Feios, arruaceiros e maus

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 28/04/2023)

Miguel Sousa Tavares

O problema secular das democracias é terem de tolerar e de viver com quem não é democrata mas apenas se aproveita das suas liberdades e, na primeira oportunidade, em podendo, trata logo de suprimir a democracia e a liberdade dos outros. Por isso é que só depois de muitos e muitos anos, de várias gerações educadas na cultura democrática, é que começamos a acreditar que ela está consolidada e é imune a crises, a populismos ou a modas. A nossa democracia, que “apenas” tem 50 anos, é um bom exemplo disso, continuando a ser uma democracia em processo de educação colectiva e individual. Portanto, quando todos os anos se pergunta aos portugueses se estão satisfeitos com o 25 de Abril, uma larga franja responde que não, porque confunde a democracia e a liberdade de que goza — a razão primeira do 25 de Abril — com a conjuntura económica ou com o seu bem-estar pessoal, coisas com as quais os portugueses jamais estarão satisfeitos ou acharão que lhes cabe alguma responsabilidade, mesmo após terem recebido 150 mil milhões de euros de ajudas europeias ao longo de 37 anos. Para o português comum, a culpa do nosso crónico atraso é sempre “deles”, enquanto o mérito de vivermos em liberdade é do povo, a quem, segundo Marcelo, pertence o 25 de Abril — muito embora não se consiga escamotear que, se no dia 1 de Maio de 1974 havia 8 milhões de portugueses antifascistas nas ruas, uma semana e todos os anos antes havia não mais do que umas dezenas de milhares de membros activos daquilo a que se chamava a “oposição” ao regime. Mas isso, já se sabe, é História, e a História é uma infatigável lavandaria.

ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

Portanto, os nossos fascistas, de ideo­logia ou de oportunidade, sempre estiveram aí, dissimulados e contendo o seu despeito em silêncio, até que o Dr. Ventura e as redes sociais, território de eleição dos cobardes, lhes deram o conforto de poderem emergir à luz do dia, sabendo que, afinal, não estavam de todo desamparados. Mas até nisso nós somos pequenos. Eu entrevistei o dirigente regional do VOX em Madrid, nas últimas legislativas espanholas, e assisti ao comício final da campanha do VOX, em que discursaram os principais dirigentes, terminando no líder, Santiago Abascal. E o que vi e ouvi meteu-me medo, coisa que o Chega não mete nenhum. O Chega mete dó e nojo, o VOX mete medo, porque tem um discurso estruturado, duro e impiedoso, assente na História, e um programa de Governo que poderia começar a executar amanhã. Mas do Chega, nem sequer os seus fiéis seguidores, acantonados nas caixas de comentários do “Observador”, são capazes de apontar uma só ideia do que quer que seja em termos programáticos: economia, saúde pública, educação, política externa, segurança social, agricultura, am­biente. Nada. O Chega, além de estar de serviço permanente ao racismo e ao combate aos imigrantes pobres, não passa de um guarda-nocturno da política: recolhe a cada noite os despojos do dia, para então, vasculhando no caixote do lixo, desencantar qualquer pequeno escândalo ou qualquer causa populista, onde esgota toda a sua forma de estar e de “servir a pátria”.

Eu olhei para aqueles 12 alarves parlamentares, a quem a pátria, um por um, nada conhece de recomendável, entretidos a insultar o Presidente do Brasil, e só não me encolhi de vergonha porque, felizmente, Lula da Silva é bem mais inteligente do que qualquer um deles e percebeu bem que feios, arruaceiros e maus cada país tem os seus e cada democracia tem de tolerar os que tem.

