O colapso climático contado pelo capitalismo europeu

(João Camargo, in Expresso Diário, 22/09/2020)

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A apresentação do Estado da União da presidente da Comissão Europeia na semana passada, apesar de aclamada por muitos euroingénuos, não provocou em Portugal grandes reacções. De quem esperava um plano, o famoso “European Green Deal”, que respondesse à crise climática, apareceu o que é costume: optimismo tecnológico irrestrito, ilusionismo e contas erradas. Cantar vitória no campo da crise climática quando as contas são cortar 55% das emissões de 1999 até 2030 é rejeitar a ciência.

Não é seguramente fácil ter de fazer o diagnóstico calamitoso da economia capitalista europeia (mundial na verdade), da degradação ambiental, social e política e, ainda assim, anunciar uma sucessão de iniciativas que vão ultrapassar estas as dificuldades e fazer florescer o lucro de privados sem destruir os estados sociais, quem trabalha e o ambiente do qual dependemos. No entanto, foi esse jogo de luzes que Ursula von de Leyden teve que montar na semana passada, para prometer aquela que foi chamada de “ambiciosa” agenda para o pós-COVID europeu. Sendo um longo discurso, muito de interessante foi dito, como o pedido em 2020 que todos os Estados passem a ter salários mínimos, a esperança que no futuro os Estados cumpram leis (apesar das várias experiências fascizantes) ou a promessa da União dos Mercados de Capitais e a União Bancária para transformar a União Europeia no casino capitalista agora, quando os Estados terão de resgatar a quase totalidade da actividade económica. Cada vez mais o discurso público político europeu é expressão de alienação absoluta, mas é de destacar a audácia do pensamento irracional no que diz respeito ao combate às alterações climáticas.

Segundo van der Leyden, “temos mais provas de que o é bom para o clima é bom para os negócios e é bom para nós todos”. A frase, uma sucessão de absurdos, é a formulação necessária para conseguir chegar ao fim do discurso historicamente alienado. É uma frase que faz tanto sentido como dizer que “temos mais provas de que o que é bom para um condenado à morte é bom para um carrasco e para a multidão que assiste à execução”.

A presidente da Comissão afirmou que o Negócio Verde Europeu é o plano para a transformação necessária para ter mais espaços verdes, ar limpo e saúde mental e física. No entanto, o aprofundar da explicação tornou bastante claro que, em termos climáticos, o plano não responde sequer ao previsto no Acordo de Paris: travar o aumento de temperatura abaixo de 2ªC, idealmente nos 1,5ºC, até 2100.

As contas são relativamente simples: segundo relatório de 2018 do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas, é necessário cortar 50% das emissões globais de gases com efeito de estufa até 2030, comparando com o ano de 2018. O que nos propõe então van der Leyden?

– Neutralidade de carbono até 2050. Porquê focar em cortar emissões, quando se pode criar um pacote em que os sumidouros de carbono aparecem magicamente para “anular” as emissões (através da tecnologia de captura e armazenamento de carbono que não funciona, de plantações florestais por todo o lado como se os incêndios não cubrissem cada vez maiores áreas e até – isto foi mesmo dito no discurso – a construção civil tornar-se num sumidouro de carbono), e até 2050, porque as datas não contam para nada e 2050 é mais bonito que 2030.

– Cortar 55% das emissões de gases com efeito de estufa na União Europeia até 2030. Este parecia ser o grande trunfo, e até parece à primeira vista ser mais ambicioso do que a ciência exige. No entanto, há malabarismo. A UE promete cortar 55% das emissões usando como ano base 1990 e não 2018 ou 2020. Como as emissões internas baixaram 25% desde 1990, o truque só serve para enganar quem quer ser enganado. Usar percentagens em vez de valores concretos de emissões é uma excelente maneira de criar as confusões necessárias para não travar o colapso. Em 2030 a União Europeia deve poder emitir perto de 0,9MT de dióxido de carbono equivalente, mas a proposta de van der Leyden é emitir 2,5MT, uma erro de 170% e a composição química da atmosfera não terá flexibilidade política para negociações. Além disso, se justiça histórica significasse alguma coisa para a Comissão Europeia, teriam de ser cortadas muito mais do que os 50%, já que a responsabilidade histórica da Europa pela emissão de gases com efeito de estufa é muito superior à da grande maioria dos países do mundo.

