O que é preciso fazer para receber um prémio de €15,8 milhões?

Nicolau Santos

Nicolau Santos

No dia 11 de Julho de 2013, António Horta Osório recebeu em Londres o prémio de melhor banqueiro do mundo, que lhe foi atribuído pela revista Euromoney, numa escolha que envolveu a análise de cem banqueiros de todo o planeta. E a semana passada, quase quatro anos depois de ter tomado posse como presidente do Lloyds, que tinha sido intervencionado para evitar o seu colapso, Horta Osório anuncia que a instituição voltou aos lucros e que vai distribuir dividendos pela primeira vez desde 2008. Uma indiscutível história de sucesso, que lhe vai dar direito a receber um prémio acumulado de €15,8 milhões. Como referia um texto recente to The Guardian, o Lloyds bem pode mudar a sua campanha «Helping Britain Prosper» para «Helping Horta Osório Prosper». Será a ironia cáustica injusta?

Digamos que, nos tempos que correm e, tendo em atenção que o Lloyds só se aguentou porque o Tesouro britânico lhe deitou a mão em 2008, injetando-lhe 20 mil milhões de libras dos contribuintes (e ficando com uma participação no capital superior a 40%, que tem vindo a reduzir), o montante do prémio que Horta Osório vai receber é, no mínimo, obsceno – ou pornográfico, como preferirem. Mas é o que resulta do contrato que assinou (e onde são estabelecidos seis objetivos para se chegar aos prémios para a equipa de gestão) e dos resultados que obteve: o banco volta a dar lucro (mais de €2 mil milhões em 2014), as ações subiram 193% em três anos, o melhor resultado da Europa e o segundo melhor do mundo, e serão distribuídos €733,7 milhões em dividendos (dos quais 178,3 milhões para o Tesouro britânico).

Quantos despedimentos são necessários para receber um prémio de €15,8 milhões? Pois aqui as contas não enganam: são precisos pelo menos 15 mil despedimentos (e se contarmos com os 9 mil que estão na calha, representam mais de 18% dos trabalhadores que o Lloyds tinha quando Horta Osório chegou ao Lloyds)

Ou seja, como resultado do plano trianual que definiu, Horta Osório voltou a colocar o Lloyds a flutuar, através da venda de mais de 205,7 mil milhões de ativos considerados não estratégicos, do abandono de muitos mercados (o país estava em mais de 30 países, agora está apenas em seis), de redefinições estratégicas (aposta na concessão de crédito às pequenas e médias empresas, na banca de retalho, no crédito à habitação e nos serviços digitais), no fecho de agências (foram encerradas mais de 200) e, claro, em despedimentos. Desde que Horta Osório tomou conta do Lloyds foram despedidas 15 mil pessoas e o programa para os próximos três anos prevê o despedimento de mais 9 mil, num total de 24 mil pessoas, bem como o encerramento de mais 150 balcões.

Parafraseando a pergunta «quantos pobres são necessários para fazer um rico», bem se pode questionar «quantos despedimentos são necessários para receber um prémio de €15,8 milhões» (ou de 30 milhões quando se considera toda a equipa de gestão)? Pois, aqui as contas não enganam: são precisos pelo menos 15 mil despedimentos (e se contarmos com os 9 mil que estão na calha, representam mais de 18% dos trabalhadores que o Lloyds tinha quando Osório chegou).

Não se retira mérito a Horta Osório e à sua equipa. Mas é surpreendente que entre tantos elogios que lhe são dirigidos não se relevem os danos colaterais do seu sucesso. E para quem recebe um salário base de €1,37 milhões por ano e prémios da dimensão atrás descrita, o mínimo que se lhe pode pedir é um pouco de pudor quando vem a Portugal e aproveita para dizer aos portugueses que têm «progressivamente viver dentro das suas posses».

16 pensamentos sobre “O que é preciso fazer para receber um prémio de €15,8 milhões?

  1. Por cada trabalhador que despediu, Horta Osório recebeu € 1053 se não contarmos os que estão na calha. Para cada um deles ter um emprego valia seguramente muito mais do que isso. Estamos então perante um jogo de soma negativa: o benefício de Horta Osório, embora enorme, é muito inferior ao dano causado. É a economia neoliberal em todo o seu esplendor.

  2. Tenho muita consideração por o estimado Nicolau Santos.

    Tenho alguma dificuldade em perceber este artigo.

    Vamos por partes:

    1) AHO ameaçou alguém? Quero dizer, chegou a Londres e exigiu uma reunião com o governo Britânico e impôs pela força que o governo Britânico que não obedece a Bruxelas passasse a obedecer a AHO?

    2) Isto é o dia a dia sistema de governação do planeta. Que tal apontarem baterias ao sistema e começarem a apresentar soluções?

