As infeções malditas

(António Guerreiro, in Público, 27/05/2022)

António Guerreiro

A palavra “zoonose” era até há pouco tempo apenas conhecida e utilizada em meios científicos muito restritos, da biologia e da medicina, para designar doenças infecciosas que resultam da transmissão ao homem de um agente patogénico que estava alojado numa determinada espécie animal. Com a identificação do novo coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela doença covid -19, a zoonose entrou na linguagem profana.

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Hoje, quase toda a gente sabe que a actual pandemia tem uma origem dita “zoonótica”: um morcego teria iniciado a cadeia de transmissão no mercado da cidade chinesa de Wuhan. Vírus, micróbios, animais e humanos, conectados numa mesma cadeia, até parece uma revolução microbiológica em curso. Deu-se então a ocasião conveniente para explicações necessárias, baseadas em conhecimento científico, sobre o aumento da probabilidade de ocorrerem muitas outras zoonoses: as transformações antrópicas, tais como a desflorestação, a urbanização sob a forma das megápolis e as mudanças climáticas aproximaram os humanos dos morcegos, dos primatas, das espécies até há pouco quase desconhecidas, das aves selvagens. Por outro lado, a criação industrial de animais para a alimentação amplificou os elementos patogénicos.

Em suma: aceleram-se as condições para que tenhamos de nos confrontar com uma natureza bioterrorista. Chamemos-lhe assim, com todo o desdém pelo imaginário apocalíptico das profecias das pandemias e pelas teses de uma vingança da natureza.

Estávamos ainda imersos no universo pandémico sob o signo do morcego chinês, e eis que entra em cena o macaco. Ele é a origem da última ameaça infecciosa sobre a qual ainda se conhece muito pouco, mas da qual já muito se fala (a “infodemia” também é uma doença do nosso tempo) e já fez tocar alarmes em muitos países: a varíola-dos-macacos passou para os humanos. As primeiras notícias, e até algumas declarações de entidades responsáveis, reacenderam uma “história” já bem conhecida desde os primeiros tempos da sida: os primeiros casos desta doença, detectados em 1981, nos Estados Unidos, pareciam seleccionar as vítimas em função da orientação sexual. Os homossexuais surgiam como os portadores exclusivos do vírus, de tal modo que até se falou publicamente – e com grande alarido – de um “cancro gay”. Escusado é lembrar o que isto contribuiu para estigmatizar um grupo de pessoas definidas pela sua orientação sexual e para associar a doença a comportamentos transgressivos, considerados dignos de punição. Introduzindo o riso soberano onde crescia a tragédia, Michel Foucault, que viria a morrer de sida em 1985, fez esta declaração, numa entrevista, quando a sida ainda era o “cancro gay”: “Um cancro que afectasse unicamente os homossexuais, não, seria muito belo para ser verdade, é de morrer a rir”.

Parece que há novamente boas razões para morrer de riso perante as primeiras notícias sobre a varíola-dos-macacos. É verdade que a pouco e pouco o discurso começou a ser corrigido e, seguindo a grande lição da propagação do vírus da sida, já se começou a adoptar a expressão “comportamentos de risco”. Mas como esses comportamentos são, segundo é dito, de carácter sexual, o pudor e a contenção em nomeá-los é imenso. De maneira que parecemos navegar novamente em informações pouco claras, em discursos reservados que não percebemos bem se se devem ao desconhecimento sobre os modos de propagação da doença ou ao novo puritanismo em que mergulhámos desde há bastante tempo.

Mas tudo se encaminha para que estejamos novamente confrontados com uma doença onde se investe uma grande força simbólica (ou, se quisermos, poderosas significações metafóricas). Já se vislumbram algumas construções retóricas e formações ideológicas de mau agoiro. A sida, da qual já andávamos tão esquecidos, talvez de maneira imprudente, pôde ser vista, nalguns momentos mais enfáticos e mais negros da sua história, como uma espécie de paradigma da situação social, económica e política contemporânea. Ela entrou na circulação da nossa linguagem (aquela em que os sistemas imunitários estão na ordem do dia e têm um enorme poder de evocação) e na nossa imaginação como uma metáfora que concentra o sentido da nossa época.

Veja-se o que está a acontecer agora com a varíola-dos-macacos transmitida aos humanos: o imaginário punitivo dos comportamentos sexuais está a ganhar preponderância sobre a origem zoonótica da doença. Sodoma e Gomorra será sempre uma narrativa bíblica mais sedutora do que o Apocalipse.



