Consulta de Otorrinolaringologia e memórias da Miuzela do Coa

(Carlos Esperança, 15/11/2019)

Carlos Esperança

Na última segunda-feira fui a uma primeira consulta de ORL onde uma jovem médica me observou com o desvelo e a delicadeza que está longe de imaginar quem lê jornais, vê televisão, ouve rádio ou frequenta redes sociais, sem conhecer o SNS. Aliás, é esta a regra de várias consultas a que recorro e que me levam a suspeitar que os médicos e enfermeiros elegeram, como bastonários, os porta-vozes de Cavaco e Passos Coelho, para a saúde, com forte vocação sindical.

Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

Perante a forma como sou tratado e os recursos usados para um idoso sénior, que ora me define, tenho a impressão de que o acesso aos meios de comunicação é a prerrogativa de militantes dos partidos que votaram contra a criação do SNS, cada vez mais exigentes e desejosos de satisfazerem o sector privado e a rede hospitalar das Misericórdias.
Volto à médica especialista em ORL. Marcou-me nova consulta e um audiograma que a antecederá, e preveniu-me de que a idade e a perda natural da acuidade auditiva podiam levar a ter de (me) aparelhar.

Felizmente não se apercebeu de um leve e irreprimível sorriso que esbocei. Num ápice, a previsão de ‘me aparelhar’ devolveu-me à infância onde o avô materno me dizia para aparelhar a burra e levá-la ao Espadanal onde a avó já teria mondado as ervas daninhas antes de iniciar a rega com a escassa água que não escolhia raízes.

Às vezes punha-lhe as cangalhas para trazer quatro cântaros de água porque as fontes da aldeia estavam secas.

E lá ia eu à corte, orgulhoso da tarefa, a enfiar o cabresto à burra, a pôr-lhe a albarda, a apertar-lhe a cilha e a atirar os alforges para cima da albarda, para trazer legumes e algumas batatas que se arrancassem durante a rega. Depois era correr, montado na burra que não se ressentia do peso-pluma do corpo do garoto, passando a trote à Fonte do Vale e acabando a galope duas centenas de metros depois junto à portaleira da horta.

Quando chegava, era um divertimento desaparelhar o animal, colocar-lhe a belfa, ajeitá-la ao cambão e vendá-la antes de a pôr a rodá-lo, enquanto a água do poço esvaziava no vaivém dos copos da nora, a correr pela regueira nas leiras de feijões, cebolas, tomates, alfaces e batatas para onde a avó sucessivamente a encaminhava.

Há quase sete décadas era eu que aparelhava uma burra, com a alegria de desempenhar a tarefa, agora é a jovem clínica que admite aparelhar-(me) as orelhas, para melhorar a acuidade auditiva que o endurecimento da membrana do tímpano embotou.

Ouvi. Sem zurrar. É preferível o aparelho auditivo ao cabresto, mas há de custar mais a suportar do que os atafais à burra, que se deslocava pacientemente, ligada pelo rabeiro à mão que a conduzia.

15 pensamentos sobre “Consulta de Otorrinolaringologia e memórias da Miuzela do Coa

  1. nunca tinha pensado que houvesse tantas semelhanças entre aparelhar um ouvido moco e o aparelhar de uma burra para tirar agua de um poço à nora, este texto é mesmo um doce

    • Adenda. Tima lá também isto, Carlinhos, peço-te que passes a info à Virgínia da Silva Veiga que conhece bemrão o passa. É, mais uma vez, o famoso Carlos Costa Pina com aquele ar soturno que, aparentemente, (não?) nasceu para pilha-galinhas.

      Economia

      Galp contratou ex-governante do PS que tomou decisões sobre atividade da empresa

      18.11.2019 às 7h32

      Decisão tomada por Carlos Pina, no papel de governante e que deu origem a processo judicial, está hoje nas mãos de Carlos Pinto, enquanto administrador da Galp .

      Carlos Costa Pina, ex-secretário de Estado do Tesouro do Governo de José Sócrates, aprovou, em 2008, as reavaliações das redes de gás natural da empresa que acabaram por dar origem a uma batalha jurídica entre a Galp e a reguladora dos serviços energéticos, a ERSE. Em 2012, cerca de um ano depois da queda do Executivo socialista, tornou-se administrador executivo da Galp.

      Acontece que o processo de reavaliações das redes arrasta-se em tribunal desde 2010 e ainda não tem data de julgamento marcada. Isto quer dizer que a decisão de Carlos Pina, no papel de governante, está hoje nas mãos de Carlos Pina, administrador da Galp. A empresa petrolífera, todavia, rejeita que exista alguma incompatibilidade, avança o “Público” esta segunda-feira.

      […]

      https://expresso.pt/economia/2019-11-18-Galp-contratou-ex-governante-do-PS-que-tomou-decisoes-sobre-atividade-da-empresa

      Ainda não chegei lá, deve ser prosa da Cristina Ferreira.

      • […]

        O matutino questionou a Galp e o seu administrador executivo sobre se não foi ponderada, antes da contratação do ex-governante, em 2012, a possibilidade de existir um conflito de interesses. Questionou ainda a empresa sobre a identidade dos acionistas que propuseram o nome de Carlos Pina.