    • 100% de acordo consigo. A obscenidade da remuneração só prova que o sistema está errado, porque se tudo é legítimo e legal, então é porque a legalidade e legitimidade do sistema de repartição são, em sim, obscenas.

      • Também estou 100% de acordo consigo.
        Suspeito que a lei serve apenas para poucos dominarem muitos. Chega-se ao absurdo da lei ser feita por poucos para governarem muitos em que os fazeredores da lei são excluídos da aplicação dela.

    • E você acha todo isso normal e bom ??? Eu não ! O governo deste planeta é uma nojeira e se colocarmos uma lupa gigante sobre tudo o que implica esta maneira de proceder dos governos do mundo (que são as bolsas, os grandes bancos, mais que os governantes!) veremos que por toda a parte vigora o roubo, a canalhice, os impostos escondidos, os paraísos fiscais, e o alastrar da miséria humana. E não me venha dizer que países sairam dela, porque é e será sempre à custa duma quasi-escravatura que se instalou por tantos lugares (exemplo do Bangladesh, com as suas fábricas de texteis, que se afundam de tão sólidas(!) e fazem mais de 2000 mulheres mortas!). Não, este sistema vai acabar mal, pode crer.

  3. Há sempre duas maneiras de ver as coisas, e a perspectiva que adoptamos revela sempre muito a nosso respeito. Portanto, em vez dum artigo sobre quantos despedimentos “causou” AHO, podia a Senhor Nicolau Santos ter visto a outra perspectiva: Quantos empregos “salvou” AHO?

  4. Quantos seriam os despedimentos se eu fosse nomeado CEO do Lloyds? Provavelmente, o número total dos trabalhadores. Não tinha conseguido reestruturar a carteira de ativos do banco, não tinha conseguido reestruturar os passivos da instituição, e assim sucessivamente. Não tinha conseguido o sucesso que AHO teve, no fundo. No limite, levaria o banco novamente à falência e aí íamos todos para o desemprego – e, para bem da nossa sensibilidade, não tinha recebido nenhum prémio. O que quero dizer é que o esforço, a dedicação, a sabedoria, entre outras qualidades imagino, devem ser recompensados. E esse prémio deve ser no valor da responsabilidade e dos feitos realizados. E parece-me que não há melhor pessoa para avaliar os atos do líder executivo de uma empresa do que aquele cujos fundos estão aplicados nessa instituição, aquele que, no final, vai receber o lucro ou suportar o prejuízo. E é de todo o interesse desse acionista que não haja lugar a qualquer prémio, naturalmente. Mas se existe essa recompensa, é porque o acionista considera que foi graças ao CEO que teve lucro (ou um prejuízo menos elevado) e quer, por outro lado, incentiva-lo a continuar, ou melhorar se possível, o seu trabalho à frente da sociedade.
    O debate não deve ser feito em torno da comparação entre o número de despedimentos e o salário e prémio do gestor porque são campos que não são comparáveis. A redução do número de trabalhadores e de balcões tem como objetivo diminuir a presença do Lloyds em algumas regiões, a oferta de alguns serviços, entre outros imagino. Isto é, para os líderes da instituição a estratégia passa por reduzir a dimensão da mesma (provavelmente os executivos pensam que obterão melhores resultados se diminuírem a oferta da empresa). É uma estratégia – legítima – como existem outras. Ao mesmo tempo estão outras empresas e outros bancos a contratar trabalhadores e a abrir agências porque os seus executivos consideram que obterão melhor resultados se aumentarem a dimensão das suas sociedades. É outra estratégia.
    Trata-se de uma questão da esfera privada que diz respeito aos acionistas – entre os quais penso que também esteja o Estado britânico (desconheço em que moldes se efetuou a ajuda estatal ao banco). Naturalmente que 15 milhões de euros é um valor que o cidadão comum considera muito elevado (infelizmente, para o português comum, ter um trabalho já é um privilégio, quanto mais falarmos em bónus salariais). Mas também por definição um líder não é um cidadão comum, naturalmente. Para além de que, como o autor refere, AHO é um dos melhores gestores/banqueiros do mundo (i.e., mesmo dentro da categoria “líder” AOH se destaca pelo que também é natural que receba ainda mais do que a média dos líderes ou a média dos banqueiros).

    • O seu comentário é curioso:
      1) E que prémio daria você a quem conseguisse os mesmos resultados, ou melhores, não despedindo ninguém ou muito menos gente?
      2) Acha que tal não seria possível? É um contraditório que não pode ser feito, mas, à priori é sempre possível fazer melhor.
      3) Diz que a questão é do foro privado e depende da vontade dos acionistas. Teria razão se os dinheiros públicos não tivessem sido chamados a salvar o banco. Quer dizer: os lucros e a sua distribuição são do foro privado e os prejuízos são do foro público. Olhe, quando um banco estiver com problemas, o que deveria ser dito pelos Estados, é aquilo que você diz: É um problema dos acionistas.
      4) O que você não vê, ou não quer ver, é quando a uma atividade, como a banca, tem por objeto de negócio um “bem público”, como é a confiança, a qual gera externalidades positivas ou negativas de monta elevada, as suas ações e decisões, nunca são apenas um problema “privado” dos acionistas. Como se vê pela existência do princípio que leva à existência de reguladores do mercado.
      5) A questão é que os reguladores nada regulam e, por norma, são coniventes com os abusos dos regulados.

