Desculpem-me insistir

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 01/12/2023)


Talvez pudéssemos mesmo encenar uma peça de teatro sobre esta história, chamada “Os Salvados do 7 de Novembro”, tendo como protagonistas principais Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro e André Ventura.


Desculpem-me insistir nisto, mas isto é o essencial: é o Estado de direito, o fundamento da democracia. Começa nas fronteiras de um país, onde a forma como as autoridades nos tratam dizem logo ao que vamos. E continua depois na forma como a Justiça do país nos trata a todos, nacionais ou não nacionais. À polícia e às Forças Armadas concedemos o direito de andarem armados para defenderem a nossa segurança, a nossa soberania e a nossa Constituição. À Justiça e aos seus magistrados concedemos o poder de decidirem sobre os nossos deveres e a nossa liberdade para resolverem os nossos conflitos e garantirem os nossos direitos. No dia em que cada uma destas entidades, como cada um dos poderes institucionais, não for controlada por outro ou por ninguém — no dia em que um só dos poderes estiver fora de controlo —, não tenham dúvidas de que o Estado de direito e a democracia estão ameaçados. Entre nós só há um poder que, na lei e na prática, ninguém controla a não ser ele mesmo: o Ministério Público (MP).

Há democracias onde o MP é controlado directamente pelo Governo, através do ministro da Justiça, com o fundamento teórico de que, não sendo assim, não pode haver uma política de justiça assumida pelo Governo. Há países onde o MP é controlado pelos eleitores, que elegem regularmente os procuradores em função do seu histórico no desempenho da função. E há países onde o MP é controlado hierarquicamente dentro da estrutura, no topo da qual está alguém que responde ou perante o Governo ou perante o Parlamento. Mas nós somos um caso original e de “sucesso”: os nossos procuradores, além de serem independentes e irresponsáveis pelas suas decisões ou não decisões, são ainda inamovíveis e hierarquicamente autónomos, podendo apenas e em casos extremos ser disciplinarmente responsabilizados perante um Conselho Superior onde, ao contrário do que sucede com os juízes, os seus pares estão em maioria. Nenhum outro órgão de soberania, nenhuma outra actividade de serviço público, nenhuma outra profissão goza entre nós de semelhante estatuto de impunidade funcional. Os políticos têm medo de a contestar, os ignorantes acham que pô-la em causa equivale a defender a corrupção e os “poderosos”, os jornalistas apressados não querem perder as suas notícias e os populistas alimentam-se disto como de pão para a boca. Mas aqueles que sabem do que falo têm razões para não dormirem descansados: “Primeiro, vieram buscar o meu vizinho…”

O caso Casa Pia deveria ter sido um toque a rebate sobre o funcionamento do MP. Quando ficámos a saber que na investigação do processo andavam a mostrar aos miúdos traumatizados um catálogo com 30 fotografias de figuras públicas, do cardeal-patriarca a Mário Soares, escolhidas ao gosto aleatório ou não de um qualquer procurador (e onde, obviamente, não constava o retrato de nenhum magistrado), para ver se eles, confundindo figuras conhecidas dos ecrãs com figuras dos seus abusos, identificavam “suspeitos”, e nada aconteceu a estes “investigadores” e aos seus superiores, a partir daí ficou aberta a porta à intimidação processual. Que se seguiu, por diversas vezes e sempre impunemente, arrasando reputações, carreiras e vidas pessoais, afastando do serviço público gente de valor para o país, compreensivelmente aterrorizada pela madrasta justiceira do DCIAP de Lisboa. Até chegarmos ao 7 de Novembro e à escolha política que nos resta depois do raide da PGR e do MP: os salvados do incêndio, a mediocridade partidária e populista. E querem que não falemos disso, que nos conformemos, que “deixemos a Justiça seguir o seu curso”? Mas qual curso? Qual Justiça?

