O domingo já ia tardio, o Outono batia à porta e a meteorologia não ajudava. A água escorria pelas sarjetas depois de chuvadas assanhadas, e o vento, esse, assobiava um tanto. As famílias tinham-se espreguiçado e dispensado os passeios pelos centros comerciais. Era hora do comentário do Professor Pardal de Sousa.
– Boa noite, Professor Pardal de Sousa, que tal começarmos hoje pelos livros?
– Ainda bem que o diz, porque temos muita análise a fazer. Vejamos: “As feiras das miudezas em Alquerubim”, grande obra sobre o funcionamento dos mercados. À atenção da Ministra Luisinha Queque, por causa das taxas de juro da dívida. “ As leituras de adormecer do Mago Gaspar”. Este é biográfico: conta vários jantares com a Tia Ângela, e de como ele conseguiu entrar no FMI sem fazer provas de avaliação. Delicioso. Mas temos mais: “ Portugal e a produção de cereja na revolução do pastel de nata”. Este é um excelente manual de empreendedorismo: como criar grandes negócios e aumentar assim as exportações dos produtos agrícolas. À atenção de vários ministros: Santinha Cristas por causa da agricultura, Sério de Lima, por causa da indústria e até de Nuno Gralha, para que obrigue a que seja de leitura obrigatória no ensino secundário de modo a que os jovens não emigrem e se dediquem à cereja e ao pastel de nata. É a tal imagem da cereja no topo do bolo. E Pardal de Sousa sorriu, vaidosa e narcisicamente, da sua própria sagacidade.
– Professor, mas então essas ideias não vão contra os conselhos do Primeiro-Ministro que aconselhava os jovens a emigrar? – Inquiriu a Tia Judite, a talhe de foice.
– Quer dizer, vão, mas não vão. Vão, se tivermos em conta o período TROIKA I. Nessa altura, o PM estava certo porque tinha que mandar os jovens para fora melhorar as estatísticas do desemprego. Mas agora já estamos no período TROIKA IV, em que o que interessa é diminuir as importações para dizermos que a balança comercial está equilibrada. Como vê está tudo certo e coerente.
– Muito bem, Professor, passemos então às perguntas dos espectadores. A primeira, do espetador João Amargo, é a seguinte: Porque será que o Dr. Calvo Bento, acabou por não ir para a reforma, tendo sido reintegrado no Banco de Portugal? Pardal de Sousa respondeu lesto:
– Essa questão é muito interessante e tem uma resposta óbvia: por causa do Tribunal Constitucional. A tia Judite, não estava a perceber nada, fez cara de grande espanto, e a câmara mostrou um grande plano da sua estranheza: estava de preto, solene, mas bem maquilhada como sempre. Pardal de Sousa continuou:
– Vejamos. O Tribunal Constitucional não vetou os cortes nas reformas antecipadas. O Dr. Calvo Bento ia ser altamente penalizado na sua reforma. Claro que, quando aceitou ir para o BES, achou que era para ser banqueiro e que ia lá ficar 10 anos. Afinal não era para isso: era só para assinar as atas do Novo Banco porque a MONT BLANC do Dr. Amuado Salgado tinha a tinta esgotada. Ora, como só lá ficou 2 meses, já viu o prejuízo que ia ter se fosse para a reforma? Não se pode penalizar ninguém pelo seu sentido cívico e envergadura moral, pelo que o Banco de Portugal esteve bem ao reparar a injustiça. Dou 14 valores ao Banco de Portugal.
– Muito bem. Temos agora uma pergunta de uma espetadora, Dona Mãezinha de Pinto, de Cascais. Pergunta se o ministro Crato não devia ser demitido porque o filho tinha um amigo que lhe levava a mochila quando ia para o Colégio. Como o colega ainda não tem professores no ensino público, deixou de ir às aulas, e o filho da espetadora tem que ser ele próprio a levar a mochila. Esta pergunta era mesmo de almanaque, mas Pardal de Sousa não se intimidou:
– Bem, este é um problema grave para o Ministro: a questão dos mochileiros auxiliares e o prejuízo em futuras hérnias dos estudantes aplicados. No meu entender, contudo, não é caso para demitir o Ministro porque não resolve o problema do peso exagerado das mochilas. Acho, no entanto, que o Ministro devia ter, de facto, acautelado a situação. Deixemos este caso à atenção do Ministro Paulo Gestor para que coloque as ambulâncias do INEM a transportar as mochilas com mais de 5 quilos, numa ação de profilaxia da hérnia discal dos jovens dos colégios.
– Muito bem Professor. Tenho agora uma pergunta, muito especial, vem assinada, e é do Dr. Amuado Salgado.
– De quem?! – Pardal de Sousa pigarreou, bebeu um pouco de água, e inquiriu surpreso: – Do próprio Dr. Amuado?!
