O futuro está a ser criado em Coimbra

(Nicolau Santos, in Expresso, 16/07/2016)

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Nicolau Santos começa com Coimbra para mostrar o que de bom se está a fazer ao nível da criação de novas empresas de base tecnológica em Portugal. Como residente em Coimbra e com conhecimento particular do papel que a Universidade tem tido nesse processo, só posso congratular-me. Mas depois volta ao tema das sanções a Portugal e ao novo job de Durão Barroso de quem diz ser o “homem a evitar por higiene” ( Estátua de Sal).


Imagine um iPhone do tamanho de uma mesa. No ecrã tem o corpo de um homem, que está deitado numa maca de um hospital. O peito sobe e desce com a respiração. Na testa tem pingos de suor. Os dedos estão a ficar roxos. Ataque cardíaco, AVC? Tem painéis a dar as hipóteses de resposta às diferentes situações clínicas. Análises, injeções, desfribilador, entubamento. Os sinais vitais vão indicando a reação à terapia. Trata-se de um simulador digital interativo, que treina a capacidade de tomar decisões médicas rápidas em situações críticas ou crónicas. Para médicos, enfermeiros e estudantes de medicina é uma plataforma de treino espantosa. Chama-se Body Interact e é produzida pela Take the Wind, uma empresa portuguesa situada na zona de acelerador de unidades do IPN-Instituto Pedro Nunes, em Coimbra. O IPN, que cumpre agora 25 anos, nasceu da Universidade de Coimbra e ajuda a fazer a ligação entre a investigação, a universidade e o tecido empresarial. Vive dos seus próprios recursos que vêm dos seis laboratórios de investigação tecnológica (que desenvolveram 150 projetos nos últimos três anos e apoiaram 300 empresas), de uma incubadora (que apoia a criação de empresas e as acompanha até aos quatro anos), de uma aceleradora (para empresas com mais de cinco anos e que já se afirmaram no mercado mas precisam de captar capital para crescer) e da área de formação.

Algo está a mudar no tecido produtivo português a partir de Coimbra. O Instituto Pedro Nunes merece todo o apoio. Porque está a fazer acontecer

Na incubadora encontram-se, entre muitas outras empresas, a Active Aerogels (que produz aerogéis para isolamento térmico, usado na indústria do espaço, aeronáutica, petrolífera ou habitacional), a LaserLeap Technologies (que desenvolveu, através de ultrassons, uma solução fácil e eficiente para a entrega de produtos cosméticos e de medicamentos através da pele, isto é, sem utilizar agulhas), a iClio (dedicada à criação e publicação de conteúdos relacionados com história, património e cultura, ou seja, guias turísticos que levam em conta o tempo disponível do turista para visitar as cidades) ou a Perceive 3D (que desenvolve software de imagem de alta precisão para melhorar a perceção e auxiliar os cirurgiões em intervenções pouco invasivas). Na aceleradora há já empresas com nome nos mercados internacionais como a Feedzai (que desenvolveu uma plataforma de machine learning para gestão de risco e proteção contra a fraude para a banca, retalhistas, operadores de telecomunicações, etc.) ou a Widzee (que está a criar o Google para executivos e decisores). O IPN acolhe ainda o ESA BIC Portugal, um dos 15 centros de incubação da Agência Espacial Europeia para apoiar startups que empregam tecnologias espaciais em utilizações industriais e comerciais não espaciais.

Algo está a mudar no tecido produtivo português a partir de Coimbra. O Instituto Pedro Nunes merece toda a atenção — e todo o apoio. Porque não espera. Está a fazer acontecer.