Entendamo-nos: não convém confundir a percepção popular da corrupção existente (que é o que aparece nos índices oficiais como o nível de corrupção de cada país) com a verdadeira corrupção existente. E também não convém confundir o crime de corrupção com todo o tipo de crime económico, fazendo do direito penal uma extensão do “direito de café”. Dito o que é evidente que temos problemas criminais deste tipo, não sei se mais ou menos abundantes do que outros, mas a todos os níveis da sociedade onde existem seres humanos permeáveis ao desejo de enriquecer rapidamente e de qualquer forma, de saltarem por cima das leis e de obterem tratamentos de favor: militares que roubam nas cantinas ou na compra de armas, médicos que aldrabam receitas, autarcas que adjudicam empreitadas à margem da lei, laboratórios contratados pelo Estado que simulam análises, consulados que vendem documentos a traficantes de droga, etc. Não há pano de linho nem peça de seda que não possa ser manchada com as mais abjectas nódoas. E todos os dias, felizmente, o MP persegue, investiga e leva a julgamento os que consegue. Mas esta criminalidade inorgânica e abstracta, que anda algures por aí, sem rostos apetecíveis para os cafés e tablóides, não seduz nem sacia o desejo de justiça popular da sociedade — que, não raras vezes até, desculpabiliza-a, vendo nela uma tentativa falhada de os “pobres” ascenderem ao mundo dos “ricos”. Eles querem verdadeiro sangue, o sangue dos “poderosos”, que são sobretudo “os políticos” — os do Governo da nação, bem entendido, porque os outros, os dos governos locais, muitas vezes são seus familiares, amigos, conhecidos, próximos, da terra. E o problema está quando este desejo de justiça popular encontra na organização do MP um departamento central de investigação, o DCIAP, que, sob a capa de chamar a si os casos mais complicados, acabou por assumir com o tempo a vocação de investigar “poderosos” e gente “mediática”, desde logo dando a ideia de que há casos e casos e, afinal, nem todos devem ser tratados por igual.

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Peguemos no caso MP vs. António Costa, que finalmente mereceu uma curta explicação da procuradora-geral da República, Lucília Gago. Na esteira dos argumentos que lhe foram sugeridos pelo sindicato dos magistrados do Ministério Público, “esclareceu” ela que “havendo notícia de um crime”, o MP é “obrigado por lei a abrir um inquérito” e, depois, por um “dever de transparência”, a dar-lhe publicidade. Nenhuma das razões colhe. Primeiro, não havia notícia de qualquer crime contra António Costa. O facto de em duas ou três escutas telefónicas os intervenientes dizerem que queriam falar com o primeiro-ministro ou que iriam falar com ele não indicia: a) que o tenham feito; b) que o primeiro-ministro os tenha ouvido e concordado com a sua pretensão; e c) que esta fosse ilegítima ou criminosa. Pelo que não havia razão alguma para a abertura de um inquérito à actuação do primeiro-ministro; quanto muito, o MP prosseguiria a investigação em relação aos restantes suspeitos e se, no decurso desta, surgissem indícios sérios contra o primeiro-ministro, então, sim, abriria o tal inquérito. Mas mesmo que tenha entendido o contrário, nada, nenhum “dever de transparência”, obrigava o MP a tornar isso público: todos os dias o MP recebe dezenas de participações criminais e abre inquéritos contra denunciados ou suspeitos sem que, até por razões de eficácia, vá participar ao denunciado, particular ou publicamente, que está a investigá-lo. É óbvio e indesmentível que quando Lucília Gago escreve o tal “parágrafo assassino” sabia ao que ia. E, se não sabia, é porque não entende português — o que é muito grave nas funções que desempenha.

Durante toda a semana assisti a um impressionante blitz de defensores da PGR e da actuação do MP, insistindo, nomeadamente, que António Costa não se demitiu por causa do tal parágrafo, mas de tudo o resto: as suspeitas sobre o seu chefe de gabinete, o “melhor amigo”, dois ministros, os €75 mil no gabinete de Vítor Escária. Concedo que muito provavelmente ele demitir-se-ia depois de saber tudo isso. O problema é que demitiu-se não depois mas antes de saber tudo isso: o comunicado da PGR é ao meio-dia, Costa demite-se às 13h, o gabinete de Escária só é buscado da parte da tarde e os fundamentos das suspeitas do MP sobre os implicados só são conhecidos ao final do dia, já as agências de notícias internacionais titulavam: “PM de Portugal demite-se sob suspeitas de corrupção”. O resto da história conhecemo-lo. Talvez pudéssemos mesmo encenar uma peça de teatro sobre ela, chamada “Os Salvados do 7 de Novembro”, tendo como protagonistas principais Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro e André Ventura.