– Sim, professor, e a pergunta é a seguinte: Quanto acha o professor que ele deve pedir de indeminização à ministra Paulinha de Truz pelas avarias no CITIUS, já que quer preparar a sua defesa, e como não consegue fazê-lo, está a ser caluniado e a ter prejuízos de milhões em cada dia que passa. Para esta, Pardal de Sousa, hesitou ligeiramente, mas lá foi debitando, apesar de o fazer já com menos fluidez:
– Bem, antes de mais, vou fazer uma declaração de interesses: não sei se a Judite sabe mas já fiz bodyboard com o Dr. Amuado e bebi várias caipirinhas no iate dele a caminho de Saint-Tropez. Posto isto, eu diria que há motivo à indeminização por perdas, de acordo com o princípio in dúbio pro reu. Como o Dr. Amuado, ainda não foi julgado é presumivelmente inocente, e como está a ser acusado antes do tempo, deve ser ressarcido de acordo a quantificação material dos danos. Só pelos estragos com imobilização do iate, estimo que 1 milhão por dia não seja exagerado.
– Professor, mas isso é muito dinheiro! – Clamou a Tia Judite. Como vai o Estado poder pagar tudo isso se tem um défice enorme e não tem dinheiro para a saúde nem para a educação? Pardal de Sousa tinha a solução na manga:
– Judite, o Estado pode sempre devolver a caução de 3 milhões que o Dr. Amuado teve que largar, para poder andar cá fora a preparar a sua defesa. Devo notar que, se o Dr, Amuado fosse preso e levasse os documentos para a Carregueira era muito pior, porque podiam ir cair nas mãos de carteiristas e quejandos, além da despesa adicional em que o Estado teria que incorrer fazendo obras na cadeia, para poder receber tão ilustre visitante. E sorriu outra vez, vaidoso da sua notável clarividência.
– Muito bem, professor. Vamos agora aos temas da semana. E o grande tema é o Orçamento do Estado para 2015. O Governo aplaude. A oposição critica. O Presidente da República bate palmas enquanto assobia para o ar. E o professor? O que nos diz? Vai haver ou não descida de impostos? Pardal de Sousa, até se sentiu mais leve. Para esta, tinha um bloco inteiro cheio de notas:
– Podemos dizer que os impostos vão descer na medida em que os impostos vão subir! A Tia Judite, mais uma vez com ar intrigado, não estava a perceber nada, até porque o seu forte não era a fiscalidade. E mais uma vez o seu espanto foi captado num grande plano. E prosseguiu Pardal de Sousa:
– Eu explico: este é o orçamento mais criativo desde o 25 de Abril, porque os orçamentos do Estado Novo eram sempre previsíveis e sem chama, já que antes de serem conhecidos já estavam aprovados por unanimidade. Uma sensaboria. Este não, este é criativo, inspirado e constitucional.
– Está bem professor, mas como podem os impostos baixar na medida em que vão subir?! Pardal de Sousa estava deliciado com o espanto da Tia Judite:
– Então não vê? O Governo, promete que diminui os impostos em 2016, mas só se os aumentar em 2015! É de mestre. O Governo tirou um Coelho da cartola.
– Professor, mas então Governo paga a diminuição dos impostos com o Coelho ou com a cartola?
– Ó Judite, o Governo paga a crédito, fica a dever, paga com a cartola mas só depois de a encher. Quer-me parecer que quem vai ter que pagar é o Abrenúncio Costa, se lá chegar. É de mestre. Dou 16 valores ao Barítono Coelho e 18 valores à Luisinha Queque.
– Mas professor, o Governo diz que os impostos não sobem, e que vai reduzir os impostos em 2016 se a receita do combate à evasão fiscal, subir…
– Ó Judite, você distingue um Euro cobrado em IVA, de um Euro cobrado por combate à evasão?! Você não vê que é de mestre?! Só se os Euros forem marcados, como nas cartas dos batoteiros profissionais de poker é que os contribuintes vão receber o tal crédito de imposto!
– Professor, temos mesmo que acabar. Quer deixar então algum conselho aos cidadãos, de modo a que se possam preparar para o ano fiscal de 2015?
– Claro, Judite. É muito simples. Que não paguem impostos, que não cumpram os prazos, que não peçam faturas. Aí a Tia Judite não conseguiu conter um grande espilro. Toda ela era um grande ponto de interrogação, mudo e a cores. Pardal de Sousa, sorria, e prosseguiu:
– Se os contribuintes se portarem bem e cumprirem, não há evasão fiscal, logo não há desagravamento de impostos. Se fugirem, se forem relapsos, se não denunciarem, então o fisco aperta os faltosos, e aumentando a receita por combate à evasão tem que devolver o bolo cobrado aos contribuintes! Logo, o melhor é mesmo não pagar a tempo e horas, e receber de volta depois de se ter pago. É um pagamento de faz de conta. Desculpe, Judite, mas este orçamento, é tão criativo que é um incentivo à fraude e à evasão fiscal.
– Professor Pardal de Sousa, mas isso é absurdo! Qual o objetivo de uma engenharia dessas?
– Ó Judite, ainda não viu? É de mestre. Quando rebentar a bronca, quem vai ter a bomba nas mãos já não é o Barítono Coelho. É o Abrenúncio Costa. Ele que resolva!