        Fonte oficial da empresa liderada por Carlos Gomes da Silva respondeu que a “Galp não se pronuncia sobre assuntos que respeitam aos seus acionistas” e que “não existe e nem podia existir qualquer questão de incompatibilidade ou conflito de interesses”.

        Nota, ainda. Ou seja, isto é retórica, o que significa que o mais picante ainda está para vir… Os tipos do jornal da Sonae já sabem, quem terá sido?

        • Energia

          Galp contratou ex-governante que tomou decisões sobre actividade da empresa

          Carlos Costa Pina, gestor executivo da Galp desde 2012, aprovou em 2008, quando era secretário de Estado do Tesouro, as reavaliações das redes de gás que hoje estão no centro de uma batalha jurídica entre a empresa e a ERSE. Galp rejeita incompatibilidade.

          Ana Brito

          18 de Novembro de 2019, 6:37

          […]

          Aqui, comentários coloridos:
          https://www.publico.pt/2019/11/18/economia/noticia/galp-contratou-exgovernante-tomou-decisoes-actividade-empresa-1894054

          • […]

            O segundo Governo Sócrates manteve-se em gestão até Junho de 2011 e,
            depois, Costa Pina foi contratado pelo
            grupo Ongoing. Aqui, entre Setembro
            de 2011 e Março de 2012, teve “responsabilidades, em especial, ao nível
            das sub-holdings de TMT (Portugal e
            Brasil), imobiliário e serviços”, como
            refere a nota curricular publicada
            pela Galp antes da assembleia geral
            de accionistas de 24 de Abril de 2012,
            em que se elegeram os órgãos sociais
            da empresa para 2012-2014.
            Nessa assembleia geral, os accionistas da Galp aprovaram também a alteração e reestruturação do contrato de
            sociedade. No documento, no artigo
            18.º, lê-se: “A comissão executiva será
            constituída por (…) administradores
            com reconhecidas competências de
            gestão de empresas e comprovada
            experiência profissional.” O PÚBLICO
            procurou saber, junto da Galp, qual
            foi, no currículo de Costa Pina, a experiência profissional de gestão de
            empresas que relevou para a sua escolha como membro da comissão executiva.
            Não foi possível obter um comentário a esta questão. [LOLOL]
            O gestor (que tem formação em Direito e que
            tinha sido administrador da CMVM)
            tem, entretanto, vindo a ser reconduzido na comissão executiva da Galp
            e, além das áreas de gestão de risco,
            do ambiente e sustentabilidade, tem
            a seu cargo (desde Abril de 2019), a
            unidade de negócio de infra-estruturas e redes (lidera a administração d

            Fonte: P., 18.11.2019, pp. 21-22.

            Adenda, dois. Óóóóóóíóh!, é qu’a (falta) de tusa da Galp é mêmo légau…

        • Mandato na Galp até 2022

          O PÚBLICO questionou a Galp e o seu
          administrador executivo sobre se não
          foi ponderada, antes da contratação
          deste ex-governante, em 2012, a possibilidade de existir um conflito de
          interesses pelo facto de o ex-secretá-
          rio de Estado ter estado directamente
          envolvido em dossiers relacionados
          com a empresa, quando esteve no
          Ministério das Finanças (de onde saiu
          em 2011, com a queda do Governo,
          depois da demissão do primeiro-ministro, José Sócrates, a 23 de Março
          desse ano). Também quis saber qual
          dos accionistas propôs o nome da
          Costa Pina. Fonte oficial da empresa
          liderada por Carlos Gomes da Silva
          respondeu que a “Galp não se pronuncia sobre assuntos que respeitam
          aos seus accionistas” e que “não existe e nem podia existir qualquer questão de incompatibilidade ou conflito
          de interesses”.
          A petrolífera acrescentou que “a lei
          aplicável” às incompatibilidades e
          impedimentos de altos cargos políticos, a Lei n.º 64/93, “limita o exercí-
          cio de funções em empresas privadas
          do sector tutelado pelo titular de cargo político” e que o diploma que a
          revogou (a Lei n.º 52/19, publicada
          este ano, que aprova o regime do
          exercício de funções por titulares de
          cargos políticos e altos cargos públicos), “mantém esse critério”. “Como
          é sabido, a tutela da energia estava
          então no Ministério da Economia,
          não tendo o Ministério das Finanças
          tutela sobre o sector; não pode, por
          isso, haver qualquer incompatibilidade ou conflito de interesses em rela-
          ção a um ex-secretário de Estado que
          não tutelava o sector de actividade da
          Galp”, refere a empresa.

          Fonte: P., 18.11.2019, pp. 21-22.

          Adenda, um. Tcharam!, a tese da Galp é mêmo légau…

      • Nota. É verdade: ciom os nomes dos Carlos a ecoarem cá dentro, o Costa Pina mais e o Carlinhos menos, dá-me uns calores que só me apetece uma loira. É só puxar a corda, como faz o amoroso João Miguel Tavares, e, como vês, nunca nos enganamos… O JMT amanhã vai ser só rir, aposto.

        🙂

Leave a Reply to brunoschiappaCancel reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.