Andar de Mota

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 10/06/2016)

Autor

                          Pedro Santos Guerreiro

Que mal tem? O mal que em si mesmo é. A ética republicana é a lei, disse uma vez Pina Moura quando saltou à corda de ministro para presidente da Iberdrola e cada um que concorde ou discorde. Aqui discorda-se. Paulo Portas está na Mota-Engil e portanto a Mota-Engil está em Paulo Portas. Fará bom proveito. Vá e não volte.

A repetição normaliza. A reincidência banaliza. Portas é portanto só mais um. Cada um será sempre só mais um até ao dia em que nenhum se incomodará nem nos incomodará. Não são eles que movem o muro que existe entre o certo e o errado, somos nós. Na medida em que achemos que há ou não um muro.

Paulo Portas era até há poucas semanas o líder partidário mais antigo em exercício. O CDS era ele e terá de aprender a ser a ser CDS sem ele, mesmo que a sua líder hoje dele descenda. Portas deixou a gesta e passou à festa. Uns mesitos bastaram como nojo. Foi tratar da vida. Já tratou da vidinha.

Portas não foi só líder partidário, foi ministro, foi vice-primeiro-ministro. O ato visível mais importante enquanto membro do Governo foi quando se demitiu de sê-lo. É uma ironia ser lembrado por um ato falho: a crise do “irrevogável” significou uma mudança no poder. Mas antes e depois disso houve outros atos mais relevantes, só que invisíveis. Mesmo quando Portas deixou de ser ministro dos Negócios Estrangeiros continuou a ser ministro dos negócios. Os mesmos empresários que adoravam Sócrates por lidar diretamente com ele de assuntos empresariais passaram a adorar Portas por lidar diretamente com ele de assuntos empresariais. Portas reunia-se em segredo com Ricardo Salgado, Portas abria canais de investimento no estrangeiro e a partir do estrangeiro, Portas globetrotter era um agente comercial. Continuará a sê-lo. Viva a Mota-Engil.

A Mota-Engil é a construtora do regime, dá-se sempre bem com o regime, seja ele qual for. A passagem de Jorge Coelho para a Mota foi um escândalo fraseado com palavras de animal anfíbio que vive no mar da política ou na terra dos negócios. Mas foi com Coelho que a Mota diversificou os seus negócios fora de Portugal ao ponto de ser a única grande construtora a equipar-se de encomendas a tempo de resistir à crise da construção em Portugal. A Mota, que era só a maior devedora do BES, está de pedra e cal por mérito próprio. Por que outra razão quer Portas se não para usar os seus “contactos”? O “consultor” — talvez o melhor disfarce de sempre para ser remunerado — será um facilitador, essa espécie de borracha comissionada que abunda em Portugal. Portas, o agente comercial. O homem que, depois do exercício de função no Estado, sabe com quem falar e do que falar. Não tem qualquer carreira na gestão, no que difere de outros que se fazem de ioiô. Pires de Lima, por exemplo: há de voltar à gestão porque da gestão provém. Mal nenhum. Portas não volta, volteia. Lá vai ele, carregado de influência. É só mais um. Enfileira ao lado de um Armando Vara, de um Miguel Relvas ou de um José Luís Arnaut. Gente cuja principal ferramenta é o telefone com a sua agenda de contactos.

Não há moralismo nesta coluna mas há moral nesta história. Estar na política é ser estupidamente mal remunerado, sair da política para onde nunca se esteve é ser estupidamente bem remunerado. É o que é. Não é o que sempre foi. É o que sempre será? Visto deste lado, Portas pode bem andar de Mota. Terá de certeza uma carreira de sucesso. Afinal, visto deste lado, governar o país parece ser para isto: para se governar depois.