Há dias, numa entrevista televisiva, a ex-directora do DCIAP, Cândida Almeida, queixava-se das “pressões” que se fazem sobre o MP, entendendo como pressões, e abusivas, as críticas feitas à sua actuação, neste ou noutros casos. E falava, condoída, da “amargura” que tais pressões traziam à “vida pessoal, familiar e profissional” dos procuradores do MP. Fiquei a pensar se ela seria capaz de imaginar a amargura do outro lado. Por exemplo, do lado do presidente da Câmara de Sines, acordado em casa às 7h da manhã, junto da família, com a casa vasculhada como um vulgar criminoso e logo, presumo, como é da praxe, espoliado do computador e telemóvel pessoal, depois transportado ao seu gabinete de trabalho na Câmara, onde as buscas prosseguiram à vista dos funcionários que chefia e dos munícipes que o elegeram, e daí transportado para os calabouços da PSP em Lisboa, onde — ao abrigo de uma interpretação, essa sim abusiva, da norma processual — permaneceu seis dias e seis noites em silêncio e isolamento, enquanto cá fora o seu estatuto público passou a ser o de um corrupto, até finalmente ser ouvido por um juiz que o mandou libertar, sem qualquer medida de coação, pois que nada, absolutamente nada, viu nos autos que justificasse tudo aquilo por que ele passara. Consegue imaginar, senhora procuradora? É disso que deveríamos falar.

2 Ao longo dos anos assisti a muitas cambalhotas políticas, que levei à conta da inerência da própria actividade. Mas algumas espantam mais do que outras e às vezes quase que doem, como é o caso do apoio à candidatura de Pedro Nuno Santos por parte de Álvaro Beleza e Francisco Assis, dois socialistas cuja lucidez e sensatez em nada se podem rever nas apregoadas qualidades do seu apoiado candidato. Sentindo-se justamente interpelado na sua coerência, Francisco Assis tem-se desdobrado em explicações, mas debalde: cada uma é mais incompreensível e contraditória do que a outra. E para quem também recusa aceitar a tese de um simples trade-off negociado à mesa de um restaurante, resta a única explicação lógica: que a vida partidária está cheia de intimidades não frequentáveis.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

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8 pensamentos sobre “Desculpem-me insistir

  1. O país globalmente está em declínio, os serviços públicos estão a desmoronar-se, o sistema de saúde e educação está em colapso, a classe média está a desmoronar-se
    É curioso o que está a acontecer em Portugal neste momento.

    Eu já estava preocupado com o futuro político Português,mas parece que estamos num final de um ciclo, o capitalismo escolhe sempre a reação, o conservadorismo. É um mundo triste .

    A palavra “sistema”, precisa de ser definida, porque não é clara para toda a gente. Isso é normal, uma vez que o sistema, no sentido de “democracia de tipo ocidental”, é um encontro contraditório entre um mercado selvagem e um Estado social, com equilíbrios variáveis e flutuantes. Para alguns, em particular para a direita, este tipo de personagem não é antissistema, mas encarna-o completamente, uma vez que é a favor de um desequilíbrio flagrante a favor do mercado e, portanto, do seu campo. A visão de um sistema em que o Estado não é nada e o sector privado faz tudo. Mas quanto mais à esquerda , mais antissistema se fica, pelas razões opostas. É uma alegoria muito irónica ver um esquizofrénico acabar à frente de uma democracia, na tentativa de resolver os paradoxos desta eterna guerra entre individualismo e coletividade.

    Se, por outro lado, limitarmos a definição de “sistema” ao capitalismo, então a questão nem se coloca.Como qualquer político de direita, extremo ou não.

    O nosso sistema não é “produtivista”, é destrutivista… O capital esgota as suas duas fontes, a Natureza e o Trabalho.

