O euro é disfuncional? Boa questão

(Vítor Lima, 26/11/2019)

Vejamos. A UE, como qualquer instituição capitalista é disfuncional, geradora de desigualdades, económicas e políticas. E o euro insere-se aí. Só que as desigualdades são dinâmicas espacialmente e, socialmente, em cada espaço.

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Uma grande questão é que não há um pingo de esquerda na Europa, capaz de construir uma alternativa. Tempos atrás vi um texto dos trotskistas franceses com o apoio dos congéneres europeus (entre eles o conselheiro Louçã), muito ideológico mas desfasado da realidade. E aqui em Portugal, há anos que o PCP mingua em torno da sua fabulosa consigna do “política patriótica de esquerda”; enquanto a Catarina vasculha no vasto leque de disfunções vigentes para as apresentar no próximo telejornal. E o Costa passados 4 anos, naturalmente, dispensou-os, como previ em 2015, (Ver texto aqui)

Ora sem movimentação social não há alternativa viável. E qualquer alternativa menos má poderá ser um cenário deste tipo – União dos Povos da Europa ou o nacionalismo à solta. Sobre os contornos desse cenário, ver aqui.

Mas e então? Portugal, sem UE teria caído num regime “musculado”, sem dinheiro, sem capitalistas que se enxerguem, com baixos níveis educacionais e periférico. Foi o Fundo de Coesão (antes da adesão formal) que encheu de fôlego o cavaquismo, na sequência da enorme crise económica de 1983/85, durante a qual o povinho perdeu 15% do poder de compra.

Portugal, com ou sem UE, seria sempre – como é – um corredor atravessado pelas redes logísticas das multinacionais. Bem vemos o que aconteceu com os “nossos” banqueiros e os empresários de referência; recentemente vimos o Ludgero Marques (a que em tempos chamei Rei da Torneira quando ele animava aquela coisa da Concertação, como magno representante da indústria) vender a Cifial a chineses e o Quintas e Quintas faliu deixando na lista dos credores, os eternos sacrificados (Estado e Seg Social). Isso tem uma história que fica para depois; como pode ficar adiada a história das nacionalizações e da venda posterior, para safar os deficits públicos.

Sobre as nacionalizações este texto terá uns 10 anos. 

As cabeças pensantes da lusa pátria pensaram que – à data da adesão – ficariam com a posição privilegiada de ser o país mais pobre e com os salários mais baixos da UE a 15. Azar! Caiu o Muro de Berlim e… a concorrência aumentou sobretudo de gente que aceita salários mais baixos (agora, em muitos casos, já são mais altos do que aqui) e com qualificações médias muito superiores. 

Sobre os níveis educacionais pode ver-se a situação, num texto recente, aqui. e sobre os salários, aqui

Agora umas notas sobre o euro. Suponhamos que vigorava por aqui o velho escudo.

Os valentes empresários, mormente os do import-export encheriam a pança com jogadas de subfacturação ou sobrefaturação, respetivamente na exportação e na importação; como é óbvio, e no exterior ninguém quereria negócios em escudos. O turismo, ah o turismo, seria porreiro amealhar fora dos circuitos moeda forte e depois negocia-la para animar compras em mercado negro, a quem não tivesse esse acesso facilitado. Como é habitual em países de moeda sem curso internacional, há um mercado paralelo em moeda forte.

A esmagadora maioria da população receberia os seus rendimentos em escudos e, para ter acesso a certas coisas negociaria com redes de contrabandistas. Uma outra questão interessante – Espanha o grande comprador e vendedor teria ainda euros ou voltava à peseta? E uma terceira, de impacto assombroso: como se pagaria a dívida? (aliás deixou de se falar de dívida pública embora cada português continue a pagar 800 euros/ano de juros).

Como os trabalhadores seriam pago em escudos, a desvalorização da moeda provocaria uma boa inflação; e daí protestos e repressão.

A UE e o euro não são flores que se cheirem mas o nacionalismo e uma moeda própria… A saída, só no âmbito de uma União dos Povos da Europa; mas pensar nisso exige pensamento estratégico, geograficamente abrangente e fora/contra as classes políticas europeias. O que, teoricamente, deveria estar facilitado pela ausência de uma esquerda na Europa; mas que não está, embora haja muito folclore e parvoíce nas sequelas da onda Greta.

Quanto ao projeto da UE, desvalorização interna, o euro e os novos Viriatos, pode ler aqui.