      • O problema do presente debate é que estamos a tentar estabelecer uma relação de causalidade entre as condições salariais de um executivo e o número de trabalhadores despedidos da empresa quando na verdade se tratam de dois universos separáveis entre si. O prémio atribuído a AHO não foi x porque os despedimentos que decidiu foram y. Por um lado temos os resultados do banco (sobre os quais se baseia o bónus) e por outro temos uma medida implementada no âmbito de uma redefinição estratégica da instituição (que infelizmente se traduz no despedimento de milhares de trabalhadores). Não faz sentido quando V. Ex.ª sugere que poderia haver outra estratégia (que não exigisse despedimentos) que alcançasse os mesmos resultados pela razão de que se o plano era reduzir a extensão dos serviços bancários oferecidos (ou porque não eram rentáveis ou porque não conseguiam em algumas áreas e em algumas regiões enfrentar a concorrência de outros bancos ou porque os clientes não estavam interessados em determinados serviços, etc) então essa orientação também teria de incluir uma redução dos trabalhadores, de dependências bancárias, de escritórios, entre outros. Ainda no primeiro argumento de V. Ex.ª, este sofre de sustentação teórica e prática pelo motivo de que se fosse óbvia uma alternativa à gestão do Lloyds que não incluísse despedimentos e que alcançasse os mesmos resultados então a mesma seria naturalmente implementada por se tratar de um movimento em que todos ficariam melhores (movimento de Pareto).
        Toda esta questão desenrola-se dentro da esfera de decisão dos acionistas, a quem cabe a decisão de perder 30 milhões de euros do seu lucro para compensar os gestores responsáveis pelo plano estratégico que conduziu a instituição aos lucros. E este sucesso foi também bom para o acionista Estado, que recebeu 180 milhões com a distribuição dos dividendos. Apesar de representar um divagação face ao debate inicial, concordo com V. Ex.ª no sentido em que não é justo que quando haja lucro estejamos perante um caso do setor privado e em momentos de prejuízo têm de ser todos os contribuintes a suportar esse fardo. Contudo, percebemos que não é assim. Nem os britânicos vão pagar os prejuízos do Lloyds registados nos últimos anos como até vão lucrar com o empréstimo que concederam ao banco. Mas concordo com V. Ex.ª quando refere que terão de ser também os acionistas a suportar as perdas.
        O problema é que, como refere e bem, o sistema financeiro é o setor intermediário por excelência, cujo ativo de maior valor é a confiança, e sobre o qual recaem todas as atividades económicas. Sem sistema financeiro não existe uma economia desenvolvida. Por essa razão é que os bancos quando se encontram em apuros são auxiliados pelos Estados, ao contrário de outra empresa qualquer. E também por isso, é um setor fortemente regulado face à generalidade da economia. Mas ao trabalho dos reguladores não se deve pedir que limitem o salários dos trabalhadores das instituições financeiras. Aos reguladores exige-se que determinem as regras do jogo para que, de acordo com as quais, os jogadores possam atuar. Porque se o Lloyds, entre outros bancos, tiveram de ser intervencionados foi porque houve falta de regulação (não sei se ao nível de legislação ou se ao nível da atuação, ou dos dois) e não porque os gestores tinham salários elevados.

  5. 15 mil despedimentos e não há um gajo que lhe dê um tiro nos cornos!? No mínimo um taco de basebol em cheio nas rótulas, ou então 10% do chorudo prémio recebido…. Esta maltosa é apenas uma pequena parte do esterco deste liberalismo criminoso. O tempo o dirá, mas não tardará muito, para que o ocidente se transforme num campo de batalha onde o extremismo e a violência reinará. Não haverá fuga possível, nem na Conchinchina!…

  6. No fundo Horta Osório aplicou apenas um teorema Todos nós que tivemos que fazer a cadeira das matemáticas. sabemos ao estudarmos sucessões, funções, etc que a/0= infinito. Diminuindo o número de trabalhadores de (1) banco até (0) isto é não havendo ninguém a trabalhar o activo do Banco cresce a valores inconcebíveis!!! Penso ser esta a teoria do neo-liberalismo ! Julgam que isto é uma brincadeira? Provem-me lá matematicamente que isto não é verdade. Dou um doce a quem fizer uma demonstração que não tenho razão
    a= um número real

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