    Dito isto
    que uma causa inevitável deste problema, é a perda de confiança do eleitorado,
    que foi alimentado com uma dieta de promessas não cumpridas,
    e que, depois de terem jogado e repetido uma falsa “alternância democrática
    e de se ter apercebido de que, seja qual for a sua escolha, a
    de direita
    ou de esquerda,
    então “nem direita nem esquerda…”,
    a política continua a ser a mesma:
    desmantelamento dos serviços públicos,
    desmantelamento , dos hospitais públicos, etc.
    isenções fiscais para as empresas…

    O resultado é que os pobres e as classes médias estão a ser empurrados para a pobreza.
    Tudo isto apoiado por uma comunicação social insuportavelmente subserviente…
    E apesar dos protestos da opinião pública, estas políticas continuam a ser aplicadas,

    Em 20 anos, os nossos orgulhosos políticos aumentaram a nossa dívida publica,
    comprometeram o futuro energético do país,
    destruíram ou venderam os nossos activos industriais…

    Pessoalmente, vejo o caos a chegar a todo o lado, vamos passar por muitas recessões nas próximos anos… É óbvio, que Portugal está morto !!!
    A inflação real não é de 5%, é à volta de 20 %,se não for mais!

    É evidente que a loucura continua a espalhar-se …

    De quem é a culpa? Dos nossos políticos, que jogam com os extremos para fins políticos. Não nos deveríamos surpreender. Acrescente-se a isso a impotência dos nossos dirigentes, que não conseguem ver para além do seu mandato. Assim, é impossível pensar/construir a longo prazo para as pessoas… chegaremos lá com os extremas , mas eles não farão melhor porque fazem parte do sistema, mas enquanto não nos apercebermos disso, a dinâmica manter-se-á tal como a vemos. Não esqueçamos que a nossa sociedade actual raramente é de ação, mas sim de reação!

    Penso que os políticos não compreenderam o problema, é que são os decisores económicos que decidem, e o seu único interesse é o seu resultado final, não o futuro do país.

  2. “Os políticos” assim, “os políticos” assado, vade retro, Satanás! Não demorou muito, a “bendita” ferradura, fatal como o destino!

  3. O que eu acho mais engraçado nos que são porrada nos políticos é que nunca dizem como queriam que um país, não só o nosso mas qualquer outro, fosse gerido se não houvesse políticos. Será que queriam um Rei absoluto tal como defendia o filósofo inglês “Hobbes” no seu “Leviata”? Talvez.
    Não me parece que o ex comentador televisivo tenha o perfil indicado.
    Depois o nosso país tem efectivamente muitos problemas mas colapso e outra coisa. Em colapso está a infra estrutura da Faixa de Gaza e, em menor grau, da Cisjordânia, isso sim é colapso. O resto podemos resolver sem necessidade de nenhum Salvador da pátria.
    Mas efectivamente culpar os políticos, pondo tudo no mesmo saco, e estratagema até de alguns que não fizeram outra coisa na vida se não ser políticos. Um certo secretario de estado responsável por uma publicidade que afiançava que beijar uma mulher que fuma e como lamber um cinzeiro fartavasse de falar mal dos políticos sem ter feito outra coisa após terminar o curso se não justamente ser político.
    O problema é que este mantra repetido nas mesas do café pode levar a uma boa votação no tal e comentador televisivo que faz campanha contra políticos e ciganos.
    O que nos pode levar a termos novamente um governo que nos deixe bem mais perto do tal colapso de que se fala. Ou alguém acha que isto estava melhor quando a dupla Coelho/Portas teve de largar o osso? Se eles lá tivessem continuado ainda o ordenado mínimo andaria nos 485 euros. Se para lá voltar dupla semelhante, com o apoio do tal antigo comentador que dá voz a quem a mesa do café fala mal dos políticos e capaz do dito ordenado que muita gente ganha descer aí para 600 paus. Aconteceu na Grécia nos anos da troika. Alguém acha que não pode acontecer aqui?
    Por isso no dia 10 de Março tenham cuidado com o que desejam. Pensem. Porque isto pode correr tudo muito mal. E não, não é só para politicos e beneficiários do Rendimento Mínimo. É para todos nós.

    • Pois é meus amigos,a democracia é isto…Seja como for o problema do país está na sua arquitectura política, jurídica,como o sistema eleitoral.

