Excel, antílope e bala dundum

(Nicolau Santos, in Expresso, 30/01/2016)

nicolau

Quando a troika aterrou na Portela no longínquo ano de 2011 e em 15 dias impôs um programa de ajustamento detalhadíssimo, a saloiice nacional veio ao de cima. Como era possível que técnicos estrangeiros desenhassem, em tão pouco tempo, um caderno de encargos com tudo o que precisávamos fazer para sair da crise e para crescermos em bases sãs e fortes, enquanto hordas de economistas nacionais nunca se tinham sequer aproximado desse nirvana?

Pois bem, agora que a poeira assentou, passados quatro anos e meio, vem o Tribunal de Contas Europeu (TCE) dizer, fazendo a análise sobre o que se passou em cinco países (Portugal, Irlanda, Letónia, Roménia e Hungria), que a Comissão Europeia não só falhou na antevisão das razões que conduziram à crise como depois falhou na forma como lidou com ela em cada um destes Estados.

O primeiro erro, com consequências trágicas, foi o dos multiplicadores orçamentais. Os programas de ajustamento foram feitos com base no pressuposto de que por cada euro cortado na despesa pública o efeito recessivo no PIB era de 50 cêntimos. Reconheceu-se depois que era entre 90 cêntimos e 1,7 euros. Resultado: as recessões foram muito mais aprofundadas e longas do que o previsto. Segundo erro: a fé cega nas folhas de Excel. Diz o relatório do TCE: “Os erros nas folhas de cálculo foram, em alguns casos, substanciais. (…) A sua descoberta não teria necessariamente levado a um aumento do montante da assistência financeira (…) mas poderia ter resultado num conjunto diferente de políticas destinadas a cobrir o défice de financiamento.” O que poderia mudar substancialmente alguns efeitos da crise. Terceiro erro: a estimativa das necessidades de financiamento. No caso português, subestimaram-se 25 milhões de euros de que o sector público de transportes necessitava, obrigando o país a ir buscar dinheiro aos mercados a taxas proibitivas. Quarto erro: o desigual tratamento. Enquanto a Portugal foram impostas 400 medidas, a Hungria teve de satisfazer apenas 60. E isto sem qualquer ligação direta com a necessidade de reformas. Quinto erro: “Nem todas as revisões das metas foram coerentes com as revisões dos saldos cíclicos.” Portugal foi obrigado a um ajustamento maior, apesar de o saldo cíclico ter melhorado e de as perspetivas económicas permanecerem idênticas.

Estamos conversados quanto à excelência do programa de ajustamento. Ah, mas os objetivos foram atingidos. Sim, mas à custa de um estrago muito maior do que seria necessário

Podem ainda acrescentar-se mais dois erros. Um tem a ver com o desconhecimento da forma de funcionamento das empresas portuguesas, muito baseado no crédito bancário. Ao obrigar os bancos a uma desalavancagem brutal num curto espaço de tempo, o resultado foi a falência de milhares de empresas e o disparo do desemprego. O outro resulta das sucessivas análises europeias e nacionais sobre a banca, enaltecendo reiteradamente a sua solidez. O resultado foi a resolução do terceiro e do sétimo maiores bancos portugueses e a necessidade de outros quatro recorrerem à ajuda pública.

Estamos, pois, conversados quanto à excelência do programa de ajustamento. Ah, mas os objetivos foram atingidos. Pois foram: quando se usa uma bala dundum para matar um antílope, o objetivo também é atingido. Mas o estrago é muito maior.