– Que o combate às alterações climáticas se torne um hub para todos os entusiasmos tecnopositivistas (partilhados pelo governo português), com tecnologias como o hidrogénio a ser apresentadas como panaceias de que é possível manter o capitalismo e travar o colapso climático. Como apogeu, descobrimos que uma fatia do dinheiro do Negócio Verde Europeu, cujo principal objectivo é a descarbonização, irá para o gás, outro combustível fóssil que recebe uma linha de crédito público para acelerar ainda mais a corrida para o precipício.

A Comissão Europeia confirma uma vez mais que usa a acção climática como ferramenta de propaganda política para agradar a progressistas distraídos e cativar novos empreendedores e investidores. As meias medidas na crise climática são inúteis e, uma vez mais, a Comissão Europeia mostra como as instituições da elite do capitalismo mundial são o maior entrave à acção climática e à justiça social que podem travar o colapso climático. Por isso mesmo, importa recordar que dia 25 de Setembro as greves climáticas voltarão às ruas por todo o mundo, contestando esta impotência e contrapondo a sua força social, que no dia 5 de Outubro, em Portugal, os Anticorpos organizam uma acção de desobediência civil de massas e que, em Novembro será assinado na Escócia e por todo o mundo o Acordo de Glasgow, que pretende levar o movimento global pela justiça climática para uma nova etapa organizativa. Outra história tem de ser contada.


9 pensamentos sobre “O colapso climático contado pelo capitalismo europeu

  1. Genro de Louçã vai ser doutor

    João Camargo, ativista do Climáximo e companheiro da filha de Francisco Louçã vai defender a tese de doutoramento (Alterações Climáticas, Nova Metanarrativa para a Humanidade: política climática no mediterrâneo Ocidental”), no dia 16, no ICS. É especialista em alterações climáticas: deve ser por isso que o título tem o termo climático duas vezes…

    Fonte: Sábado, 9.6.2020, p. 24.