      Todos os partidos que ganham as eleições e candidatos à presidência da républica que ganham as eleições são mal eleitos,chegam aos 4 milhões de votos,ou menos.

      Um país onde um representante político é eleito por um em cada seis cidadãos e que se permite uma política autoritária (quase despótica e ditatorial), desprezando o povo, restringindo as liberdades, suprimindo ou corrompendo todos os controlos e equilíbrios! Onde está a legitimidade ?

      Somos a causa colectiva deste colapso.
      A nível individual, ainda temos pessoas competentes e com vastos conhecimentos, o que é uma bênção!
      São eles que mantêm o sistema de pé. Uma luz aqui e ali num oceano de escuridão!

      Quanta incompetência nos rodeia a nível coletivo?

      Soluções existe muitas a começar por mudar o modelo que dizem ser democrático a começar pelo método d’hondt,mas isso significa a perda de muitos “empregos” políticos,e a respectiva perda de poder..

      Claro que ninguém está interessado em mudar de sistema político no qual as regalias são pornográficas em relação ao povo trabalhador.

      Em relação ao SNS,claro que colapsou,faliu,e isso é colapso..

      “Colapso” sugere que o sistema está a desmoronar-se por si próprio (como a 3ª torre do WSC)…

      Mas toda a gente sabe que eles minaram tudo o que funcionava muito bem a partir dos anos 80 !

      Qual é o futuro de uma sociedade que negligencia a saúde e a educação? Todos nós vemos o resultado, mas nenhuma solução para um futuro melhor :-(.
      Por vezes, gosto de voltar a colocar a igreja no meio da aldeia:
      Se não houvesse pobres, não haveria ricos :-).
      Os pobres são apenas uma variável ajustável!
      Estes dois extremos são os pilares da nossa sociedade, mas todos nós podemos ver os seus limites intelectuais .

      O nosso sistema é Ponzi.Outros esquemas Ponzi: segurança social, pensões , dinheiro, etc..

      “O Ponzi” não só foi o motor desta enorme burla, que contamina o cérebro do sistema que se julga invulnerável, intocável, como se fosse levado pelo Destino ….

      Vivemos num mundo onde o trabalho, o verdadeiro trabalho, só é feito por uma pequena parte da população, e todos os outros vivem desse trabalho, bem como da pilhagem (através da dívida), mas isso está prestes a acabar com os BRICS. O futuro não é risonho, porque podemos ver o fim do esquema Ponzi, o momento em que se desmorona, quando o mar recua e nos apercebemos de que todos estão nus.

      Um dos maiores esquemas Ponzi é o nosso sistema de pensões. Um trabalhador não contribui com um único euro para a sua reforma durante a sua vida. São os trabalhadores que contribuem e pagam para aqueles que se reformam. E quando ele se reformar, são os activos que vão pagar a sua pensão… se e só se o sistema ainda for viável! São os activos que pagam os reformados. Enquanto houver mais activos do que reformados, o sistema funciona. No dia em que houver mais reformados do que activos, o sistema explode, mesmo que tenhamos de trabalhar até aos 90 anos ou muito mais.

      E ninguém fala deste esquema Ponzi. Temos de encontrar soluções reais fora do sistema.

      Duas reflexões:
      Merecemos os nossos eleitos.
      Não estamos em “democracia”, mas em “bem-estar gerido”.

      Temos urgentemente de aceitar o facto de que nos próximos anos acabaram por tempo indeterminado. Entre a escassez de matérias-primas e de produtos chineses, o governo que continua a aplicar uma política liberal (pensões) e a sua reação – bem como a da maioria dos comentadores -, vejo que estamos longe disso.

      Entre a necessidade absoluta de uma revolução energética e o mundo caótico que emergiu nos últimos três anos, depois de anos de avisos prévios, a nossa humanidade que dizem democrática não está claramente preparada.

      Ainda se está a preparar para um futuro brilhante.

      PS:Vejo isto de forma um visionária,independentemente de estarem de acordo ou não.

