(Pedro Magalhães, in Expresso Diário, 30/10/2020)

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Em 2002, um politólogo americano de origem portuguesa chamado Ruy Teixeira escreveu, em colaboração com John Judis, um livro intitulado “The Emerging Democratic Majority“. A sua ideia central era que, do ponto de vista demográfico, a América estava a mudar numa direção favorável ao partido Democrata. O eleitorado estava a tornar-se mais diverso do ponto de vista étnico e cultural, e a economia gerava uma nova e vasta classe de profissionais muito qualificados. Cada geração americana tenderia a ser mais progressista que a anterior. O partido Democrata seria o beneficiário desta “maioria emergente”.
De 2002 até hoje, no entanto, o número de estados onde os republicanos controlam não só o cargo de governador mas ambas as câmaras legislativas passou de 13 para 21. Dos 3756 lugares em disputa em oito eleições para o Congresso, os republicanos ganharam cerca de metade. Em quatro eleições presidenciais, ganharam duas. É verdade que Teixeira e Judis sempre disseram que “a demografia não é o destino”, que ela não é uma inevitabilidade. Caberia aos políticos do partido Democrata transformar a “maioria emergente” numa realidade efetiva. Mas o mínimo que se pode dizer é que, até agora, não se têm saído bem. Porquê?
Em primeiro lugar, uma parte fundamental dessa “maioria emergente” não tem um peso eleitoral proporcional ao seu peso demográfico. Quase um terço dos hispânicos e dos asiáticos com mais de 18 anos não têm direito de voto, e os que têm exercem-no menos que o resto da população. A afluência dos eleitores negros às urnas bateu recordes em 2008 e 2012 (quando Obama foi candidato), mas de resto tem sido quase sempre inferior à dos brancos. Em consequência, as várias minorias de não-brancos representavam em 2016 quase 40% da população dos EUA, mas apenas 27% dos votantes. E se é verdade que a maioria deles se identifica com o partido Democrata (dois terços no caso dos hispânicos e asiáticos, mais de 80% entre os negros), a conversão dessa hegemonia em votos é muito imperfeita. Se a participação eleitoral destas minorias tivesse sido igual à dos brancos, estima-se que em 2016 os democratas teriam ganho a presidência e o Senado. Mas esse é um universo paralelo que nós não habitamos.
O segundo obstáculo à consolidação da maioria Democrata é o facto de o partido ter entretanto perdido a preferência da classe trabalhadora branca. Até à era Reagan, 60% dos brancos sem curso superior identificavam-se com o partido Democrata, ao passo que hoje são 31%. Neste segmento, que representa 44% do eleitorado, Trump teve quase 40 pontos de vantagem sobre Hillary, uma enormidade até há pouco tempo inimaginável.
O que lançou tantos operários brancos nos braços da direita? Há quem fale na economia, porque foi este grupo social quem mais foi prejudicado pela globalização, e há quem fale em “identidade”, porque é entre este grupo que há mais pessoas indignadas com os privilégios de que negros e hispânicos supostamente beneficiam (e houve uma correlação estreita entre esta ideia e o voto em Trump).
Mas o afastamento dos trabalhadores brancos do partido Democrata está também ligado ao declínio dos sindicatos, que historicamente cumpriam a função de socializar, informar e mobilizar os seus membros. Em articulação com as lideranças Democratas, os sindicatos combinavam a defesa dos interesses materiais dos seus membros com posições progressistas sobre temas culturais e raciais.
Como já dizia o grande Seymour Martin Lipset há mais de 60 anos, a classe operária tinha uma forte propensão para a intolerância e o autoritarismo, mas ambas as tendências eram facilmente contrariadas pela inserção no sindicalismo democrático. Ora, esse mundo acabou: em 1964, 60% dos trabalhadores brancos americanos pertenciam a um sindicato; hoje, são 10%.
