táctica destinada a facilitar as negociações com os socialistas, o PAN descobriu-se uma costela social, preocupado com os trabalhadores, o SNS, etc. — tudo o que o PS gosta de ouvir e em troca do que estará disposto a ceder ao PAN aquilo que ele verdadeiramente quer: mais direitos dos animais contra os direitos das pessoas normais.

O PAN já conseguiu acabar com os animais nos circos, que fizeram maravilhar-se gerações de crianças e que em muitas vilas e aldeias do país eram a única possibilidade de as crianças verem ao vivo animais que só conhe­ciam dos livros. Condenou à morte e ao desemprego companhias familiares de circo, cujas histórias inspiraram romances, e extinguiu uma arte e uma profissão, a dos amestradores, onde existia uma relação única entre os homens e os animais. E gaba-se disso.

O PAN está a caminho de banir as touradas, de condenar milhares de pessoas que vivem disso ao desemprego, centenas de milhares de aficionados à clandestinidade ou aos pogroms como o do Campo Pequeno, ameaçados e insultados como assassinos, e, no final, condenar os próprios touros bravos à extinção da raça, porque inúteis. E gaba-se disso.

O PAN quer proibir a caça (embora, para já, apenas proponha uma lei em que, por exemplo, os cães devem caçar presos por uma trela e açaimados — o que revela a escabrosa ignorância que eles têm sobre o que seja uma caçada ou um cão de caça). De caminho, e como não podem proibir os animais de se caçarem uns aos outros — pois essa é a lei da natureza — e como o homem é o último elo da cadeia de caçadores, restarão apenas a raposa e o javali, que extinguirão todas as outras espécies. E extinguir-se-ão as raças de cães de caça, também tornadas inúteis, e extinguir-se-á uma das poucas actividades, sociais e económicas, que ainda dá algum emprego, algum prazer e algum sentido aos que vivem no interior e no mundo rural. Mas há a paisagem, diz Inês Sousa Real. Pois há: eucaliptos e indianos a colher os frutos da agricultura superintensiva. E gente subsidiada, vestida de negro e sentada na sombra das casas, à espera que venham ver a paisagem.

E o PAN também quer proibir a pesca desportiva, para evitar o sofrimento dos peixes. Pela mesma ordem de razões, em breve estará a propor a proibição da matança tradicional do porco, da galinha de cabidela, da venda de mariscos vivos e da pesca profissional. Para já, são só os amadores da Marginal de Lisboa e do Porto, os pescadores de achigã do Guadiana ou de lampreia do Minho, os velhotes que vão à noite ou ao final da tarde entreter-se com a sua cana e os seus iscos para a beira Tejo ou Douro, talvez o seu último prazer, quem tem de se assustar: o PAN quer-vos a todos recolhidos num lar, a jogar dominó e a comer esparguete de tofu em nome dos direitos dos peixes.

Um partido, dito animalista, cujo fanatismo e ignorância podem conduzir à extinção de espécies animais e ao empobrecimento do mundo rural, podem afastar as pessoas da natureza como ela é, tornar as suas vidas mais pobres e mais tristes, é um partido perigoso.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia


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19 pensamentos sobre “Este partido é perigoso

  1. Depois de levar com o rótulo de ignorante por culpa própria, para não lhe dar a inteligência de mentiroso, ataca um moinho de vento a falar sozinho porque sabe que tem maior público do quem já fez o trabalho de desmontar o partido que acha que faz.
    Assim vai a elite. Mais vale, ao menos calou-se com os sindicatos uma semana.

  2. Este gajo é um exagerado do caraças. Se fosse político, seria um populista. É incapaz de escrever um artigo equilibrado do princípio ao fim. Mistura argumentos válidos com outros completamente estapafúrdios. Descreve os vegetarianos como uns sofredores, o que demonstra a mesma ignorância que lhes atribui em relação aos animais. Há excelente comida feita só com vegetais. Anunciar o fim da natureza com o fim da caça é atribuir ao homem o papel contrário ao que tem: em vez de supremo predador, destruidor da natureza vegetal e animal, quer fazê-lo passar por garante do equilíbrio natural. Há décadas que a caça deixou de ser para todos e passou a ser só para quem tem dinheiro para a pagar. As touradas são claramente um sofrimento para os touros. Quanto ao psd ter sido um partido com preocupações ambientais, nunca dei por isso. A verdade é que não há nem nunca houve um partido verdadeiramente ambientalista em Portugal, pela simples razão de que os portugueses não querem saber disso para nada. Ser um partido verde a sério (e não melancia) implica ser contra a caça, as touradas, o consumo exagerado de carne, a sobrepesca, as explorações pecuárias e de peixe tal como existem, a agricultura intensiva, altamente consumidora de água e destruidora da biodiversidade e dos próprios solos, incluindo os eucaliptos.

    • Mas que, grande salada russa que pra aí vai. Concordando com umas coisas e, discordando de outras, a verdade é que ninguém tem o direito de obrigar os outros a gostar do que nós gostamos!… Menos ainda de proibir cada um de viver a sua vida como bem entende.

  3. Para este gajo a defesa dos animais é um crime pior que o holocausto.

    E o PSD foi um partido ecologista ??????

    Nem há comentário possível a tanta estupidez.

    Que vá lamber as botas ao seu familiar Ricardo Salgado que costuma defender com tanta energia.

  4. O “banho” que apanhou na entrevista, porque mal preparado, foi tão grande, que resolveu escrever um texto manifestamente exagerado sobre o PAN. Assim como são exagerados os números que revela, por exemplo, em relação ao desemprego que o fim das touradas causaria! MST que tenha juízo e preocupe-se com o Chega e não com o fim das touradas.