  4. Está tudo muito certo mas a alternativa qual é? Privatizar de vez tudo? Ter direito a tratamento médico com base num seguro pago pela empresa e quem tiver uma coisa mesmo grave despedido, perde o direito ao seguros e morre? Ter seguradoras a pagar as reformas e depois se a seguradora falir ficamos a arder? É que é isso que propõem os nossos amigos que falam mal dos políticos.
    Por isso é que eu digo que pensem bem o que querem fazer da vidinha no dia 10.
    E descansem que se a dupla Montenegro/copinho de leite se lá sentar à boleia do ex comentador do Benfica ninguém se vai esganicar.
    Em primeiro lugar porque isso faz mal a saúde e sem SNS nenhum então é que o pessoal vai ver como elas mordem. Por isso convém manter a saúde e as irritacoes não são nada boas.
    Em segundo lugar porque as voltas a cabeça que vai ser preciso dar para viver com ordenados nominais cortados ou congelados não vai dar tempo para ninguém se esganicar.
    Vamos todos voltar a igreja da aldeia, os mais ricos darão 10 cêntimos de esmola aos pobres que estarão a porta e todos viveremos bucólicamente até morrermos para aí aos 50 anos para nao haver problemas com as reformas. Sem fazer barulho.

  5. O que eu acho espantoso é que pessoas, em princípio cultas e instruídas, continuem a falar nos políticos, a culpar os políticos por isto e por aquilo, como se estes fossem os maus da fita.
    Esquecem completamente que os políticos, os que estão no governo ou na calha para la chegar, não são mais do que a guarda avançada da elite capitalista que é quem realmente detém as alavancas do poder; nos nossos dias essa elite é a financeira, já nem é a diretamente ligada à produção de bens necessários à preservação da vida.
    Quer dizer, a maioria das pessoas, mesmo das mais esclarecidas, parece que não conhece marxismo nem materialismo histórico e não percebe que a política é a superestrutura cuja infraestrutura é o sistema económico, e este, em que continuamos a viver, é capitalista, no qual quem manda na dança é a elite capitalista que prudentemente prefere comandar os bonifrates a partir dos bastidores.
    Esqueçam os políticos, que, com poucas e insignificantes exceções, dançam conforme voz do dono. Concentrem-se no sistema económico que nos governa e percebam de uma vez por todas que quem manda em nós não são os políticos, estes são uma espécie de capatazes que cumprem as ordens do patrão.
    É isto a democracia liberal: um sistema político que serve os interesses do capitalismo; foi para isso que ela surgiu, nos idos dos séculos XVIII e XIX, já se esqueceram? E surgiu para esconder, sobe o formalismo vazio dos princípios, os verdadeiros interesses económicos daqueles que se estão nas tintas para esses princípios e que so agitam essas bandeiras quando lhes convém para tratar outros de ditadores e de autocratas.

  6. De acordo com a Adília mesquita.

    “Vivemos num mundo onde os que ganham 100.000 euros por mês convencem os que ganham 1.800 euros que tudo está a correr mal por causa dos que vivem com 535 euros. E funciona…” – Félix Lobo

    Num mundo caracterizado por economias de troca maciça (não somos colonos que aterram em terra virgem e se limitam a desenvolver a terra disponível para todos…), é EVIDENTE que a riqueza de uns deriva do trabalho e do dinheiro de outros.

    Excepto … há uma diferença entre “rico” e “abastado” …
    – Quando não se paga a mesma percentagem de impostos… não se está a roubar?
    – Quando se financia carreiras políticas na esperança de um retorno do investimento… não se está a roubar?
    – Quando destroem a concorrência (aquisições graças a condições de empréstimo que mais ninguém consegue obter… não estão a roubar?
    – Quando se cria valor através do trabalho dos trabalhadores que não recebem uma parte justa… não se está a roubar?

    – Quando as leis, os regulamentos e a justiça significam que algumas pessoas têm mais poder do que outras… isso é justo?
    Sim, há um problema com a elite capitalista …

    O que está a arruinar o nosso país são os mesmos (elite capitalistas) que não pagam as suas quotas à sociedade.
    Esta elite só existe porque os outros estão a trabalhar, não, eles não criam nada, nem sequer empregos, porque passam o tempo todo a reduzir o tamanho das empresas para obter maior rentabilidade.