Ora aqui fica material para vários serões…


VL

3 pensamentos sobre “O euro é disfuncional? Boa questão

  1. Os 10 mandamentos da Euro-bíblia, seguidos à risca por todos os Euro-radicais da igreja do BCE:

    1- a estupidez de comparar uma moeda nacional (algo normal em todo o Mundo inclusive na Europa) ao nacionalismo (a ideologia de extrema-direita que tem por base o ódio às outras nacionalidades)

    2- a aldrabice de dizer que com escudo a inflação disparava e vinha aí autoritarismo, escondendo que a inflação atual perto do zero é igualmente má (é consequência da estagnação, do alto desemprego REAL, e do congelamento do poder de compra), e escondendo também que os países Europeus com moeda nacional têm a inflação controlada em valores saudáveis para a economia

    3- o anúncio do diabo, desta vez revisitando a crise dos anos 80, que NADA teve a ver com a moeda

    4- o fanatismo europeísta de insistir no mito “ou o euro ou o caos” sem mostrar qualquer prova desse argumento. É o equivalente monetário aos “teóricos” da Terra Plana…

    5- a omissão dos países que mantiveram moeda própria, dentro da UE, e que continuam ricos (Suécia, Dinamarca) ou que nos ultrapassaram (R.Checa) ou estão prestes a ultrapassar (Polónia).

    6- a mentira repetida muitas vezes que se tornou “verdade” em muitas cabeças: de que a mudança do euro para o novo escudo seria caótica, mas que a mudança do velho escudo para o euro foi magnífica. Magia? É como dizer que mudar de canal da SIC para a TVI faz bem à televisão, mad mudar da TVI para a SIC pode avariá-la. Anedótico.

    7- o típico ataque, sem conteúdo, a figuras mesmo de Esquerda (à esquerda do “centrão das negociatas”), como se o PS euro-fanático não estivesse cheio de “filósofos”… tipo Sócrates e seus apóstolos, ou suspeitos de corrupção, ou “limpos” mas concentrados no poder agora e sem qualquer visão para o futuro do pais (A.Costa).

    8- a ausência de auto-crítica sobre o que realmente provocou a vinda da troika em 2011: a nossa dependência do BCE, e a maluqueira de aplicar Neoliberalismo à força. Não, não era inevitável aquele resgate, e muito menos aquelas políticas, negociadas por PS, PSD e CDS.

    9- o silêncio sobre uma única medida concreta e significativa que permita equilibrar os tais desequilíbrios estruturais da moeda única. Não há nem pode haver, porque nunca haverá orçamento federal, nunca haverá união política, e os atuais ganhadores (com os desequilíbrios) nunca aceitarão corrigir o problema.

    10- o autoritarismo, esse sim, de dizer que no euro não se vislumbra alternativa de Esquerda, dizer que fora do euro só há autoritarismo, e depois não dizer que são as regras infundadas e autoritárias do euro que ILEGALIZARAM até as políticas mais moderadas da Social-Democracia, como as do pleno emprego, da melhoria da distribuição de riqueza, e da iniciativa Estatal.

    No final rezam 5 avé-Junker-Luxleaks, 10 avé-Draghis-compra-me-a-dívida, 20 avé-Macron-ex-banqueiro, 30 avé-Merkel-dá-me-um-subsídiozinho, papam uns quantos “fundos de coesão” naquelas empresas criadas de véspera, e toca a avençar os opinion-makers que se faz tarde…

    Amén

    PS: quantos europeus votaram naquilo que se decido no BCE? Zero. Quantos europeus votaram naquilo que se decide no Eurogrupo? Zero. Quantos europeus votaram na comissão europeia da Úrsula von der Leyen (que ninguém conhecia, pois nem sequer concorreu às eleições? Zero. UE: diz que é uma espécie de democracia…

  2. Já respondi, mas essencialmente:

    1) criticar o ordoliberalismo da zona euro e usar teorias neoliberais para justificar a impossibilidade de alternativas ao mesmo tempo não bate certo; a macro-economia, pura e simplesmente, não segue a ortodoxia, nem com micro-modelos à medida;
    2) aceitar que não há alternativa e estamos condenados ao empobrecimento permanente e às migalhas também não serve; numa altura em que as principais economias se tornam cada vez mais proteccionistas (incluindo a Alemanha), ficar à espera é aceitar um estado falhado à moda da Grécia e Lituania, ou entregar o país a um Erdogan qualquer.
    3) talvez não tenhamos políticos à altura; bem, nesse caso é melhor pedirmos mesmo a anexação por Espanha ou assim, sempre são capazes de evitar as regras.

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