Sendo, porém, inquestionável que, como diz Ventura, eles têm o mesmo direito de se sentar no Parlamento que quaisquer outros deputados eleitos, pergunta-se o que fazer com esta gente sem princípios democráticos nem hábitos de educação. Este é um tema inesgotável, e a solução não é fácil, mas, em princípio, parece-me que a saída não pode ser nem ignorá-los nem dar-lhes palco acriticamente. Por exemplo, quando Ventura cavalga o “escândalo” do perigo de prescrição de alguns dos crimes de que José Sócrates é acusado, como se a responsabilidade disso fosse do Governo ou das manobras dilatórias do acusado, é preciso contar a história toda. Começando por lembrar que Sócrates esteve preso 10 meses para que o Ministério Público investigasse à vontade. Na altura, a tese é que ele traria dinheiro da Suíça para Portugal, levando-o daqui para Paris, onde vivia, em notas acomodadas em caixas de sapatos transportadas de carro pelo seu motorista — uma tese tão anedótica que rapidamente foi esquecida. Depois passou a ser suspeito de corrompido pelas farmacêuticas, a seguir pelo Grupo Lena e pela Venezuela — teses também abandonadas. Veio então a suspeita de corrupção pela PT, activada por um simples depoimento de Paulo Azevedo, não esquecido da nega à OPA da Sonae à PT — mas essa suspeita era contrariada por todos os dados de facto da história e não havia como sustentá-la. E chegou-se enfim ao testemunho salvador de Helder Bataglia, a quem o MP suspendeu o mandado de captura internacional que tinha lançado contra ele por aventuras próprias em troca de ele vir a Lisboa implicar Sócrates como corrompido pelo Grupo BES. E nisto se gastaram cinco anos para deduzir uma acusação com dezenas de milhares de páginas, de caminho ainda cometendo o “deslize” de contrariar a regra do juiz natural para que o processo fosse parar às mãos de quem o MP queria — um “deslize” que Sócrates obviamente explorou, como era seu direito e até seu dever, recorrendo para a Relação, que não lhe deu razão mas não conseguiu demonstrar que ele não a tinha. E quando o processo chega enfim às mãos de outro juiz de instrução e este demora, salvo erro, mais um ano a conseguir digerir os milhares de páginas e todas as questões levantadas, já alguns dos crimes estavam prescritos, e o essencial do que restou Ivo Rosa estilhaçou. E o MP, tal como o arguido, obviamente, recorreu e espera. Mas tudo poderia ter sido diferente se o MP tem seguido as directivas de evitar os megaprocessos e tivesse resistido à tentação de fazer deste o “processo do regime”, metendo tudo lá dentro e passando anos a atirar o barro à parede a ver o que podia colar, em lugar de se concentrar naquilo que achava que tinha pernas para andar e avançar com isso. Não sei se Sócrates quer ou não ser julgado. Mas se acabar por não o ser é uma vergonha para a Justiça, e o responsável é o MP. É função da imprensa contar a verdadeira história e nisto, como no resto, desarmar as falsidades e o populismo fácil do Chega e dos seus seguidores.

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2 Consta que reina uma efusiva alegria no MNE a propósito da “vitória” da nossa diplomacia sobre a brasileira, consumada na inclusão da palavra “justa” a acrescentar à palavra “paz” no comunicado conjunto da visita de Lula a Portugal. Nós teremos imposto o acrescento de “justa” à afirmação de que é necessário procurar uma solução de paz para a guerra na Ucrânia, e isso terá sido uma vitória, saudada até em Bruxelas. Pois, talvez, fiquem então muito contentes. Mas também, que eu saiba, é a primeira vez que Portugal ou um país europeu reconhece por escrito a necessidade de se encontrar uma solução de paz — e essa não é ideia nossa, mas do Brasil. Que seja justa, sem dúvida, mas só se pode chegar lá começando a negociar. E, para isso, é preciso começar a pensar em parar a guerra, como sempre se faz antes de negociar. Porque da frase de Nuno Severiano Teixeira, que já vi citada duas vezes (“Se a Rússia parar, acaba a guerra; se a Ucrânia parar, acaba a Ucrânia”), só esta última parte é verdadeira: se a Rússia parar, nem assim acaba a guerra.