    Esta elite capitalista só pensam em “dinheiro”. Todo o seu discurso falsamente social sobre “criar riqueza e emprego” não passa de um disfarce para a sua ganância. Na primeira oportunidade, “reduzem o tamanho”, colocam no comando dos países aqueles que os favorecem, deixando de lado a opinião dos povos. São eles os culpados , os bancos, cofres e cúmplices dos ricos, desprezam os “pequenos” que querem trabalhar, por vários meios: especulação, nomeadamente sobre a energia, e recusa de empréstimos segundo critérios supostamente racionais.

    O problema não é o capitalismo em si, que, por definição, é a utilização do capital (meios de produção de todos os tipos) para fabricar e criar coisas novas, materiais ou não.

    É antes a modificação das regras do jogo a favor de alguns, que faz da “concorrência livre e sem distorções” uma invenção da imaginação.

    O verdadeiro capitalismo implica várias coisas que não existem:
    As mesmas regras para todos .

    Como também me interesso muito pelo trabalho, pela economia e pelas ideias marxistas em geral, ou seja, que no período pré-guerra na Europa, no alvorecer da ameaça crescente da consciência de classe dos proletários em relação aos capitalistas, estes últimos salvaram a pele criando o advento da classe média. Esta nova maioria, ainda constituída por proletários sem meios de produção reais, materialmente bem de vida, divertida, satisfeita e dócil, encantada pela sua capacidade de comprar aquilo a que Marx chamou “a artilharia pesada do capitalismo”, ou seja, a mercado.

    A casa o carro,as férias , a televisão para ver os programas engraçados, a máquina de lavar roupa para que a mulher tenha mais tempo para ir comprar o vestido da moda, entregue diretamente à porta. Eis, portanto, a classe capitalista que ganhou um pouco mais de tempo antes da revolução, quase certa na altura, ao criar esta classe média (nomeadamente através do crédito…) que pode agora contentar-se com a sua servidão e continuar a produzir capital-lucro em que nunca tocará, desde que possa usufruir de todo o seu equipamento quando não está a vender a sua força de trabalho. Neste sentido, os ricos tinham ganho, mas não por muito tempo… Hoje, uma nova actriz entra em cena na nossa consciência.

    E, desta vez, pode muito bem vir a representar o acto final do capitalismo (e não está aqui para nos fazer rir. Se não for por uma revolução baseada na consciência de classe, o capitalismo matar-se-á a si próprio por uma implosão da sua reserva de recursos, da qual se terá alimentado incessantemente até ao fim. Não basta que não existam recursos (porque haverá sempre alguns, aqui e ali, algures), mas basta que estejam suficientemente dispersos ou raros para obrigar a uma paragem do crescimento devido à dificuldade de acesso, colocando assim uma limitação física logisticamente intransponível a qualquer empresa e ao seu volume de produção sob a “lei” do mercado. Nessa altura, é o fim do lucro e, portanto, por definição, o fim do capitalismo.

    O capitalismo atual não tem nada em comum com o capitalismo de Marx.
    É evidente que, apesar das numerosas revoluções na Europa e no mundo, “o capitalismo não morreu”.
    Marx limitou-se a transferir a propriedade do capital de mãos privadas para as mãos do Estado.
    E, portanto, para as mãos do partido único e dos seus funcionários públicos servis (e muito interessados)…
    Nada mudou: os funcionários públicos (centrais) continuam do lado do Poder.
    Para não chocar ninguém, devo especificar: funcionários públicos do Poder Central.

    E, uma vez que sou tão apaixonado por estas questões (é óbvio), vou dar uma ideia.
    O capitalismo de hoje é muito mais fácil de combater do que o capitalismo de ontem.
    Por outro lado, como Marx explicou tão bem, a consciência política, económica, mediática e social está ainda na sua infância.
    As pessoas deixam-se manipular.
    E isto não é nada de novo: Aristófanes (400 a.C.) chamava ao seu público “montes de gordura” (as pessoas riam um riso gordo).
    Em conclusão, não estou muito optimista quanto ao desfecho da nossa Sociedade, nem mesmo quanto ao desfecho da nossa Civilização, mas não podemos desistir da luta.

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