    🙂

  2. Obrigado RFC por identificar o Sr. João (ainda não é Dr.). Sem dúvida interessante o texto no geral, seja nas críticas à líder da Comunidade Europeia em particular. As alterações climáticas existem e já todos os cidadãos do mundo minimamente informados, não só da Europa, sabem o que os espera, a não ser que acreditem no exército de cientistas pagos pelas empresas de combustíveis fósseis que tendo opinião contracorrente afirmam que o que vêm ai é afinal um arrefecimento global, venha o diabo e escolha, não me parece, é mais credível a tese que se sente na pele todos os dias do aquecimento e que as ditas companhias petrolíferas negam à décadas para o lucro imparável não parar. Se por um lado desde a revolução industrial, as sociedades que a implementaram começaram nesse tempo a criar poluição e claro a interferir negativamente no ambiente (mares, rios, florestas) e nos ecossistemas naturais, a revolução tecnológica, primeiro com os eletrodomésticos e mais recentemente com a oferta ilimitada de computadores, consolas, telemóveis e todos as máquinas eletrónicas que foram inventadas até hoje e que aparentemente dada a ganância das multinacionais que as criam, nunca irão acabar, a conclusão é simples e natural, a matéria prima do planeta terra (minerais, exemplo lítio) são limitados e a continua exploração dos mesmos polui os lençóis freáticos que estão debaixo da terra poluindo assim a à agua das pessoas que habitem na zona. Mas lá está é a sociedade que temos onde tudo se compra, por exemplo, paga-se por poluir, morre-se por causa da poluição, mas não se indemnizam as vítimas.
    Mas porque é que as pessoas indignam-se e depois passa o efeito e não se manifestam como alguns dos seus filhos, porque estão demasiado presas às “zonas de conforto” que a sociedade aparentemente lhes dá, hoje diz-se que até na China, outrora pobre o povo sente-se bem mesmo que seja na ditadura capitalista dos seus líderes, são tantos, mas claro são demasiado obedientes, porque lá a pena de morte entre outras leis repressivas assusta.
    Se a sociedade capitalista supostamente libertadora do mundo na sua globalidade não percebe a nível dos lideres o caminho para o abismo que se avizinha nas próprias décadas, alguém o tem que fazer, e claro esse alguém devem ser os futuros lideres, com ou sem estudos universitários, mas com conhecimentos e uma mentalidade aberta respeitante ao tipo de sociedade que querem criar, capitalismo e comunismo, na minha visão pessoal pertencem ao século XX e deviam ser ambas abolidas, já que o capitalismo apenas extingue raças animais, destrói o meio ambiente e polui constantemente e claro promove a oligarquia, forma de monarquia da moda do século XXI, não existem seres humanos superiores nem inferiores, somos todos iguais e diferentes, e o totalitarismo não é exclusivo do comunismo, assim como a corrupção e às máfias são extensões de ambas as doutrinas económicas. Se o capitalismo não entrar em extinção, esse será o primeiro passo do homem não na lua, mas da sentença de morte da civilização humana. Em relação ao comunismo, a sociedade aberta precisa de todos os tipos de classes, menos das supostas superiores (não podem existir), o poder não pode estar nunca concentrado num só individuo. ou em poucos, Stalin já morreu há muito tempo.
    Tráfego de animais, pessoas, armas, drogas tudo feito com conivência dos lideres mundiais que trabalham de mãos dadas seja com cartéis de droga seja com outros grupos mafiosos.
    Terroristas, já sabemos quem os financia.
    No fundo todos os males do mundo estão na podridão do sistema que aparentemente dá uma vida boa a muitos, mas depois cria tudo o que de negativo pode afetar a vida da maioria, rica contradição, por isso existem guetos, cidades cosmopolitas ? , ou racistas e xenófobas. Saúde Privada, Ensino Privado para poucos, e o público para as maiorias, e claro onde é que existe igualdade de oportunidades numa sociedade capitalista, onde se ensinam os mais jovens a serem violentos e a comerem os outros se for possível para se ter emprego ou outra coisa qualquer.
    A sociedade capitalista que se alimenta perpetuamente da colonização de matérias primas de países mais fracos e depois cria ongs para fazer de conta que se preocupa com os subdesenvolvidos.
    Todas as profissões que existem devem continuar a existir, mas deve haver uma forma sustentada de se usar as tecnologias e é fundamental no futuro recuperar aquilo que se enterrou com a revolução industrial, as artes e ofícios. E claro se querem uma sociedade de paz, devem-se destruir ou enviar para o espaço todo o armamento nuclear e de destruição massiva que não serve para nada.
    We shall overcome :P:D
    Bem, desculpem lá a salganhada, foi assim que saiu:
    Já plantei muitas árvores, já tive um filho, já trabalhei em alguns sítios, gosto da vida, da cultura e da solidariedade e da amizade de verdade, mas acima de tudo, acredito que os homens e claro as mulheres no futuro não vão ser tão manipulados, como os nossos antepassados foram com o comunismo de um lado, o fascismo do outro e agora uma mixórdia chamada capitalismo, mas claro, é fundamental que nós não fomentemos ideologias erradas, mas apenas luzes adequadas para que eles possam lutar com paz e amor pela sua humanidade.

