Pópe Cornos

(Virgínia da Silva Veiga, 09/02/2020)

Voltei ao cinema por reconhecer que ver em casa um filme de guerra, o 1917, não é o mesmo. Sobretudo, questão essencial, por causa da banda sonora, por muito boas que sejam as colunas domésticas. E foi quando saí cerca de 20 minutos depois.

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Ao meu lado, um casal sacava da embalagem as pipocas, arranhando, na escuridão da sala, as mãos cheias de milho, zurrando as pipocas contra o pacote e enfiando-as à boca cheia. Ele erguia mesmo o pescoço, inclinando a cabeça para trás, e enchia a boca aberta, mastigando em ostensivo deleite de alarve. Tirava ele uma manápula de pipocas, tirava ela, sorviam uma Coca-Cola por palhinha e o som era, portanto, ininterrupto.

Para quem tinha ido para ouvir a banda sonora era totalmente insuportável. Impossível.
Disse para amiga que me acompanhara que esperaria por ela lá fora.
– Está a meter-se com as minhas pipocas? – ouvi, ao meu lado.
– Perdão, minha senhora? Não falava para si, para a minha amiga.
Nem para ela me voltara.
Disse outra alarvidade qualquer que nem recordo. Nem para ela me virara, menos falara.
Pedi licença para poder passar e sair.
Resmungou, ao alto comigo, qualquer coisa que nem ouvi.
– Com licença – pedi, para poder sair.
Quando estava a passar à frente dela, diz a alarve:
– Pessoas que não sabem vir ao cinema não deviam sair de casa.
Estanquei.
Sempre a olhar em frente.
E sai.
– De facto – pensei.
Mas não disse.
Nada.
Porque se não diz nada a quem não destrinça entre comer pipocas durante os anúncios iniciais, no intervalo ou depois do filme e se bota a comer milho para gáudio do seu estômago alarve, em desconsideração pelo próprio bilhete que comprou.
Não sei se voltarei a uma sala de cinema. Quanto a este casal, aposto ter página no Facebook e juraria saber em quem vota ou em quem se prepara para finalmente ir votar.
Não se comem pipocas durante a sessão. É difícil perceber isto?
Bem. Pelo menos percebi porque é que também lhe chamam pópe cornos ou coisa do género.

4 pensamentos sobre “Pópe Cornos

  1. Cara Virgínia da Silva Veiga, gabo-lhe a atitude… e a contenção, porque eu, não sei se me aguentaria!… É degradante esta nova “normalidade” de levarem para as salas de cinema, o sofá lá de casa, a boçalidade doméstica e a arrogância de pacotilha, que os distingue de seres e cidadãos que se sabem portar em sociedade!… Claro que os principais culpados são os que permitem que isto seja assim, porque não sabem distinguir entre o que é mais importante, se apresentar bons filmes, se venderem comida e bebida para consumo durante a projecção de um filme!… E isto porque não sabem distinguir entre cultura e boçalidade, alarvice e baixa cultura, que não se aprende nas universidades, mas que por lá, infelizmente também existem!… O que interessa é o lucro! Atrair o público às salas de cinema com pacotes de pipocas, é não ter o mínimo respeito pela cultura, quiçá mesmo, não saber patavina da importância da arte e da cultura, que não sobrevive, só porque se pode comer pipocas e sorver coca-cola!… Um bem haja à sua denúncia!…

    • Nota. Credo! Eu por mim deveriam optar por gomas socialistas com o focinho do José Sócrates ou do António Costa, assim as mandíbulas dos boçais domésticos não fariam barulho (e as bossas dos dromedários, e que dizer dos bonsais japoneses?) e a senhora da terreola dos ovos moles de certeza iria adorar!

      Um bem-haja também para si, Ernâni-sem-acento, isto sim é importante.

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