(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 25/03/2020)

Em geral, António Costa tem estado bem na gestão desta crise impossível. Bem no tom, bem na tentativa muitíssimo difícil de equilibrar a dureza das medidas de confinamento com a prevenção das consequências que tudo isto terá no futuro e bem na maioria das medidas de emergência social económica que tem apresentado. Este “bem” é sempre condicional e provisório.
Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.
Estamos a falar de um tsunami em que o grau de exigência se adapta ao realismo do que é e não é possível fazer por agora. Se cada um de nós, que só tem de gerir pequenos núcleos familiares ou pequenos negócios, precisou de tempo para se adaptar, imagine-se fazer uma guinada rápida num barco das dimensões do Estado.
Até agora, com muito poucas e não surpreendentes exceções, a oposição também tem tido um comportamento exemplar. Não sei quanto tempo o aguentará, quando o descontentamento, a ansiedade, o medo e o cansaço tomarem conta da maioria dos cidadãos. Esperemos que não comece logo o conflito, para o qual os ultras não deixarão de pressionar. Sei que o comportamento sereno e cooperante que hoje domina a oposição e que não implica ausência de espírito crítico e de agendas próprias, não deixará de ter benefícios futuros para os próprios. Terão legitimidade acrescida para cobrar aos governos as suas falhas.
Não escorregue de novo António Costa no seu irritante otimismo e não se quebrará a confiança. Precisamos que seja insuportavelmente realista. Da verdade serena. Que também dispensa um Presidente a dar informações precipitadas e pouco seguras, como se estivesse a fazer o seu comentário dominical
O António Costa irritantemente otimista só nos apareceu, até agora, uma vez: foi na segunda-feira, quando disse, numa entrevista onde até se saiu bem, que não faltava nem ia faltar nada nos hospitais. Corrigiu o tiro esta terça-feira. Dos médicos e enfermeiros com quem falo, o discurso do pânico espalhado nas redes e alimentado pelos incendiários profissionais é-me apresentado como excessivamente alarmista. Mas falta material. como máscaras e álcool, que são essenciais para a sua proteção. E se falta já, faltará ainda mais depois. Porque é difícil de encontrar no mercado, neste momento. Sim, vai-se improvisar. E sim, podem vir a faltar coisas bem mais importantes se a pandemia se descontrolar.
Até agora, os portugueses têm mostrado, na sua esmagadora maioria, uma impressionante maturidade cívica, colaborando com as autoridades, mobilizando-se para resolver problemas e deixando o governo respirar e até falhar, conscientes da hercúlea tarefa que temos todos pela frente, incluindo o Governo. Têm mostrado ser merecedores da verdade porque têm conseguido lidar com ela. Uma das razões porque Graça Freitas e o próprio primeiro-ministro têm merecido respeito da generalidade das pessoas é porque têm, com a serenidade necessária, dito que o que nos espera é difícil.
A verdade tem funcionado e é para continuar. Um pequeno deslize, que resulte de excessos de otimismo e não de uma qualquer dificuldade de recolher informação atualizada, pode deitar isto por terra: a confiança dos portugueses e a cooperação dos partidos da oposição. Para reconhecer que há coisas que estão a faltar ao pessoal de saúde não é preciso fazer coro com os histéricos. Basta reconhecer o que não espantará ninguém com bom senso. Não escorregue de novo António Costa no seu irritante otimismo e não se quebrará a confiança. Precisamos que seja insuportavelmente realista. Da verdade serena. Também se dispensa um Presidente a dar informações precipitadas e pouco seguras, como se estivesse a fazer o seu comentário dominical. Por vezes, o protagonismo tem de ficar mesmo para mais tarde.
Um pensamento sobre “Precisamos sempre da verdade serena”