  3. A solução de principio com o Acordo Verde a ser implementado peca por ser mais do mesmo, ou seja, se a situação é realmente aflitiva e complicada para todas as sociedades do mundo, como é que se compreende que para se alterar o modelo com décadas de abuso e contaminação a todos os ecossistemas dos fósseis se vá agora para a utilização de mais matérias primas finitas, neste caso para promover a energia “verde” elétrica. Pois, não é assim tão verde (pesquisem e informem-se) como isso, e claro, como sempre, o importante é manter o sistema económico desenvolvido a alimentar os “donos” da Terra toda. É aqui que devia entrar a correta informação e chamada de atenção a todos os cidadãos, mas claro, se é o próprio Guterres no topo da ONU, que faz a propaganda certa mas com o modelo errado, que depois se notícia pelos quatro cantos do globo promovendo um novo modelo de negócio, para manter tudo o que existe de errado na sociedade global, e na prática na mudar nada, a nível de desigualdades, extinções de outras espécies, incêndios, guerras “preventivas”, guerras contra terroristas fantoches, emigrações em massa, entre muitas outras coisas. Se a oligarquia através da filantropia dá um ar da sua graça e dá umas esmolas “importantes” (para não pagar impostos) e para não mudar nada, depreendemos que esta classe que através da tecnologia já domina quase toda a totalidade do planeta, não a China porque se domina a ela própria, então temos aqui um grande problema. Querem formar engenheiros a torto e a direito para depois não terem emprego, e possivelmente, estão à espera que os algoritmos da inteligência artificial inventem um combustível natural e cem por cento não poluente, era bom, mas é complicado, claro que incontornavelmente esta tecnologia que para muitos milhões é como um deus, está como em muitos filmes e livros já escritos a destruir o planeta. Mas na era da informação, que afinal tem muita manipulação, propaganda, notícias falsas e muita confusão todas oriundas de sistemas totalitários sejam o comunista ou o fascista, não proliferam alternativas credíveis, porque o ser humano desde o homem das cavernas até hoje, sempre foi um ser egoísta e pouco preocupado fosse com os demais fossem com os seus próprios descendentes, é claro que evoluí, mas na sua grande maioria não me parece, e não é por falta de canudos, mas sim por falta de conhecimento, que não se aprende só nas universidades, existem outras formas e meios e até muito mais baratas.
    O grande problema da atualidade chama-se capitalismo e não deve ser reformatado ou maquilhado, mas sim abolido, para bem do planeta e da humanidade. Claro que vão dizer, lol, olha o comuna, não, muito menos facho, pensem bem se não é possível um sistema novo sem mercados “livres”, mas com estados livres, onde exista comércio como desde sempre, onde existam todas as funcionalidades necessárias para esse estado e os seus cidadãos se desenvolverem de forma realmente livre e com direitos e deveres justos e iguais para todos, independentemente da profissão ou do salário, claro que é possível, e com um governo com representantes de todas as profissões que são os que conhecem melhor os problemas das mesmas, não um governo de fantoches a servir a oligarquia financeira, e um sistema judicial transparente sem necessidade de violar constantemente o segredo de justiça para vender correios da manhã e para julgar na praça pública os inocentes antes de irem a tribunal e assim criar o interminável discurso em que todos dizem os políticos são todos uns corruptos, fala toda a malta, rimos-nos todos, e depois esquece-se e claro quando acontece outra vez, pois já foram tantas, nem nos lembramos, pela forma de limpar historicamente falando a mente do povo, claro que assim o regime muda facilmente, mas o engodo é permanente. Um país com portas abertas, verdadeiramente cosmopolita, sem preconceitos, mas com respeito por todas as religiões e principalmente um país focado no verdadeiro combate à destruição da Terra, com medidas não fantasiosas nem com o intuito de promover corrupção nas licenças de distribuição de energia para todos, com medidas florestais reais. Os governos resolvem os problemas de forma virtual (demasiada tecnologia, lol), ou seja não resolvem, pois assim os tachos financeiros eternizam-se, é uma forma de enriquecimento lícita, mas ninguém dá por nada. Vejam o exemplo dos milhares de milhões para tecnologia, devia ser ao contrário, as atualizações do parques informáticos por culpa dos Gates das Intels e dos Apple, que vão pedindo novos computadores para suportar os novos sistemas, é tudo uma treta, existem sistemas alternativos que foram adotados em muitos países, que não precisam de mudanças por vários anos dos seus sistemas, mas claro, como que paga é o contribuinte e claro a mãe natureza, who cares. Isto é só um exemplo agora imagine os milhares de exemplos que podem multiplicar pelos milhões de objetos eletrónicos ou até automóveis que vão continuar a contaminar o nosso, sim o nosso Mundo, só que para se alterar o rumo disto tudo, tem que se ser consciente e claro acreditar não na treta dominante que compra todos como se fossem seres inanimados, mas na virtude que os homens e as mulheres já tiveram e podem sempre ter de lutar contra este estado de coisas não com armas, mas com inteligência.

    • Qual guerra, o Ocidente tanto pregou que acredita mesmo que o dinheiro é finito e não o tem para coisa nenhuma, quanto mais uma guerra, seja quente ou fria.

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