3 Vêm aí os célebres radares de velocidade média, a última invenção da Prevenção Rodoviá­ria Portuguesa para fazer do uso do carro um negócio de extorsão pública ainda mais assanhado do que já o é. Se estivessem antes empenhados em tornar as estradas mais seguras, conforme é sua obrigação primeira, eu poderia indicar-lhes centenas de locais onde a sinalização ou a falta dela é um convite ao acidente. Mas é mais rentável instalar um radar na A6, por exemplo, onde em 90% do tempo o único perigo é adormecer ao volante.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

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13 pensamentos sobre “Feios, arruaceiros e maus

  1. 1 – A maioria dos nossos democratas acharam-se muito dignos no seu papel de recusar ao Chega uma vice-presidência na AR; tiveram-no por não digno de usufruir do respeito por uma das mais comuns das regras institucionalizadas.
    Pois se os do Chega os acham agora indignos de lhe merecerem respeito… estranham.
    E o casseteiro arvorado em indignado, prosseguirá seu magistério de ‘quem … não sei quê, leva’

  2. 2 – À Rússia só se lhe conhece a caminhada feita, não o destino.
    Certo é que:
    – por onde passou sempre desprezou leis e regras.
    – por destino parece ter os lugares que destine a outros.

    • E por onde andou tanto a Rússia, que tantas regras desprezou? Não me diga que foi pelos quatro cantos do mundo? Com bombas atómicas, golpes de estado, guerras por procuração, invasões por encomenda…

  3. «da frase de Nuno Severiano Teixeira, que já vi citada duas vezes (“Se a Rússia parar, acaba a guerra; se a Ucrânia parar, acaba a Ucrânia”), só esta última parte é verdadeira: se a Rússia parar, nem assim acaba a guerra.»

    Finalmente vejo isto dito de forma clara na imprensa main stream. É só dito pelo MST, mas já é um progresso. De facto, a guerra não pára se só um lado parar. Muito menos tratando-se do lado que não provocou nem iniciou a guerra. Se a Rússia parar, os UkraNazis com ajuda da NATO continuarão a guerra e farão uma limpeza étnica no Donbass e iniciarão uma guerra nuclear em nome do território da Crimea.

    O fim da provocação ameaçadora da NATO, e o fim da agressão genocida dos UkraNazis, de facto, não depende da Rússia. A não ser que a ameacem e ataquem ao ponto desta ter de usar armas nucleares. Se calhar, como disse o Hugo Dionísio sobre o que os EUA escondem em Energodar, é mesmo esse o objectivo… Eu duvido é que a Rússia siga o plano dos EUA, de só bombardear o vassalo proxy Ucrânia, e deixar os responsáveis imunes ao poder nuclear Russo. Se os UkraNazis pisarem o risco dos riscos, vamos todos desta para melhor…

    Quanto ao ponto 1, para além das sempre justas críticas aos fascistas do Chega (tão capitalistas, €Uropeístas e pró-NATO quanto Meloni ou Macron ou A.Costa, pois no final de contas, nas grandes questões, é tudo a mesma corja do império genocida ocidental), no resto do texto só leio preconceitos e asneiras por parte do MST.
    Qual é a “liberdade” de estar num regime (o império genocida ocidental) em que Assange está preso, e a RT está censurada em violação da Constituição de Portugal, a mando dos NÃO-eleitos de Bruxelas?
    Qual é a “democracia” de ter um povo quase todo manipulado pela máquina de propaganda do regime, sem saber a verdade do que se passa no Mundo?
    Qual é a “representatividade” de uma lei eleitoral que dá “maioria” a um partido que só teve 41% dos votos (de 21% dos eleitores), e para chegar a essa vergonha, teve de atirar para o LIXO mais de 700 mil votos que os Portugueses deram aos partidos outros partidos nem rosa nem laranja?

    O 25-Abril está mais que morto e enterrado. A Liberdade está limitada. A Democracia é uma farsa. E a Constituição é verbo de encher. É urgente uma revolução que traga o 25-Abril de novo à vida. Só mesmo os privilegiados e os sem-noção (e o MST é ambos) é que podem dizer o contrário.