  5. Não concordando com tudo o que MEC escreve, é obvio que o PAN é um partido antidemocrático por querer proibir apenas por não concordar. A caça é uma atividade natural que obviamente se deve ajustar as alterações da sociedade, mas o crescente despovoamento do interior do território tornam-na ainda cada vez mais importante. Caçar com cães açaimados além de uma violência sobre os cães, revela a ignorância de quem o sugere. Se querem proibir algo violento, proíbam ter cães em apartamentos, que os cães não nasceram para sofrer essa violência. Mas isso não convém aos hipócritas.

    • Caro MR.

      Ninguém quer proibir só por proibir.

      Se gosta de tortura ninguém obsta a que se junte a um clube sado-maso onde se chicoteiam uns aos outros até se virem.

      Desde que seja de livre vontade nenhum apoiante do PAN lhe vai dizer nada e só desejo que goze muito cada chicotada.

      A questão é que os animais não estão nessas práticas de livre vontade e não se podem defender e alguém tem de falar por eles.

      • Caro Pedro escusa de vir com imagens de tortura física que não impressiona, nem têm cabimento no que referi. Tortura é ter um cão de raça de caça ou de trabalho encerrado num apartamento, ou num canil, claro. A maior alegria que pode dar a um cão e levá-lo à caça. Se nunca se apercebeu disso só posso lamentar a sua falta de vivência. Leve o seu cão até ao campo, tire-lhe a trela e deixe-o correr. Se já não estiver “urbanizado” vai ver a sua felicidade. Se amam tanto os animais comprem-nos de peluche para terem em casa.

      • Tal como afirma, os cães também não estão de livre vontade nos apartamentos dias a fio, certo? Mas aí a vontade do animal já é irrelevante? Adora a hipocrisia.

        • Caro MR.

          O meu caso é a prova que esse vosso argumento é improcedente.

          Vivo numa situação em que os meus animais têm livre acesso à rua.

          Se eles quiserem vão às suas vidas e nunca mais os vejo.

          Mas parece que isso nunca lhes passou pela cabeça e ficam sempre comigo.

          Se se informar sobre o processo de domesticação de cães e gatos verá que foram ELES que procuraram os seres humanos.

          Mesmo que extinguissem todos os animais de estimação, haveria sempre novos cães e gatos a tentar infiltrar os nossos bandos.

          É que nós somos o super-predador e integrando-se nos nossos bandos eles obtiveram acesso às nossas prerrogativas.

          Acesso a reservas de alimentos acima de qualquer possibilidade de um.animal selvagem. E como sabe a procura de alimento é o centro da vida de qualquer animal, humanos incluidos.

          Conseguem também acesso fácil a reservas de água, proteção contra os elementos e contra outros predadores, humanos incluidos. E em muitos casos a festas nas orelhas e uma amizade com o dono.

          E claro, embora não tenham consciência disso, a assistência médica.

          Em média um animal que viva com humanos vive 5 vezes mais tempo do que no estado selvagem.

          Embora também haja drew backs, como a vida em apartamentos, as trelas e a possibilidade de maus donos, isso é um trade off que no geral resulta numa win win situation.

          PS
          Estou a usar.anglicismos porque estive a ler um blog de economia e aquilo deixou-me inspirado.

  6. Cada um que viva com a sua própria consciência e, deixe os outros em paz. Que ninguém pretenda «impor» aos outros aquilo, que não gosta. Não aos fundamentalistas fanáticos para quem o mundo só existe a preto ou branco. Chega de lavagens ao cérebro de quem escolheu viver a sua vida como gosta.

    • Caro pereira.

      Desde que não façam mal aos outros tem toda a razão.

      Já se o gostinho em causa é torturar animais, é coisa de tarado. E é crime.

      É uma questão de bom senso e de um minimo de ética.

  7. Apesar dos exageros e da agressividade do artigo, a questão é a de que alguns partidos ecologistas são anti-humanistas, para além de subalternizarem as questões sociais . E eu, entre os humanos e os animais sei onde me insiro.

  8. Muitos falam e poucos conhecem a realidade dos cães de caça. Eu vivo numa zona de caça e o que se vê aqui é os caçadores chegarem com os cães apertadíssimos em pequenos atrelados depois de fazerem viagens de centenas de kms. Os cães chegam stressados, com a língua de fora e cheios de fome pois dizem que assim correm mais. E correm felizes dizem alguns, pois pudera, quando não estão a caçar estes cães vivem em gaiolas em condições péssimas, lembram-se dos cães do cavaleiro João Moura? Pois aí têm os cães de caça.
    E cães abandonados pelos caçadores e outros mortos por eles, umas vezes por acidente outras vezes com intenção? Já vi muitos por aqui e já alimentei alguns. Aqui na zona os caçadores são tolerados mas ninguém gosta deles, a maioria são arrogantes e parecem os donos disto, só querem encher a barriga na tasca e disparar em tudo o que mexe. Ah, e aqui ninguém vota no PAN que eu saiba.

    • Este texto do MST é apenas uma opinião. Uma opinião de alguém perdido no tempo, de alguém que já não vive no tempo que o define. Acontece a muita gente encalhar assim, a ficar preso em convicções do passado. A história não é feita destas pessoas, é feita daqueles que se prestam e entender o mundo em que vive, quais as necessidades estruturais e que mudanças poderão ser implementadas.
      Fala de proibir como sendo anti democrático e contra a liberdade dos outros. Tamanho disparate.
      Vamos voltar a fumar dentro de aviões?
      Vamos liberalizar a velocidade nas estradas?
      Vamos permitir que se faça justiça pelas próprias mãos?
      A democracia é assim: proíbe-se algo que alguns poderão querer para termos algo que represente bem estar comum.
      Mas quem vive para o próprio umbigo vê as coisas de outras forma, de única forma que pretende ver: a sua!

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