Adeus, LINKE!

(Yanis Varoufakis in Savage Minds., 29-03-2025, Trad. José Catarino Soares)


Na tentativa de se tornar um partido “normal”, o Die Linke juntou-se à loucura do rearmamento dos centristas.


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A semana passada foi uma semana para os livros de História. O parlamento alemão alterou o travão constitucional da dívida, de modo a permitir despesas militares ilimitadas, independentemente de quão profundamente isso irá empurrar o orçamento do governo federal para o vermelho. Entretanto, nenhuma dessas generosidades orçamentais se estende aos investimentos nos hospitais, na educação, nos bombeiros, nos jardins-de-infância, nas pensões, nas tecnologias verdes, etc.

Em resumo, no que diz respeito ao financiamento da vida, a austeridade continua a fazer parte da ordem constitucional alemã. Só os investimentos na morte foram libertados das garras constitucionais da austeridade.

A razão subjacente à introdução desta alteração constitucional é simples: Os fabricantes de automóveis alemães são agora demasiado pouco competitivos. Não conseguem vender os seus automóveis de forma lucrativa a civis na Alemanha ou no estrangeiro. Por isso, exigem que o Estado alemão compre os tanques de guerra que a Rheinmetall vai fabricar nas linhas de produção desactivadas da Volkswagen. Para que o Estado pague por isso, foi necessário contornar o travão constitucional dos défices públicos. Sempre ansiosos por servir os seus patrões do grande capital, os partidos dos governos centristas vigentes foram mobilizados para introduzir esta cínica alteração constitucional, que anula o compromisso alemão do pós-guerra com a paz e o desarmamento.

Para alterar a Constituição, os partidos centristas precisavam de uma maioria de dois terços em ambas as câmaras do parlamento federal alemão: a câmara baixa, o Bundestag, mas também a câmara alta, o Bundesrat, onde cada Estado é representado pela sua dimensão e através do governo de coligação do Estado que o dirige. Embora os partidos centristas tenham assegurado a sua maioria de dois terços no Bundestag cessante, enfrentaram um grave problema no Bundesrat. O Die Linke, o “partido de esquerda”, que felicitámos pelo seu bom resultado eleitoral recente, teve a oportunidade de fazer com que os governos estaduais de que fazia parte (como parte de uma coligação a nível estadual) se abstivessem na votação do Bundesrat. Isso teria bloqueado a alteração constitucional e teria desferido um golpe mortal no regresso insidioso do keynesianismo militar. Infelizmente, a direcção do Die Linke optou por não usar o seu poder, o seu voto no Bundesrat, para o fazer. Em suma, juntaram-se aos centristas radicais belicistas na sua loucura perigosa e extremamente dispendiosa do rearmamento.

Os eleitores do Die Linke estão, com razão, enfurecidos, e alguns deles apelam mesmo ao desmantelamento das coligações estatais em que o partido participa e à expulsão dos funcionários do partido nelas envolvidos. O facto de o Die Linke não se ter levantado contra o genocídio na Palestina e o subsequente tratamento totalitário dado pelo Estado alemão aos que protestavam contra o genocídio já manchou o Die Linke aos olhos dos progressistas, não só na Alemanha, mas também fora dela.

Nada destrói mais eficazmente a posição ética de um partido político de esquerda do que uma direcção demasiado desejosa de ser “aceite” por um centro radicalizado que se aproxima constantemente da ultradireita xenófoba e belicista.

Já foi suficientemente terrível o facto de os dirigentes do Die Linke sentirem a necessidade de fechar os olhos ao projecto genocida de apartheid de Israel. Agora, esta semana, deram o passo seguinte para o esquecimento político: utilizaram os seus votos no Bundesrat para consagrar, pela primeira vez desde 1945, o keynesianismo militar na Constituição alemã.

Boa noite, Die Linke. E boa sorte.

Fonte aqui

3 pensamentos sobre “Adeus, LINKE!

  1. Sim, em todo o lado a esquerda “enguia” se tenta mostrar “normal”.
    Mas o Bloco já nos habituou a isso desde o apoio a destruição da Libia, a sua recusa em criticar as sanções assassinas contra a Venezuela, a sua condenação total do Governo sírio sem uma palavra contra o facto de o Ocidente andar a armar corta cabeças e, mais recentemente, as romarias a Kiev e o alinhar total na diabolizacao da Rússia e de Putin.
    E se condena o genocidio em Gaza não deixa de referir o “brutal ataque do Hamas” como quem dá a entender que sem isso Israel não seria o estado homicida que e.
    Como se antes disso não houvesse limpeza étnica na Cisjordânia e não estivessem a tornar a vida na Faixa de Gaza impossível.
    Mesmo assim não pensava que estas enguias descessem a este ponto até ler as declarações da Mortágua.
    Que grande cambada.
    Espero que quem realmente for de esquerda não se deixe enganar por tal gente nas próximas eleições.
    Se não conseguem votar naqueles que comem criancinhas ao pequeno almoço o melhor e ficarem em casa a ver televisão.

  2. – “Faz sentido [aumentar os gastos na defesa], tendo em conta que a NATO demonstrou a sua verdadeira natureza, que é uma organização que servia os interesses dos EUA e os interesses geopolíticos dos EUA, faz sentido que a União Europeia encontre formas de coordenar os seus investimentos e reprogramar esses investimentos para não haver nenhuma dependência de um país que tem os seus objectivos políticos e que está a mostrá-los a todo o mundo para quem quiser ver.”

    Mariana Mortágua, NOW

    3 de Abril de 2025

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