    Quanto aos milhares de milhões que “vieram” de Bruxelas, o MST sofre a mesma doença dos restantes €Urofanáticos: só vê e só ouve o que passa na missa da sua igreja.
    Então e quantos milhares de milhões é que Portugal perdeu devido à desindustrialização que esses fundos exigiram? Devido ao corte de salários? Devido à recessão para “salvar o €uro” (ao mesmo tempo que na idiotolândia tuga se dizia que era para “pagar a dívida do Sócrates”)? E o que Portugal perdeu nos juros pagos pela dívida aos “parceiros” Europeus? E o que Portugal perdeu devido à emigração forçada pela austeridade? E o que Portugal perde e continuará a perder enquanto não sair da €Uroditadura da moeda única? No deve e no haver, duvido que Portugal tenha ficado a ganhar um cêntimo sequer. Pelo contrário, perdeu muito! Se alguém ganhou, foram as “elites” e os empresários “empreendedores” sempre na linha da frente para mamar os ditos fundos… Mas esta verdade é demasiado inconveniente para os beatos da igreja €Urofanática.

    • “Sendo, porém, inquestionável que, como diz Ventura, eles têm o mesmo direito de se sentar no Parlamento que quaisquer outros deputados eleitos”

      Não, não têm. A Constituição proíbe as organizações e partidos racistas e/ou fascistas, como tal o Chega nem sequer devia ter sido legalizado.

      Estando legalizado, devia ser esse erro corrigido o mais depressa possível.

      Se não é corrigido, das duas uma: ou se prende os “juízes” do Tribunal Constitucional, ou o país ganha noção e deixa de celebrar o 25-Abril e enterra de vez a Constituição de 1976.

      Mas se escolherem a segunda opção, é nosso dever (nosso, dos únicos democratas que existem e que realmente defendem a democracia: os anti-fascistas que levam sério o paradoxo de Karla Popper), como dizia é nosso dever pegar em armas e chaimites novamente e de forma inadiável…

      Se pessoas como o MST, em nome da sua “democracia liberal” ou “liberalismo democrático” não percebem isto, então não percebem nada.

      Diz ele que tem medo do VOX, mas não do Chega. Claro, as elites sem noção de Portugal nunca tiveram medo do fascismo. Ou o negaram e continuam a ser negacionistas (tipo Rui Rio e todos os fans de Sá Carneiro e da Ala Liberal), ou chegaram mesmo a colaborar com os fascistas, fazendo denúncias à PIDE e ainda hoje repetindo as conversas da treta de que “um Salazar em cada esquina é que isto precisava”.

      E como sabemos, e pelo menos aqui o MST acertou, se Portugal depender desta gente, não teria 25-Abril nem em 1974, nem em 2074… Viveria na mesma, resignado, calado, acomodado, em negacionismo, em cobardia, e até em colaboração com o ataque da PIDE (muito ajudada pelas polícias e Intelligence de outros países da NATO) contra os verdadeiros democratas: os que passam das palavras à acção e sempre guiados pelo princípio fundamental do anti-fascismo, sem o qual qualquer regime está condenado a voltar aos tempos mais negros da história.

      Se não percebem isto, não percebem nada. Por isso é que anda tanto idiota por aí a prestar vassalagem a fascistas, a imperialistas genocidas, e a nazis. Mas o Lula e o PCP e os generais que dizem as verdades é que são os “mais” e os “putinistas” por apelarem ao bom senso, à verdade dos factos, e à paz.

      Qualquer dia os Portugueses ainda vão viver num país com 4.5 milhões de pobres (antes de apoios sociais) e ser convencidos pela propaganda do regime de que isso é um sucesso…
      Qualquer dia acaba-se o direito ao pão, à saúde, à habitação, e ao voto representativo, e mesmo assim vão chamar-lhe “democracia” liberal…
      Qualquer dia o 25-Abril estará mais que morto, mas a maioria do povo iludido continuará a levá-lo pelos ombros como no filme “Fim de semana com o morto”.