Com o declínio dos sindicatos veio também um défice organizativo. Não falo da máquina eleitoral que conquistou a presidência para Obama em 2008 e 2012, mas sim da capacidade de manter uma presença organizada no terreno e na vida das pessoas entre eleições. Como assinala a politóloga Theda Skocpol, hoje em dia a maioria das organizações ligadas aos democratas são think tanks com sede em Nova Iorque e Washington, que negligenciam completamente a política local e estadual. Em contrapartida, os Republicanos constituíram uma forte base de influência local, primeiro sustentada no Tea Party (apoiado pelos biliões dos irmãos Koch) e depois aproveitando as redes da National Rifle Association, das associações de polícias e das igrejas evangélicas. Assim, em 2016, enquanto o New York Times e o Washington Post se espantavam com a desorganização da campanha de Trump, estas redes iam fazendo o seu trabalho subterrâneo, com o resultado que se viu.
Para concluir, estes fenómenos reforçam-se mutuamente. Sem uma estrutura que enquadre e mobilize as bases, perdem-se eleições locais e estaduais; perdendo-as, paga-se o preço em gerrymandering e leis que suprimem o voto das minorias e limitam ainda mais a relevância dos sindicatos. Se Biden ganhar na próxima 3ª feira – como tudo indica – é provável que a tese da maioria democrata emergente ressuscite, como já tinha ressuscitado em 2008 e 2012. Mas a seguir a 2012 veio 2016.
*Autor é Professor no Instituto de Ciências Sociais-ULisboa
O Futuro nos EuA, vai ser muito, muito Preto, a razão, é Simples, a longa lista de façanhas violentas, que roubaram as vidas, matérias-primas, internet, offshores, bolsa de valores, não têm limites nenhuns.
“A classe operária tinha forte propensão para a intolerância e o totalitarismo”..
Estabelece-se logo que os trabalhadores são uns fascisstas e não se fala mais nisso.
É muito, mas muito melhor, do que fazer uma autocrítica sobre a política da esquerda em relação aos trabalhadores.
Porque esquerdista nunca se engana e raramente tem duvidas.
Mais vale alienar do modo mais ofensivo possível a tão mitificada classe trabalhadora do que reconhecer que se enganaram seja lá no que for.
Aqui há uns tempos tentei, noutro blog, iniciar um debate sobre a razão dos trabalhadores estarem a abandonar a esquerda.
Claro que fui logo corrido à pedrada virtual da forma mais arrogante e ofensiva possível pelos esquerdistas de serviço. Boicotaram logo o debate.
Mas hoje compreendo que sem querer deram-me MESMO a resposta que eu procurava. Que era precisamente a arrogância e agressividade da esquerda contra os trabalhadores que nesse dia exemplificaram contra mim.
Ao fim e ao cabo eu era o protótipo do trabalhador em busca de respostas e eles aplicaram-me o tratamento padrão da esquerda sempre que surge uma questão – correr tudo com insultos de fascissstas, racistas e
machistas.
No momento em que o trabalhador ocidental está a ser esmagado, empobrecido e humilhado pela direita à esquerda não encontra mais nada para o ajudar do que insultar o trabalhador de “fascisssta, machista e racista” por tudo e por nada.
Meu Caro, a dicotomia Esquerda versus Direita, acaba sempre da mesma maneira, por uma razão, muito simples, exaltam-se, antes do tempo, e, falam sem raciocinar, logo, sai sempre bosta dos dois lados, e assim, são ambos extremistas, mas o pior é, é que, nos dias corrente, são todos extremistas e populistas, à excepção do Pcp, na minha deformada visão, atenção, eu sou dos verdes, por isso, aturo o pcp. :P:D
Caro Daniel.
Depois de ser constantemente insultado pelos outros, do bloco mas também do PC, pelo azar de ter nascido homem e branco e ainda por cima ter dúvidas, estou a deixar de votar neles e a voltar-me para o PAN.
Com o PC fiquei particularmente fofido por os gajos apoiarem a tortura das touradas e quererem impedir-me o direito à escolha na questão da eutanásia.
O PAN parece um bocado menos estúpido e pelo menos é amigo dos animais que também é preciso.
Claro que você como verde pode objectar que os cães mijam nas árvores. Mas não é por mal.(piada)
Cumprimentos e lol :P:D