(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 10/02/2017)
É sempre muito surpreendente o espaço que jornais, rádios e televisões dedicam ao sobe e desce diário das acções na bolsa de Lisboa. E é surpreendente porque desde que começou o século XXI, a bolsa portuguesa não tem feito senão minguar, minguar, minguar, a tal ponto que hoje em dia bem se poderia acabar com ela que pouca gente daria por isso.
Sim, houve os tempos áureos do capitalismo popular e do início do processo de privatizações na segunda metade dos anos 80 e nos anos 90, em que pesos pesados públicos entraram na bolsa como a PT, a EDP, a REN, além de grandes bancos privados como o BCP, o BES, o BPI e empresas com forte presença no tecido produtivo nacional, como a Sonae ou a Jerónimo Martins.
Sim, houve tempos em que a compra e venda de acções fervilhavam e os corretores e os bancos não tinham mãos a medir. Alguns dos corretores tornaram-se mesmo estrelas mediáticas, como Pedro Caldeira, cuja corretora acabou mal, deixando um rasto longo de lesados.
Era o tempo em que só no mercado de negociação em contínuo havia cerca de 80 empresas e no mercado não oficial havia mais umas três dezenas. As sete OPV (Ofertas Públicas de Venda) que Belmiro de Azevedo fez quando Miguel Cadilhe era ministro das Finanças e que lhe permitiram levantar “uma pipa de massa” foram o sinal para que muitos empresários quisessem igualmente colocar as suas empresas em bolsa, onde viam a possibilidade de captar muito investimento a um custo bastante mais baixo do que se o fizessem junto do sistema bancário.
Contudo, a adesão de Portugal ao euro a partir de 2001 fez baixar drasticamente as taxas de juro, tornando mais competitivos os financiamentos bancários. A banca, que via na bolsa um concorrente forte, aproveitou a oportunidade e começou a minar o mercado de capitais, lembrando aos empresários que, no caso de colocarem as suas empresas em bolsa ficariam sujeitos a regras de supervisão e de transparência bem mais exigentes do que se optassem por se endividar junto dos bancos. Ao mesmo tempo, o capitalismo popular diminuiu drasticamente e o entusiasmo dos investidores privados com as acções também caiu, dada a menor rentabilidade que apresentavam e a liquidez reduzida em muitos casos.
E assim, pouco a pouco, com uns escândalos à mistura, lançamento de OPAs sobre a totalidade do capital que as autoridades não obrigaram a que fossem feitas, emissões obrigacionistas que não foram pagas, acções que sofreram fortes desvalorizações, os pequenos e médios investidores afastaram-se do mercado de capitais e os empresários começaram igualmente a fugir dele.
Chega-se pois a 2017 numa situação em que o principal índice bolsista nacional, o PSI-20, não tem 20 empresas, mas 17. E das 17 que tem, os títulos verdadeiramente líquidos e interessantes não chegam a dez. E no total há cerca de 30 empresas cotadas no mercado de cotação em contínuo. O sinal mais evidente do desprestígio a que a bolsa chegou é o facto de Maria João Carioca ter aceite a presidência da Euronext para seis meses depois se demitir e aceitar um cargo de administradora na Caixa Geral de Depósitos liderada por Paulo Macedo.
Resumindo e concatenando, a bolsa portuguesa é tão real como o rato Mickey: trata-se cada vez mais de uma ficção, que pouco interessa.
É por isso que faz cada vez menos sentido o espaço dos comentários e análises nas rádios, jornais e televisões sobre uma bolsa que pouco ou nada varia: todos os dos dias desce um bocadinho e está no vermelho quando todas as bolsas europeias estão no verde, e às vezes sobe um bocadinho e está no verde quando todas as outras estão no vermelho. E negócios com empresas cotadas em bolsa são praticamente inexistentes.
Ficção por ficção, sempre é mais divertido o rato Mickey – que, além do mais, é um bocadinho mais antigo que a bolsa de Lisboa.