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Um pensamento sobre “As infeções malditas

  1. Apesar da minha empatia pelos mortos e suas famílias, o coronavírus é um grande par de óculos para as pessoas verem o peso do sistema de consumo da China e o que importamos para ele…

    Desde o principio associei esta pandemia ao fim,ou ao pico do Petróleo convencional de 2007,e de todo o petróleo em 2018,de forma acelarar a descarbonização e o fim do consumo.

    (PS:Para falar do fim do petróleo estou muito à vontade.)

    A COVID está a ser utilizada como “cortina de fumo” para esconder a realidade do povo:

    Está em curso um crash financeiro!

    É por isso que a gestão é tão … global! Portanto … coordenado entre estados!

    O controlo social permitir-lhes-á recuperar o controlo das pessoas e ter uma espécie de caos “controlado”.

    É uma aposta da sua parte.

    Graças à invenção das variantes do frio, vai ser terrível, na verdade, digo-vos homens de pouca fé arrependem-se porque a segunda reposição a menos de zero do que resta da economia chega e terão de a pagar com novos impostos sobre o imposto sucessório sobre o imposto do imposto e de acabar com mais propriedade, a propriedade é má, a família é má, a nação é má, o CO2 é mau (mas compensa), o ser humano é mau e nós somos um deles.

    Na Idade Média, apenas pessoas doentes eram isoladas, pelo que pessoas saudáveis podiam circular livremente: hoje, todos estão sujeitos a um regime que limita a liberdade de circulação, ou seja, o confinamento e encerramento de empresas “consideradas não essenciais” pelos nossos amigos americanos (Bill Gates’ WHO).
    Esta é uma ditadura à escala global que não tem nada a ver com a Idade Média!

    “Não sabemos exactamente com o que estamos a lidar com este omicron mas vacinem, vacinem, vacinem! “Tudo isto é totalmente absurdo, todas estas pessoas não são sérias, não é possível de outra forma. Não estão a confundir a Omicron com outra patologia??

    Haverá mais variantes, haverá mais altos e baixos nos índices bolsistas, haverá mais crises.
    Já não estamos no controlo, o caos está à nossa frente. A má sorte espera-nos, é tudo, não há outra solução senão esperar..

    Havia gripe, com uma vacina que já era um esquema, porque todos os anos a estirpe era diferente, pelo que era necessária uma nova.
    Se tivéssemos dado um nome a cada variante da gripe teríamos esgotado todos os alfabetos há muito tempo.
    As mortes por gripe foram contadas, mas o contador não foi mostrado nas notícias.
    Ninguém se preocupou.

    Tinha de ser encontrada uma solução.

    Eureka!

    Tomamos a gripe, mudamos o seu nome, colocamos o número de mortes nas notícias, nomeamos as variantes, e podemos experimentar os nossos novos produtos na população.

    Os vacinados fizeram uma assinatura vitalícia (que não deve durar muito mais tempo, a propósito).

    Após os milhões de mortes da variante Delta, os milhares de milhões de mortes da variante Omicron, tremam!

    Se ligarmos todos os pontos, obtemos um quadro muito sombrio: os laboratórios americanos arruinados por vários processos judiciais estão a enriquecer graças à epidemia… Mas os laboratórios, o exército e o poder político americano estão a trabalhar lado a lado. O problema não é quando a guerra vai começar (eles têm os meios financeiros agora), mas onde? Taiwan, Ucrânia? O nossos queridos lideres continuam hesitantes, mas a diplomacia está a sobreaquecer….

    “Ursula von der Leyen disse em Riga que um contrato assinado este Verão pela Comissão Europeia com a BioNTech-Pfizer para 1,8 mil milhões de doses de vacina incluía uma cláusula que previa o caso de uma variante que escapasse à vacina existente. (5 vacinas por pessoa)

    Esta cláusula compromete o laboratório a poder adaptar a sua vacina no prazo de 100 dias”, disse ela.
    Não entrem em pânico, não haverá falta, o serviço pós-venda e as actualizações estão assegurados.

    Quando a economia é orientada para os poucos felizes e esquece todos os outros… a economia é baseada em trocas… de todos, não de uma minoria… para vender, precisa de consumidores… ou os líderes já acreditam que não haverá recursos suficientes para todos?

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