1,1 MIL MILHÕES, A DÍVIDA DA ONGOING QUE FOI À FALÊNCIA

Nuno Vasconcellos e Rafael Mora eram a encarnação do novo tempo que ia mudar Portugal, o tempo dos jovens lobos, saídos das mais laureadas universidades internacionais e trabalhando em prestigiados bancos, escritórios de advogados ou consultoras. Através deles, queriam exercer a sua influência sobre as grandes empresas nacionais. Pois bem: esta semana foi decretada a falência da Ongoing Investment Strategies, o que levará à insolvência da holding, que os dois dirigiram. Deixam um rasto de €1,1 mil milhões de dívidas, das quais €493 milhões no Novo Banco e €282 milhões no BCP. Incompetência é o termo mais caridoso que se lhes pode aplicar.


O homem a evitar por higiene

Se tivesse um pingo de vergonha na cara, Durão Barroso nunca teria aceite ser presidente não-executivo da Goldman Sachs. Mas Barroso é a imagem desta União: sem sonhos, sem ideais, sem valores, de mão estendida perante o poder financeiro. A Goldman Sachs foi uma das responsáveis pela crise do subprime, que provocou o tsunami de 2008, lançou milhões de pessoas no desemprego e afetou dramaticamente a vida de muitos povos. A Goldman aconselhou a Grécia a ocultar parte do seu défice — para depois especular contra a dívida grega, ganhando milhões e despoletando a crise das dívidas soberanas. Barroso era presidente da Comissão Europeia mas só teve uma estratégia: não desagradar a Berlim para ser reeleito. A sua presidência deixou a Comissão profundamente enfraquecida. Barroso é, como político, uma nota de rodapé, e como pessoa, alguém higienicamente a evitar.


Um caminho perigoso

A aplicação de sanções a Portugal não faz qualquer sentido. Elas só são explicáveis por razões políticas: a linha dura na Europa não tolera o caminho que está a ser seguido pelo Governo português. O problema é que a evolução económica não está a jogar a favor de António Costa. A última previsão conhecida, da Universidade Católica, reduz o crescimento da economia a 0,9% este ano (metade do que o Governo prevê) e admite que o défice possa ficar acima dos 3%. O FMI também já aponta para 1%. Ora perante este enquadramento, fazer um braço-de-ferro com a Comissão, recusando definir medidas adicionais para controlar o défice ou apresentar primeiro o esboço do OE em Bruxelas antes de o submeter à Assembleia da República surge como um desafio que pode acarretar mesmo sanções ao país. Nesse caso, uma das saídas políticas será a convocação de eleições. É isso que António Costa quer?


Não é incrível como a palavra Acapulco se enrola pela língua e acaba com um estalido que ecoa ecoa ecoa até ao céu da boca e quase ficamos felizes de dizer Acapulco Acapulco Acapulco? Não é incrível conhecermos o número exato de vezes que temos de repetir uma palavra para ela deixar de fazer sentido? Moça, o único incrível era como a tua melena emaranhada os bucles dourados o teu riso tolo o teu andar pueril nos convidavam a fazer mais e mais estrada. A carrinha estourava os cigarros acabavam a água era pouca mas ganhávamos todos os dias ao sol e àquela maldita águia de rapina que nos tentou enganar quando lhe perguntámos como chegar a Veracruz. Escreveste com batom vermelho no retrovisor “Que nunca sobre estrada” e vruum vruum tentei fazer por isso, sabendo que se sobrasse estrada faltaria muito caminho. Já com cáries e breu afagámos os cães pulguentos de uma aldeia do deserto e um vendaval curioso ofereceu-nos um ramo de rosmaninho e alecrim. Um milhão de memórias cor de polaroid e tacinhas de barro com bebidas padronizaram a melancolia do balcão do bar, e foi mais fácil ignorar a leveza da salvação. Remexeste na mala até encontrar o teu batom vermelho — eu que naquele então desconhecia a tua aversão às canetas — e com esse batom vermelho escreveste num guardanapo usado “Mescal é substantivo de coração” e depois limpaste a boca. Voltámos à carrinha e arrancámos para fora dali, ainda faltavam duas semanas para o Carnaval.

(Mariano Alejandro Ribeiro, ‘Acapulco’, in “Antes da Iluminação”, Mariposa Azual, abril de 2016)

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