      Próximo passo: Portugal aceitará na UE uma ditadura que glorifica o nazismo, tenta fazer limpeza étnica numa das suas regiões, e ilegalizou partidos democráticos. E essa UE, com Comissão NÃO eleita e eleições Parlamentares com 70% de abstenção, comandará a nossa vida na totalidade.
      E será apenas um braço financeiro da NATO na guerra permanente do império genocida contra os povos não-ocidentais. Não sei se prestaram atenção ao Borrel a dizer que é preciso a UE ter navios de guerra a patrulhar às águas da China…

      Vou portanto hoje um pouco mais longe: quem neste momento não é a favor de uma revolução em Portugal e no Ocidente que mude profundamente o regime, é anti-democrata.
      O Salgueiro Maia dizia que “o MFA não fuzila ninguém”. Se calhar estava certo nessa altura. Mas pelo menos podia tê-los prendido em vez de os deixar fugir e andar à solta para nos trazer de volta ao “estado a que isto chegou”…
      Se o 25-Novembro nos impediu de sair da NATO, olhando para o que se passa hoje, temo bem que foi logo aí que começaram as facadas nas costas do 25-Abril. Sobreviveu ao longo de décadas a um e a outro golpe. Mas não sobreviveu ao belicismo NeoCon USAmericano e ao renascimento do nazi-fascismo na Europa financiado e armado por esses mesmos NeoCon.

      Abram os olhos, carago! Mas abram-nos enquanto ainda vamos a tempo!! Se só os abrirem quando a “guerra colonial” do nosso tempo estiver em marcha, e o Chega no poder em Portugal (e as Melonis e Le Pens e Dudas e Zelenskys e Leyens e Stoltenbergs e Sunaks, etc, no poder autoritário à nossa volta), será tarde demais.
      Começo hoje a perceber um bocadinho da frustração e ansiedade que Maia e Otelo e companhia sentiram. Só falta ser mobilizado para a guerra… o que, ouvindo os lunáticos que por aí andam, desde o BE até ao Chega, passando por tudo pelo meio, não deve faltar muito… Quando o regime é péssimo e o povo é mole, sentir que somos dos poucos com olhos abertos, é um sentimento esmagador.

  4. A democracia não deve ser confundida com uma república com vocação democrática. Nenhum país foi alguma vez democrático e provavelmente nunca o será. Uma democracia, em termos simples, é “por todos e para todos, em todos os domínios”.
    Para que isso aconteça, seria necessário, em primeiro lugar, um instrumento de decisão universal, reactivo (e, portanto, informatizado), inviolável e utilizado por todos.

    Primeiro problema!

    Em segundo lugar, as pessoas teriam de ser mentalmente sãs e intelectualmente capazes de compreender os meandros de cada problema e situação. Por conseguinte, seria necessário, por um lado, uma população instruída e, sobretudo, uma população objectivamente informada para que cada um possa fazer as perguntas certas e tirar as suas próprias conclusões.

    E este é o grande problema. Num mundo capitalista e hierarquizado, onde algumas pessoas herdam propriedades, lugares em escolas de prestígio ou mesmo o título dos seus pais (por exemplo, em Portugal, os nossos queridos políticos, mais de metade dos quais são filhos de políticos), essas pessoas não têm qualquer interesse em educar e informar aqueles que não beneficiam desses privilégios, a fim de os manterem para si próprios, muito pelo contrário.

    Diria mesmo que, mesmo que todos estivessem dispostos a tentar, não seria possível, pois cada um de nós está limitado pelo tempo que pode dedicar à sua aprendizagem, não se pode ser especialista em todos os domínios e, por conseguinte, a opinião de um (o mais instruído no assunto) vale mais do que a opinião do outro.

    (Democracia) e, mesmo que pareça complexo ou idealista para alguns, penso que há uma forma de a ver chegar.

    Há que dizer também que nem toda a gente partilha os mesmos ideais sobre a democracia. Em alguns países do Médio Oriente e de África, há quem seja mais favorável a uma ditadura iluminada como a de Gamal Abdel Nasser ou de Thomas Sankara do que à democracia.

    O modelo democrático em si não é mau, mas a forma como o Ocidente, e em particular os EUA, o tentaram impor noutras partes do mundo (com consequências desastrosas) não ajudou à apreciação deste modelo, que é infelizmente visto como “um instrumento do imperialismo ocidental”.

    A democracia nunca funcionará sem prosperidade económica, a prova é que a maioria dos migrantes não vem de países em conflito como o Afeganistão. A democracia é um sistema bonito, mas foi pervertido, países foram arruinados por causa da democracia feita no Ocidente…

    O problema está geralmente ao nível da definição do conceito porque para alguns, o que não é ocidental não pode ser democrático, ou seja, ser democrático é ser um discípulo submisso do Ocidente se não for ocidental.

