O Verão

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 05/08/2013)

Autor

            Pacheco Pereira

Em cada Verão apetece-me sempre dizer as mesmas coisas, mas como não gosto de me repetir, a não ser quando há vantagens didácticas nessa repetição, evito repeti-las. Vou por isso falar de florzinhas, passarinhos, do pôr-do-sol, do calor do Verão, das cigarras que cantam em contraste com as diligentes formiguinhas, do bom peixe português, das águas azuis e límpidas, do precioso néctar, agora brilhando em cubas de metal lustroso e com umas senhoras muito finas que provam o vinho como deve ser. Só excelências. Vou estudar os postais ilustrados, os calendários das oficinas, os cartazes do turismo e ficar inebriado com as virtudes nacionais da terra, mar e rios, assim como dos nacionais e dos estrangeiros irmanados no tostar ao sol, com corpos esbeltos, e os impecáveis criados de mesa, de avental branco, tão branco que ofusca, a servir uma cornucópia de marisco tão fresco que a fotografia condensa do frio.

2.E os jornais e as televisões? Então aí é que a coisa brilha no escuro. As férias dos “famosos” então são exemplares. Nas revistas do coração, onde em cada semana se “assume” um namoro, ou se parte o coração com uma separação, há um tipo de “famosos”. O que é que eles fazem? Mas que raio de pergunta! São “famosos”, aparecem nas revistas e nos programas de televisão, são actores de telenovelas, donos de bares, costureiros, chefs (tanto chef que por aí há!), modelos, cabeleireiros, relações públicas, tarólogas, etc.

No Expresso, e na parte de cima da cadeia alimentar da comunicação social (juro que não sei o que esta SÁBADO vai trazer, nem quero saber…), os “famosos” são os “políticos” a banhos. Tudo gente muito dada a leituras, ele é cada lista de livros para férias que espanta. O que me admira é como eles são diligentes com os livros, que chegam ao fim das férias pristinos e novos, sem marca de bronzeador, sem gotas de água do mar, sem areia. É só virtudes, o meu bom povo da política, lê de luvas e nunca se deita com um livro, é só na cadeira ou no bar do hotel. Duvido que seja na cama, porque os hotéis têm cada vez piores luzes de cabeceira.

3. E depois têm um plano secreto de leituras, porque é tudo gente dada à discrição e à reserva. O que eles dizem que vão ler nas férias não é o que vão ler nas férias. Vão ler muitos jornais e revistas, isso sim. É ali que vão buscar a “linha”, como antes faziam os maoistas. No CDS e no PSD, a “linha” vem dos cronistas do Observador. E se eu quisesse citar o meu bom amigo Espada, diria e que “linha” meu Deus! No PS não há “linha”, eles são os verdadeiros pragmáticos, e querem sempre ter muita margem de manobra para mudar de “linha”. No BE há uns órfãos da “linha”, ou se quisermos dizer de outra maneira, estão poliamorosos de várias “linhas”. No PCP há “linha” a mais, o partido permanece marxista-leninista e não há mais “linha” do que isto.

Mas também há alguns livros. Os do CDS lêem a biografia do Churchill, que é um livro de que gostam tanto que já tinham lido no ano passado. Os do neo-PSD lêem uns livros sobre Singapura que Passos Coelho recomendou. Os do PS mais velhos lêem uns franceses que ninguém lê a não ser eles, mantendo a boa tradição de Mário Soares que deve ter sido o último português a ter uma assinatura da Le Nouvel Observateur.

Os mais novos lêem o mesmo que o Bloco de Esquerda, os livros que são citados no Le Monde Diplomatique, Chomsky, Varoufakis, e o homem que teve o atrevimento de dar como título ao seu livro de Capital. Já não há respeito!

4. Estão a ver a silly season? Dá nisto. Devo estar a precisar de férias. Já agora tirem-me da cabeça as primeiras quatro palavras da Internacional, em português, em espanhol, em francês, em inglês, em alemão, em esperanto, em russo, em romeno, em italiano, em árabe… Em chinês já soube, mas não me lembra. Devo estar a precisar de férias. Vou voltar para os papéis velhos, o meu oceano, a minha praia, o meu mistério… chega.

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3 pensamentos sobre “O Verão

  1. O pacheco, valha-le a boa erudição, mesmo quando quer fazer de engraçado não cai no engraçadismo.
    O engraçadismo nasceu com as produções fictícias, tem sede no canal Q e é aquela coisa esfolada a martelo que o pessoal do ‘eixo’ e do ‘governo sombra’ se esforçam por ministrar aos embasbacados. O protótipo do engraçadismo são os ‘fedorentos’ que após esgotarem a inteligência aos primeiros esguichos se constituiram em bobos dos media para caçar nomeada junto dos tais embasbacados e de seguida ir caçar à grande para as bandas da pt e meo.
    Os bandos de engraçadistas anedóticos que pululam nos palcos de stand-up já são cópias totalmente adulteradas dos originais que, já por si, eram gente estilo ‘homens da luta’ que se esgotam à primeira representação porque depois a repetem até à náusea.
    O pacheco possui essa diferença cultural abissal para os liliputianos dos engraçadistas de cordel da piada porno, do trocadilho porno, da anedota porno.
    Ingressou na escola de malfeitores políticos de cavaco e tenta actualmente libertar-se desse tempo de sombras, contudo, amadureceu e secou impregnado de cavaquismo(n-l) pelo que nunca conseguirá já libertar-se desse vício.
    Valha-le, para já, querer ser engraçado sem cair no engraçadismo.

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