Antes que chegue a ladainha de sempre

Não tarda nada vai surgir a ladainha do costume: o Governo vai nomear os seus boys para a administração da Caixa Geral de Depósitos. É bom então lembrar que, com Passos Coelho, esta administração, liderada por José de Matos (que veio do Banco de Portugal), tinha os dias contados. Com efeito, foi o anterior primeiro-ministro que, no pleno uso das suas funções, criticou publicamente a CGD por não ter devolvido até então os €900 milhões de ajudas públicas que recebeu ao abrigo do programa de ajustamento; 2) Passos Coelho estava também irritado por a CGD não estar a financiar a economia e as pequenas e médias empresas como considerava que deveria estar a ser feito; 3) outro sinal de desconfiança foi a criação do banco de fomento, precisamente para facilitar o acesso das PME ao quadro comunitário 2020. O que se pede agora ao atual Executivo é que nomeie quem perceba a fundo de banca comercial e que o deixe escolher a sua equipa. Só uma equipa coesa, liderada por um nome de indiscutível prestígio, pode desenvolver todo o potencial da Caixa.


Bruxelas e o OE 2016

O Orçamento do Estado para 2016 é a grande batalha que neste momento o Governo tem pela frente. Bruxelas, que amochou perante as propostas orçamentais de França, Itália e Espanha, que desobedeceram frontalmente às suas diretivas, quer usar de novo Portugal como exemplo para todos os que não aceitam que o esmagamento do Estado social e os cortes em salários e pensões são a única saída para a crise. Os eurocratas de cartilha neoliberal exigem assim uma redução do défice estrutural em 0,6%.

Ora acontece, ponto um, que este indicador (o deficit estrutural) e a forma de o calcular são altamente discutíveis. E que, ponto 2, quando em 2015 o Governo do PSD/CDS não só não cumpriu a redução de meio ponto do défice estrutural como apostou num défice de 2,7% quando a Comissão queria 2,5%, Bruxelas fechou pudicamente os olhos. Por isso, este braço de ferro visa tão-somente encostar politicamente o Governo às cordas, para que os “maus” exemplos que desafiam a ortodoxia das couves de Bruxelas não medre.


filipa

O Ceaucescu é meu amigo no facebook e eu às vezes faço-lhe like porque tenho saudades dos tempos em que tomava conta de nós. Depois de o matarem emigrei para Portugal e aqui ninguém toma conta de nós. Falam dos romenos como se a Roménia fosse uma quadrilha organizada que só sabe vender hansaplast e matar velhinhos no Algarve.

Ando zangada com os portugueses, mas não ao ponto de os matar. Vou matando saudades do meu país no facebook. Às vezes faço like no Ceaucescu quando alguém partilha aqueles vídeos do Youtube com os discursos e com tanta gente na praça. O homem tinha jeito para agitar a massa. Pus um retrato dele na mesa-de-cabeceira. Está a olhar-me de lado como quem diz: come chocolates, pequena. Vou comendo oreos, gosto tanto de oreos, enquanto pinto as unhas de cor-de-rosa, a cor preferida do meu Nicolae, coitado, que nas fotografias ficava sempre assim com a carita meia descaída. Às vezes entra-me nos sonhos. Meço-lhe a tensão, pergunto-lhe se anda bem das costas, se quer que lhe pinte os lábios gordos, se foi muito difícil ser um ditador. Acaba sempre da mesma maneira: com ele a tentar pôr-me a mão nas maminhas. Ai, Nicolae, Nicolae. Imagino o trabalho que deve ter dado ordenhar um povo durante tantos anos. Alguns puseram-se contra ti mas eu cá não sou preconceituosa, dou-me com todos os ditadores da mesma maneira, até com os dos regimes democráticos.

O que querem? I like Ceaucescu.

Ai, Nicolae, Nicolae, leva-me a andar de helicóptero.

(Filipa Leal, março de 2014, in “A (s)obra cáustica do renegado Gesta”, edição do próprio Autor, João Gesta (& os melhores Amigos do mundo). A mim, por deferência do excelentíssimo Autor, coube-me o exemplar nº 15 dos 200 que tem esta primeira edição. Na Ficha Térmica (não é gralha, é mesmo Térmica), o Autor revela o país para onde vai fugir depois de receber os dólares (Rabo Verde) e deixa, de forma lancinante, “Um pedido (quase) veemente: Varoufakis, dá-me a tua camisola!”)

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