Temos um Presidente escolhido por Deus

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 17/08/2018)

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A Marcelo Rebelo de Sousa os jornalistas pediram para explicar porque disse que a recandidatura estava nas “mãos de Deus”.

“Está na mão de Deus o realmente, na altura da decisão, me inspirar adequadamente”, respondeu.

“É muito simples. Eu, como cristão, acho que em cada momento devo estar no sítio que corresponda à missão mais adequada para cumprir nesse momento. E mais, acho que devo estar aí se não houver alguém em melhores condições. Essa é a ponderação. Deus logo dirá se é ou não. Não é um problema de vontade é de ponderação, naquela altura”, sublinhou o Presidente da República.

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Estas serão as mais extraordinárias e chocantes declarações do actual Presidente da República desde que tomou posse. Rivalizando em assombro e confusão temos o silêncio político e mediático com que foram acolhidas.

As suas palavras não carecem de tradutor, são denotativas e unívocas. Ele coloca a sua identidade de cristão como factor fundante de intervenção cívica e política. No início, está a sua fé, o seu vínculo a uma dada concepção religiosa, só depois a sua participação na comunidade política, no Estado, na sociedade secularizada.

Como cristão, revela, tem uma relação de obediência a uma entidade a que chama “Deus”. Segundo transmite ao povo, “Deus” comunica com ele directamente. Essa comunicação toma a forma de uma “inspiração”; isto é, presumimos, de uma intuição onde Marcelo fica a conhecer de forma clarividente qual a “missão” que “Deus” lhe está a dar “a cada momento”. A vontade humana, como explica, é irrelevante perante a vontade divina a que acede de forma “muito simples”.

Corolários:

– Marcelo Rebelo de Sousa não se candidatou à Presidência da República antes de 2016 porque “Deus” não quis, ou porque “Deus” lhe terá confidenciado que nesses actos eleitorais existia quem estivesse “em melhores condições”. Por exemplo, “Deus” terá achado que Cavaco Silva estava em “melhores condições” do que Marcelo nas eleições presidenciais de 2011, tendo disso informado o Professor.

Será que “Deus” tinha interesse em que Cavaco fizesse um segundo mandato precisamente porque, com a sua omnisciência, sabia bem que só um traste daquele calibre poderia contribuir para o afundanço do País e para a colocação do casal Passos-Relva no poleiro? Mistério da perdição (ou algo que Marcelo poderá esclarecer num próximo encontro com jornalistas).

– Para as eleições de 2016, “Deus” terá garantido a Marcelo ser ele quem estava “em melhores condições”, daí ter avançado. Donde, se é disto que a casa gasta, quando Marcelo veio pedir a cabeça de Constança Urbano de Sousa e deixar a ameaça de que faria institucionalmente o que lhe desse na gana em relação ao Governo e à Assembleia da República na época dos incêndios de 2018, podemos ter agora a certeza de que ele não estava a falar sozinho. “Deus” inspirou Marcelo para essa intervenção, como aliás se viu pelo seu entusiasmo e a alegria que espalhou precisamente nos segmentos populacionais que mais frequentam, ou fingem frequentar, as instalações desse tal “Deus” cheio de planos políticos, “missões”, para os terráqueos.

– Está aberta a porta para que um futuro Presidente da República nos venha dizer que não vai à bola com o “Deus” que tanto tem ajudado o Marcelo, preferindo antes a inspiração directa de Alá, ou Jeová, ou Shiva, ou Zeus, ou Rá, ou Ódin ou de um ser sobrenatural ainda por nomear de que ele se faça o primeiro crente ou interlocutor primeiro.

A conivência generalizada com estas declarações é o melhor retrato do atrofio cultural, cívico e político da Grei. Marcelo pode estilhaçar a secularidade do regime como outros podem violar impunemente o Estado de direito a partir de cargos de magistratura, funções policiais ou intervenção mediática. Da esquerda à direita, a cumplicidade com esta práxis é uma força mais poderosa do que a Lei, do que a Constituição e do que a dignidade daqueles que ocupam os lugares de decisão e influência nisto que somos.


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2 pensamentos sobre “Temos um Presidente escolhido por Deus

  1. Considero-me agnóstico porque acredito que foi o homem que criou os seus deuses o que, até agora, nos tem limitado enormemente na nossa natural evolução. Nesse sentido, preocupo-me muito mais com os males que as religiões nos têm trazido do que com as eventuais vantagens. Acho que o prof. Marcelo tem o mesmo direito em escolher ser religioso como eu tenho de o não ser. Contudo, confesso que admiro nele o gosto em distribuir afectos, a proximidade com as pessoas, a humildade de alguém que sabe ser mortal.
    Não consegui sentir a mínima empatia pelo seu antecessor, com aquele ar gélido e arrogante, como se fosse o dono de Portugal. Mas admito que haja quem tenha apreciado esse estilo… Assim é a vida!

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