(José Gameiro, in Expresso, 18/06/2021)

Há uma anedota clássica que se conta a propósito dos portugueses. Estavam quatro maduros, de diferentes nacionalidades, à beira de um precipício. Se se atirassem para uma rede de proteção, teriam um prémio chorudo. Todos o fizeram menos o português. Apesar de todas as garantias, não saía do mesmo sítio. Até que alguém lhe disse que era proibido e ele atirou-se…
Não sei fruto de quê, mas gostamos muito da pequena transgressão. Somos pouco frontais, grandes adeptos do ‘nin’, se alguém é mais direto é porque tem mau feitio. Temos fama de passivos, pouco interventivos civilmente, adoramos dizer mal dos políticos, é verdade que alguns se põem a jeito e são confrangedoramente fracos. Mas a maior parte tem todo o interesse em fazer o melhor que pode e sabe. A pandemia mostrou-nos quem era capaz de ser humilde e verdadeiro e quem falava do alto das suas certezas, muito incertas.

Vem tudo isto a propósito do novo aumento de casos positivos de covid, na geração entre os vinte e os quarenta anos. Há uns dias alguém preocupado dizia-me: “Pergunta aí em casa se há ideias em como inverter isto, mas não vale oferecer uma bejeca a cada jovem que aceite fazer um teste… Seria bem pensado, mas politicamente incorreto…” Cá em casa, consigo ter muita informação direta do terreno, sobre o que se passa nos fins de tarde e nas noites longas da malta nova.
Alguém acredita, ou acreditava, que quando os bares fechassem cedo a malta dispersava? Ou que seria possível manter a distância social ou usar máscara num bar? Ou já não se lembram que um, não o único, dos objetivos de ir para a noite é o engate? Não se dão beijos na boca de máscara, não há toques com luvas… O que tem acontecido desde há semanas são encontros, festas, sunsets — não conheço um único jovem que diga pôr do sol — com dezenas de rapazes e raparigas que não podem ir para as discotecas e que têm de abandonar os bares quase ao início da noite. Se há fase da vida em que a imaginação é florescente é esta. Não têm faltado ideias para ultrapassar as proibições. Uma das mais originais de que tive conhecimento, foi alugar um barco e fazer a festa no mar, pela noite fora. Noite calma, sem serem incomodados pela polícia.
Com as discotecas fechadas, a necessidade premente de “abanar o capacete” e, ao fim da noite, tentar a sorte, tornava óbvio que a clandestinidade surgiria. E o resultado está à vista. Felizmente não muito grave em termos de internamentos e óbitos, ainda que estejam a aumentar, mas potencialmente severo em termos turísticos. No futebol foi possível fazer testes rápidos a todos os que quiseram e puderam assistir à final da Champions. Não me pareceu que fosse operacionalmente muito complicado. Claro que este tipo de testes vale o que vale, na sua incompleta fiabilidade. Mas a alternativa é pior.
Qual é a dificuldade em exigir às discotecas e aos bares, tal como acontece numa série de eventos, a testagem à entrada? Seguramente que se iriam encontrar alguns positivos, que seriam confirmados, ou não, com um PCR. O verão está a chegar, o cansaço dos jovens é evidente, o acatar as regras está já para lá dos limites. Para eles, viver sem música é impensável. Até estarem todos vacinados o verão acaba… Não entendo como é que no Natal alguns sugeriam o teste rápido para uma festa que dura dois a três dias, com os resultados que se conhecem, e agora não exigem o mesmo para umas horas… Nem pensem que os jovens vão desistir de se encontrarem nas noites quentes do verão. E cada vez que o fizerem vão-se lembrar do Natal e do futebol…