Ruído da Democracia

(José Pacheco Pereira, in Público, 02/11/2019)

Pacheco Pereira

A gente pode desgostar de praticamente todos os aspectos da vida e da acção parlamentar, mas é ali que está a democracia. Mal, quase sempre mal, poucas vezes bem, mas está ali.

O PS só falou de uma coisa: a “geringonça”

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PS veio com uma espécie de lengalenga que se repetia de intervenção em intervenção: os portugueses votaram na “geringonça”, é nossa obrigação fazê-la. Costa sabe o que diz. Ele percebe que esta legislatura vai ser muito difícil e prefere dar o que tiver de dar à cabeça, enquanto os resultados eleitorais estão a quente, e obter um qualquer papel assinado que lhe dê algum sossego. Os outros “geringonços” acham que têm mais margem de manobra se não o fizerem.

Então, entra o Plano B do PS, a chantagem da “coligação negativa”, que impede os partidos de esquerda de alguma vez votarem junto com o PSD. O problema é que essa chantagem pode ser eficaz à esquerda, mas não é para o PSD. E há-de aparecer um assunto qualquer em que haja uma rejeição de uma proposta do Governo. É só uma questão de tempo.

As questões de Rio

Rio fez (na primeira vez que falou, na segunda foi mais frouxo) o papel de líder da oposição. Nem mais, nem menos. Todas as questões que levantou foram pertinentes: o tamanho do Governo e a confusão de competências, o papel a prazo do ministro das Finanças, as promessas encenadas no período eleitoral e o seu “pagamento”, e, por último, a exigência de esclarecimento sobre o que se passa com as concessões de exploração do lítio. Que a intervenção foi eficaz demonstrou o primeiro-ministro, que disse umas graças e não respondeu, e a líder parlamentar do PS, que classificou as questões levantadas de “populismo” e também não respondeu.

O CDS não estava lá

O CDS tem uma líder parlamentar capaz, mas está numa encruzilhada, um pouco como no Cross road blues de Robert Johnson. No cruzamento está o Diabo à espera, ou o seu enviado Nuno Melo, querendo comprar a alma do CDS para ser o Vox à portuguesa. Vai tarde, porque essa alma já foi vendida ao Diabo genuíno pelo Chega! E Portugal não tem nenhuma Catalunha. O que de mais parecido existe é José Sócrates, mas esse já ajudou a eleger André Ventura.

O PCP estava lá

O PCP tem um dos líderes mais respeitados na Assembleia, Jerónimo de Sousa, que consegue o milagre de também ser o dirigente mais amado e mais próximo dos militantes do PCP depois do 25 de Abril. Repito o que já disse, Cunhal era respeitado, mas não era um “deles”, Jerónimo é. Num país em que muitas centenas de milhares de portugueses são operários e operárias, se não fosse Jerónimo de Sousa não havia nenhum para amostra na Assembleia. Acresce que é um excelente parlamentar, com um discurso muitas vezes recorrendo a expressões populares e provérbios. Mas para a sorte do definhamento do PCP não chega. Por detrás dele, que já nem sequer ortodoxo é, é um partido cansado, que fala uma das linguagens mais gastas que há, sem fulgor, nem criatividade, que não comunica nem sequer com os seus. Os fiéis vão continuar fiéis, porque a cultura de resistência do que sobra do PCP vai durar até à morte. Só que também eles estão a morrer.

O PCP devia aprender com uma instituição com que tem mais parecenças do que admite, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

O Bloco de Esquerda devia ler o “que fazer?”

… nem que seja pelo título. O Bloco de Esquerda ainda não percebeu muito bem o que aconteceu, em particular que a quebra eleitoral muito pouco discutida e muito menos assumida significa uma barreira e não um obstáculo. O Bloco estagnou, todas as causas que o fizeram crescer no meio da burguesia da esquerda chic estão hoje muito mais distribuídas por outros actores, quer no mainstream (no Estado, na Câmara de Lisboa, etc.) quer na radicalização para quem o Bloco já é recuado. A evolução dos movimentos feministas, de género, LGBT, etc. está a radicalizá-los e fazê-los mais sectários, e o Bloco sabe já a pouco.

O PAN, o mais amigo do PS

De todos os partidos na Assembleia, o mais próximo do PS foi o PAN. Pelos vistos negociou o provedor do Animal, um absurdo para fazer chegar lugares e empregos administrativos ao mundo “animal”, e trocou a reivindicação da proibição das touradas, a única proposta válida do PAN, por um limite de idade para as crianças poderem ver torturar um animal em público, sem compromisso quanto à idade.

