O “novo conceito” do Governo: 2300 euros é renda moderada

(Ana Sá Lopes, in newsletter do Público, 26/09/2025)


Caro leitor, cara leitora:

A semiótica da política é muito interessante. Aplicada à habitação, traz-nos um viveiro de novos significados e significantes. Esta quinta-feira, Luís Montenegro apresentou-nos um “novo conceito”.

O “novo conceito” é que uma renda moderada tem o limite de 2300 euros em Lisboa, Porto e outras zonas sob pressão imobiliária. O primeiro-ministro acha que este “é o choque” que vai acabar com os problemas da habitação em Portugal. É uma boa frase publicitária, mas parte do que se sabe deste pacote apenas vai contribuir para o “choque” da especulação imobiliária a que temos assistido com mais violência nos últimos dez anos.

Depois da intervenção do primeiro-ministro e do ministro das Infraestruturas (mais uma vez sem direito a perguntas, com o Governo a recusar-se a dar a informação toda), fui ao Idealista e descobri várias casas com rendas abaixo de 2300 euros. “O excelente T3 no empreendimento Casas do Parque” que “dispõe de 3 wcs, 1 arrecadação, 2 estacionamentos, lavandaria e vista do lago”, fica em Lisboa, com comércio e transportes, a 2000 euros por mês.

Pessoas que podem pagar 2300 euros de renda por mês em Lisboa não têm qualquer problema em encontrar uma casa para arrendar. Quem sairá prejudicado dos impostos de que agora o Governo decidiu abdicar? Qual é a área do serviço público que vai ter menor orçamento para diminuir os impostos aos senhorios que cobram este nível de rendas? Os bombeiros? O Serviço Nacional de Saúde? É que a conversa dos impostos é sempre a mesma: reduzir impostos aqui implica menos dinheiro para acolá.

Isto vai resolver o problema da habitação em Lisboa e Porto? Considerar que uma habitação pela qual se paga 2300 euros mensais é “renda moderada” e atribuir-lhe isenções fiscais parece extraterrestre.

Mais grave: é quase impossível que esta medida não venha a ser um instrumento para aumentar a especulação imobiliária. É verdade que nenhuma política pública conseguiu travar a especulação em Lisboa, mas não é certamente agora que irá diminuir.

O Governo chama à nova política de habitação “inclusiva” – sendo que aqui o “inclusiva” serve para incluir os sectores que têm salários mais favoráveis na sociedade portuguesa. Defender isenções fiscais (6% do IVA) para construtores que coloquem no mercado casas até 649 mil euros é um bocadinho pornográfico.

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Lá está: quem tem possibilidade de comprar uma casa até 649 mil euros pode fazê-lo amanhã. Há imensa oferta no mercado em Lisboa, pelo menos, com esse tecto de valores. O problema nunca esteve nesta franja que, melhor ou pior, sempre foi capaz de alugar ou comprar uma casa em Lisboa.

Pode compreender-se que um primeiro-ministro que é proprietário de seis casas – aquelas cuja matriz não é pública, depois de Luís Montenegro ter feito o pedido à Entidade para a Transparência, que acedeu – tenha fraca noção de como vive a esmagadora maioria dos seus compatriotas.

Mas é um bocadinho um abuso utilizar termos como “inclusivo”, “classe média”, “transversal” quando se está a legislar para os sectores mais afluentes da sociedade. Ou menos delicadamente: para os mais ricos.

É difícil que o primeiro-ministro não saiba que o salário médio em Portugal cada vez se aproxima mais do salário mínimo e que uma renda de 2300 euros está vedada à grande maioria das famílias. Ao escolher diminuir os impostos até este nível de rendimentos nos senhorios e nos valores da construção, o primeiro-ministro faz uma escolha.

Quando foi a discussão sobre a lei dos solos, o Governo também queria acabar com o termo “habitação acessível” para introduzir os “preços moderados”. Na altura, vários especialistas consideraram que a lei do “valor moderado” iria favorecer a especulação imobiliária. O Governo recuou, tendo deixado cair a expressão dos “preços moderados” e a lei dos solos foi aprovada com o PS.

Quem vai agora ajudar o Governo a fazer passar uma lei da habitação como esta? O Chega. Como vai embrulhar o discurso sobre a falta de habitações no aumento da imigração, tentará fazer esquecer que está a legislar para os mais ricos.

