Classe média e Ucrânia!

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 26/04/2022)

O termo “classes médias” não tem uma definição universal, mas sabemos que nas modernas sociedades são elas que pagam as contas. São os explorados de boa vontade e animados com a fé de serem colaboradores dos ricos.

A classe média é um grupo social em que o trabalho foi substituído pela colaboração. A doutrina do neoliberalismo separou os seus elementos dos trabalhadores (assalariados) ao convencê-los que o seu bem-estar futuro se deve à sua iniciativa individual, à sua agressividade, à sua disposição para fazerem tudo, à certeza de que os fins justificam os meios, da inutilidade de ações coletivas, de políticas sociais, da solidariedade.

O medo que o comunismo conquistasse os trabalhadores e as classes médias europeias fora a razão da criação do estado de social na Europa, conduzido pelas sociais-democracias e pelas democracias cristãs. Uma das causas da II Guerra Mundial, da ascensão do nazismo e da complacência da Inglaterra e dos EUA foi o medo que o comunismo destronasse o regime de domínio dos patrões. O fim da URSS ditou o fim desse medo e abriu caminho ao neoliberalismo, ao fim do Estado social a que estamos a assistir, juntamente com o fim dos partidos tradicionais na Europa continental.

A destruição da classe média tem sido conduzida com requintes de perversidade: é a própria classe média que, de jeans de marca, bronzeada, intitulada de “famosos” nas revistas, televisões e redes sociais, passou a trocar três refeições por dia por uma ida a um bar da moda, a um ginásio, que “posta” uma foto no FB ou no Instagram e se suicida com uns shots!

O mimetismo da imagem da classe média ao surgir mascarada de classe privilegiada (as oligarquias) fá-las ter a mesma leitura da realidade que os poderosos. Passam a pensar como os donos. (Síndrome de Estocolmo: afeto pelo agressor.)

A guerra na Ucrânia é um excelente revelador deste tipo de transferência de afetos e de leitura da realidade, em que o “colaborador” segue o dono e vai com ele até à sala de ordenha para lhe extraírem o leite, no melhor dos casos, ou para o matador para ser hamburguizada.

A guerra na Ucrânia tem por finalidade defender um mesmo modelo de sociedade de exploração e acumulação pelos dois contendores, os Estados Unidos, que têm o seu modelo em crise política (populismo), económica (pobreza) e social (racismo e etnicidade) e a Rússia que pretende passar de uma sociedade típica do terceiro mundo, exportadora de matérias-primas, para uma sociedade de capitalismo desenvolvido e de consumo.

O poder instalado no Kremlin promete aos russos os bens e os produtos desejados pela classe média — daí a relativa popularidade do poder de Putin e desta guerra feita em nome da grandeza da grande Rússia. E os EUA, depois de proletarizarem a sua classe média, necessitam de fazer o mesmo à classe média europeia, caríssima com os seus sistemas de segurança social, educação, saúde, preocupações ambientais. A classe média europeia tem de ser privatizada: pagar planos de reformas privados, planos de saúde privados, escolas privadas… Tem de ser privada de tudo. Americanizada.

Se eu vir Ucrânia como o forno crematório da classe média europeia, além de um campo de lançamento de foguetes sobre a Rússia, a classe média europeia responder-me-á que a Ucrânia é apenas um Club Méditerranée com todas as comodidades e liberdades, dirigido por um excelente animador e que os russos querem tomar para si. Que a NATO é uma respeitável empresa de segurança privada e a UE uma empresa de Cash&Carry.

A conta desta guerra irá, com a nova ordem de democratização da pobreza na Europa, irá certamente para a mesa da classe média europeia, que parece feliz por ir ver aumentar a sua fatura com armas, embora só refile por causa das do gás e da gasolina, do pão e do óleo de girassol… produtos de pobre. As armas têm outra dignidade!


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13 pensamentos sobre “Classe média e Ucrânia!

  1. Muito bem mais uma vez! Preparemos então as carteiras pois se alguém neste momento está a facturar muito bem, a conta há-de chegar e só os tapadinhos da UE é que ainda não perceberam, o resto do mundo está farto de saber isto desde o início, ora vejam
    https://youtu.be/o27grM1hFuY

  2. Duas notas, se me forem permitidas. A primeira tem a singeleza de uma só palavra e corresponde à avaliação da qualidade do texto: cristalino. A segunda nota é dirigida ao comentador SUM. Incapaz de ver no estrangulamento financeiro da Venezuela, provocado por mais um criminoso bloqueio económico decretado pelos EUA, a razão mais profunda para a impossibilidade de um desenvolvimento pleno e verdadeiramente livre e soberano daquele país, se limita a ser a acéfala voz do dono. Um comentário que depois do texto do Coronel Matos Gomes, é bem a demonstração de que as aberrações nele evidenciadas se materializam em casos concretos, que convivem connosco todos os dias. Desse ponto de vista, obrigado SUM.

  3. O Sr.º Cor. Carlos Matos Gomes, acabou de descrever os parolos(as), esse sector da sociedade composto por pessoas iletradas, estúpidas, ignorantes, e mal-intencionadas, que vivem de expedientes e aquilo que possuem – emprego e habilitações académicas – não é por mérito, perfil, ou esforço, mas graças às seitas políticas e religiosas que os recrutaram e às quais pertencem directa ou indirectamente.

    Em troca, essa gente medíocre tem de trabalhar para essas seitas políticas/religiosas.

    A Classe-Média é o oposto da descrição feita pelo Sr.º Cor. Carlos Matos Gomes, neste artigo publicado pelo blogue «Estátua de Sal».

    • Fez-lhe sangue a “seta”e doeu,mas há gente assim ,que não tem tempo para a família,tal como osproletários ,nem ,nem para si,pq trbalha tal comona Idade Media.para o “dono” e ,claro que recebe algumas “sobras” da lauta refeiçao ,mas quando o dono deixa as “suas terras” e “Herdades ” a mato e coutadas de caça,percebe só aí que tb é “descamisado” como os “irmãos ” de sorte…..Hoje existem milhares de casas da tal classe média à venda pq essa classe média proletarizada teve de abandoná-las e emigrar e engrossar o empobrecimento da chamada classe media Europeia ,pois como na America do Sul e Norte acontece há muito tempo…

    • Muito bem !!! Parabéns por dizer que o Rei vai nú. Nem é só nú, está nú de genitais, que lhe ( CMG ) amputados.

  4. Excelente, Coronel Carlos Matos Gomes!… Diz com toda a clareza aquilo que eu penso e gostaria de dizer, se para tanto tivesse a sua arte de escrita.

  5. “A destruição da classe média tem sido conduzida com requintes de perversidade: é a própria classe média que, de jeans de marca, bronzeada, intitulada de “famosos” nas revistas, televisões e redes sociais, passou a trocar três refeições por dia por uma ida a um bar da moda, a um ginásio, que “posta” uma foto no FB ou no Instagram e se suicida com uns shots!” ??? O Senhor Cornel Carlos Vale Ferra(bra)z confunde classe média com a gentinha que passa nos programas das tardes de Domingo e nos reality shows !!! E ele, onde se coloca ? É um proleta ? Um oligarca ? Arnaldo Matos era o “Grande Educador da Classe Operária”, o Senhor Cornel Carlos Vale Ferra(bra)z passou a ser o “Grande Educador da Classe Média”, média alta, média baixa e média de cócoras. Amén.

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