(A resposta de uma coisa chamada Pró-Touro, um nome orwelliano, foi protestar contra o limite de idade, porque punha em causa a “liberdade” de os pais educarem os seus filhos…)

Como os partidos são muitos… ficam para a semana:

— Os Verdes rodeados pela “acção climática” por todo o lado

— O Chega e a eficácia

— O Livre e o problema de Joacine

— A Iniciativa Liberal e o voto dos pobres

Até mais ver.

7 pensamentos sobre “Ruído da Democracia

  1. E quanto ao Lítio, na pessoa do empreendedor com gabinete na Junta de Freguesia (PS),
    parece encontrado uma réplica do engenheiro da Lena e amigo de Sócrates.
    Mais conversador que o amigo da Lena, bem semelhante na imagem e expressão visual.
    Sentado em cadeirão com ares de Napoleão, na reportagem da tarde de domingo no CM TV.
    Sem falta de espaços ou lojas vazias na cidade, como estranha o presidente da Câmara de Montalegre (PS)
    Isto promete.

  2. — O Chega e a eficácia

    Nota. Quem sabe se o JPP experimentará explicar que uma persinagem como o André Ventura é, em primeiro lugar, uma consequência do escândalos em que José Sócrates e a sua pandilha estão enredados e, em segundo lugar, da desesperança dos eleitores portugueses perante a simples ausência de interesse manifestada pelo António Costa face à cultura de corrupção do aparelho partidário do PS. Só depois surgem as outras razões: o silêncio de um discurso anti-corrupção soficientemente forte e claro da/s esquerda/s, a terceira, o BE e o PCP estavam limitados pela solução parlamentar no pós 2015, e todas as outras que, sendo previsíveis (populismo, extremimos e tal), se mostram menos interessantes.

    • Adenda. Aliás, se visto nesta perspectiva, esse desconforto disfarçado como horror manifestado pelos socratistas do aparelho do PS que se mexem nas profundezas, acompanhados aos molhosos pelos desmiolados pensadores do Livre-esvaziado-e-problemático (e há ainda alguns casos individuais conhecidos e, nornalmente, voluntariosos de que é exemplo o Daniel Oliveira), face à presença na AR de uma figura como o André Ventura é sintomático. Veja-se, por exemplo, o artigo-revelação (editorialmente) de merda assinado pela Fernanda Câncio como o exemplo-maior desse desconforto disfarçado de horror: pois é, obviamente, ele ganhou o direito a ocupar a manchete no DN de ontem. Obviamente, repito, é que é mesmo óbvio…

      https://imgs.vercapas.com/covers/diario-de-noticias/diario-de-noticias-2019-11-02-4b2277.jpg

      Post Sciptum. Vi a primeira intervenção do André Ventura pela TV, em directo, e tenho uma declaração de interesses a fazer: considerei útil o seu discurso, hum.

      • Nota. Isto é apenas para chamar a atenção para os perigos da patetice, hoje o Daniel Oliveira escreve obviamente* sobre a Fernanda Câncio. É o dois em três: defende a sua amiga, uma das principais responsáveis pela destruição do DN, dá graxa à Controlinveste e à TSF do testa-de-ferro Daniel Proença de Carvalho e, ainda, despachou mais um chouriço no Expresso enquanto amealhou mais uns trocos da Impresa que não tem nada a ver com isso.

        https://expresso.pt/opiniao/2019-11-04-Mais-honesto-um-fascista-do-que-um-Ventura

        Asterisco. «Obviamente, repito, é que é mesmo óbvio…», um esclarecimento. No DN moribundo alojam-se, convém lembrar, uma parte da pandilha que cantou loas ao PS de José Sócrates (Ferreira Fernandes, Fernanda Câncio, Pedro Marques Lopes a quem, o sob o olhar atento do testa-de-ferro Proença de Carvalho, se juntou a malta da TSF na tarefa bem conseguida de conseguir a destruição daquele título secular da imprensa portuguesa). E isto explica tudo, à excepção de quem não vê um boi.

    • Bestas quadradas
      4 Novembro 2019 às 17:08 por Valupi

      Nota. Ó d’A Estátua: sou só eu que acho que a personagem Valupiana agora desatou a gritar, e a chamar nomes feios!, à sua (pouca) clientela?

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