Uma boa medida é aumentar o Imposto Municipal de Transmissões para as habitações compradas por estrangeiros não imigrantes. Uma das grandes razões para a especulação é Portugal ter passado a ser um paraíso fiscal de habitações para o mercado internacional, o que também tem feito os preços subir.

Ao pé da cama

Depois de me ter deliciado com a biografia de Getúlio Vargas da autoria de Lira Neto, estou agora num livro que também apanha Getúlio, que fez entrar o Brasil na Segunda Guerra. Não por uma grande convicção antinazi, mas por ter sido efectivamente “comprado” pelos Estados Unidos. Na verdade, o governo ditatorial de Getúlio tinha excelentes relações com a Alemanha de Hitler e com a Itália de Mussolini e só tinha um defensor dos aliados, o ministro dos Negócios Estrangeiros.

Ele, Getúlio, disse nesses tempos sobre os nazis uma coisa e o seu contrário, mas depois os Estados Unidos pagaram mais e Getúlio “aliou-se”. E chegou até a enviar tropas brasileiras para a frente italiana.

O livro que estou agora a ler é de Ruy Castro e chama-se “Trincheira tropical – a Segunda Guerra Mundial no Rio”. A escrita é uma maravilha.

Até para a semana.

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5 pensamentos sobre “O “novo conceito” do Governo: 2300 euros é renda moderada

  1. Direita moderada? Isso existe?
    A direita defende os patrões e cada macaco no seu galho, ou seja, que os de baixo se contentem com isso e acreditem que merecem esse destino porque são menos competentes ou menos capazes.
    Depois e tudo uma questão de nuances no discurso ou na ação.
    Se virem que o vento corre de feição, ou porque estão em situação de ditadura ou porque o povo foi suficientemente burro para lhes dar maiorias absolutas ou quase avançam como um rolo compressor contra os mais vulneráveis.
    Os trabalhadores, os inquilinos, os migrantes levam para assar enquanto os patrões, os proprietários de casas arrendadas, os especuladores em geral teem toda a proteção possível.
    O que faz a direita parecer por vezes moderada são justamente circunstâncias desfavoráveis.
    Governos minoritários, maiorias ténues no Parlamento.
    Foi o caso do primeiro Governo de Montenegro. Maioria curta e foi um ano de campanha eleitoral.
    Se não mudou nenhuma das medidas gravosas tomadas antes, se deixou degradar serviços, isso não foi muito notado.
    O resultado foi, depois de um bom show de vitimização, uma maioria mais robusta e o facto de toda a gente temer novo acto eleitoral dado haver cada vez mais gente a juntar se ao rebanho dos que seguem o fuhrer.
    O resultado é que agora pode avançar com tudo e e isso que está a fazer. Contra imigrantes, trabalhadores, inquilinos.
    Depois de quase um ano em campanha eleitoral no primeiro mandato esta agora de volta o Montenegro sinistro dos anos da troika.
    O que quer acabar o que o Passos Coelho não conseguiu.
    Quem mandou a esta gente ter memória curta?
    Agora falar em direita moderada e o mesmo que falar em sionistas que são umas excelentes pessoas.
    Simplesmente não existe.

  2. Então não é uma “renda moderada”, à imagem de uma também auto-proclamada “direita moderada”?

    E não é Ana Sá Lopes parte do coro de papagaios que elogiam frequentemente e aplaudem tanta “moderação”, mesmo quando a “moderação” é seguidista de toda e qualquer imposição do directório da UE, ou da OTAN? Mesmo quando a “direita moderada” emula a ideologia e as políticas da(s) outra(s) direita(s) ainda mais à direita, ou anda com ela de mão dada, proclamando “Habituem-se!”?

    A esquerda não é o papão da sociedade portuguesa em particular, da europeia no geral? Então agora, “modere-se”!

  3. O Robles “especulou” ao juntar o dinheiro de toda a família (dele, da irmã, dos pais, e ainda um empréstimo) para comprar um prédio decadente, renovar tudo, e manter os inquilinos com rendas semelhantes às que pagavam antes: +/-430 €/mês para um café no rés do chão, e +/- 190 €/mês para um casal de idosos que morava no 1° andar.
    Os restantes apartamentos foram colocados ao preço do mercado para aquela zona: 1600 €/mês, criando uma oferta que antes (no prédio degradado) não existia.

    Por este “crime” as PRESStitutas atacaram-no como 7 cães atacam 1 osso. Choveram críticas de “especulador” e “hipócrita” por todo o lado. E as oportunistas covardes do BE viram-se livres do Robles em vez de o defenderem.

