Privatizar os filhos da Amália e do Eusébio

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 27/04/2015)

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Amália Rodrigues não teve filhos, que se saiba. Eusébio da Silva Ferreira teve duas filhas, que se saiba. E nenhum deles teve filhos em conjunto. Mas sendo figuras maiores da música e do futebol portugueses, foram homenageados de múltiplas maneiras. Uma delas era dar os seus nomes a animais. Amália e Eusébio foram as duas primeiras lontras do Oceanário de Lisboa, que morreram entretanto. Outras lontras ocuparam o seu lugar. Agora vão ser privatizados.

Claro que não é bem uma privatização. É uma concessão a um privado, por um período de várias décadas (três? cinco?), para gerir o Oceanário. E claro que o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, anunciou logo que o novo concessionário “terá de corresponder a objetivos de serviço público”, nomeadamente requisitos de investigação científica e de promoção dos conhecimentos do oceano.

Não se percebe que o Estado aliene o que está na esfera pública e corre bem. Mas é o que este Governo tem feito com grande determinação. Alguma lógica deve haver nisto. Mas escapa seguramente ao comum dos mortais.

Ou seja, o Governo entrega a um privado, cujo objetivo é seguramente o lucro, uma instituição que não existiria se não tivesse sido construída com dinheiros públicos. E depois exige-lhe que além de gerir bem, cumpra também objetivos mais conformes com o interesse público. Senão… Senão o quê? Senão, nada. Senão volta tudo à estaca zero, ou seja, à posse do Estado.

Então porquê privatizar? Para melhorar as contas do Estado, já que a Parque Expo, «dona» do Oceanário, tem uma dívida acumulada ao Estado de mais de 200 milhões de euros – e a concessão do Oceanário pode valer 40 milhões, nas contas do Governo.

Acontece contudo que o défice acumulado pela Parque Expo não é seguramente da responsabilidade do Oceanário, que apresenta resultados líquidos superiores a um milhão de euros anuais desde 2007. No ano passado o resultado líquido foi de 1,1 milhões (mais 19%), o EBITDA de 2,2 milhões (mais 4%) e o índice de satisfação de 94,6%, o mais elevado de sempre.

O Oceanário está pois no ponto exato para ser privatizado: dá lucro e os utentes/clientes estão satisfeitos. Não se percebe que o Estado aliene o que está na esfera pública e corre bem. Mas é o que este Governo tem feito com grande determinação. Alguma lógica deve haver nisto. Mas escapa seguramente ao comum dos mortais.

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