    O BE agora tem 1 só deputado.

    Os vigaristas, corruptos, moralmente falidos, mal intencionados, fascistas, vassalos de imperialistas, criminosos de guerra, colaboradores de nazis e de genocidas, receberam mais de 2 terços dos lugares no Parlamento.

    A maioria dos eleitores não sabe o que eu sei? Uns sabem, mas mesmo assim não corrigem o seu sentido de voto. Outros não sabem, nem querem saber, só querem poder continuar a votar em plena ignorância.

    O país é aquilo que os idiotas e os burros querem. Nem mais, nem menos.

    Toma lá uns quantos helicópteros Kamov para a guerra dos nazis, e vai combater incêndios com pás e baldes de água…

    Toma lá uns biliões para as vacinas experimentais da Pfizer e companhia, e vai morrer à espera nas urgências fechadas ou nas cirurgias com meses/anos de espera…

    Toma lá umas borlas fiscais para milionários nas casas e IRS, e para bilionários no IRC e no offshore da Madeira, e vai trabalhar +40 horas por semana em total precariedade e com um salário que nem te deixa viver na cidade onde sempre viveste…

    Quem é que escolheu este país? Foram os ET vindos de Marte? Não. Foram os Portugueses. Un colectivo de +9 milhões de eleitores burros que nem calhaus e teimosos que nem camelos. Portugueses cuja “informação” é a novela, a bola, o reality show, as f3stas populares infestadas de pimbalhada, e as Fake News dos bordéis RTP, SIC, TVI, CNN, Now, CMTV, Euronews, etc, e a bolha “informativa” dos intrumentos do império: Facebook, X, Instagram, Youtube, etc.

    Não se queixam do Montenegro, do Costa, do Ventura, e companhia. Queixem-se só de vocês próprios!
    Quem sabe que há tantos casos de sem-abrigo na área metropolitana da Grande Lisboa, e bate palmas ao gasto de centenas de milhões para um altar-palco e uma festa de 1 fim-de-semana, e faz isto sem ter noção nem se revoltar, então não vale nada.
    E os países só valem aquilo que o seu povo vale…

    Um povo mais preocupado em ver se só os seus filhos (e não os filhos dos outros) ficam mas escolas do topo dos rankings, em vez de ser um povo que se assegura que tem um sistema de educação de topo para todos, onde o dinheiro não decida as oportunidades.
    Um país assim não tem futuro.

    • Então o CU (candidato único) Ventruja vai dar a mão ao Montesnegros para facilitarem a especulação imobiliária e as grandes negociatas dos fundos de investimento internacionais enquanto culpam a imigração de gente pobre pelos problemas da habitação (escassez, preço das rendas, custo de construção, tributação)?
      Faz lembrar os “grandes líderes europeus” que culpam o automóvel da arraia miúda por poluir as cidades, aumentar os gases com efeito de estufa e pelas alterações climáticas, mas andam sempre em carros de alta cilindrada, voam frequentemente em charters privados e jactos, e promovem a corrida aos armamentos, como se os aviões de guerra e carros de combate e tanques, os submarinos nucleares e navios de guerra mais recentes funcionassem com energias “limpas” e não fossem altamente poluentes, ainda para mais usando metais raros, e os mísseis altamente destrutivos e prejudiciais, e tudo isto fizesse muito bem ao ambiente e aos ecossistemas, contrariando as alterações climáticas.

      Não é Portugal que está de tanga, como dizia o cherne quando chegou a Primeiro Ministro e antes decse pisgar directamente para a Presidência da Comissão Europeia. A Europa da “convergência”, “do ambiente” e do “desenvolvimento sustentável” é que é uma grande tanga para enrolar pategos, para os fazer andar a pé enquanto a Ursula e os “grandes líderes” fazem uma cimeira a cada semana, ou duas, voando de jacto de um lado para o outro com uma pegada carbónica maior que a do Bigfoot e a do Ciclope juntas.
      Se ainda não perceberam o logro desta UE de agiotas capitalistas extorsionários, que vão chupar os europeus até ao osso para enriqueceram os eurocratas, tecnocratas a soldo como as Lagardes, Kallas, Metsolas, e sobretudo quem os e as manipula, então deixem-se estar sossegados, que o CU, a Le Pen e restante camarilha de serviçais das grandes corporações já tratam de vocês, e dos restantes pategos.

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