    No entanto, o actual sistema eleitoral Português (que é muitas vezes erradamente equiparado à nossa democracia), devido aos defeitos do sistema de votação, impede em grande parte a expressão do povo – e um cidadão Português cuja expressão se limita a “votar útil” ou “votar contra” de 4 ou cinco anos, e cujos representantes eleitos não são obrigados a alinhar as suas ações com as suas promessas, pode legitimamente perguntar-se se vive numa democracia.

    Recusar participar num processo eleitoral viciado pode muito bem ser o sinal de uma verdadeira exigência democrática, um apelo a repensar o funcionamento das nossas instituições, cuja inércia e incapacidade de se questionarem são, na minha opinião, as verdadeiras causas do carácter viciado da nossa democracia.

    Há muitos atalhos e ideias preconcebidas, por exemplo, no facto de se prescindir das definições dos extremos (direita e esquerda) tal como no facto de se prescindir da definição do conceito de cidadania que é, no entanto, a base da democracia porque, de facto, se o voto é a expressão formal da democracia, a compreensão dos desafios políticos e a formação de cidadãos com espírito crítico são a sua essência.
    Note-se que a crescente consideração das “minorias” (étnicas, sexuais, religiosas) não é um ponto positivo para a organização democrática dos poderes, antes pelo contrário, pois o contrato democrático é, por si só, o de dar importância à expressão maioritária, o que já levou alguns a dizer: “a democracia é a ditadura do maior número”.

    “A participação e a responsabilidade de todos”, precisamente.
    mas quando os detentores do poder real praticam o exílio fiscal e a fuga às responsabilidades sociais , será saudável e pertinente pedir à maioria desfavorecida que se comporte como se as instituições fossem trabalhar por si próprias para criar uma sociedade unida, enquanto ela for dócil?
    A República tem grandes princípios etéreos, mas ao recusar-se a concretizá-los, ao tolerar os direitos, só demonstra aos seus cidadãos a sua hipocrisia, ou mesmo a sua vacuidade.

    A democracia, na sua forma, é apenas o domínio da maioria sobre a minoria votante, e dizer que as “verdadeiras democracias” têm bons valores e são abertas é realmente má fé quando vemos que são as primeiras a praticar espionagem de estados na liderança, desestabilização de estados e regiões quando esses países vão contrariar os seus interesses económicos, distribuição de exércitos a criminosos e terroristas (rebeldes líbios hoje terroristas no Sahel apoiados e armados pela NATO 2011, os Talibãs apoiados e armados pelos EUA nos anos 90) e falam-nos de direitos humanos e democracias, textos escritos numa América segregacionista e numa Europa imperialista dos anos 40, o sistema não mudou, apenas passámos de uma dominação miliar para uma dominação económica apoiada na desestabilização em que o Ocidente é o maestro e os compositores são hoje os grandes financiadores…

    “A implantação da democracia pela força é igual ao terrorismo ou a uma ditadura interna.

    O que a Rússia está a fazer na Ucrânia é muito mais parecido com o que os Estados Unidos estão a fazer e, além disso, é uma medida para se protegerem do seu modelo invasor. Mesmo que invadir um país soberano seja uma violação e que qualquer guerra seja monstruosa, ver a Rússia como única responsável é ser cego.
    Em terapia, diz-se que tentar ajudar alguém que não quer é uma forma de violência, nem mais nem menos.
    Na realidade, os Estados Unidos nunca quiseram impor uma democracia, têm interesses geopolíticos ocultos ou de pilhagem de recursos.

    É de salientar também que a democracia tem o seu preço para os países em desenvolvimento, faz mais mal do que bem, este é um grande revés da democracia, porque um povo sem instrução, pobre, atingido por catástrofes e explorado fará sempre más escolhas nas eleições e daí resultarão leis injustas, um Estado fraco, presa das neocolónias ocidentais.

    Excepto que a democracia ocidental – que deveria chamar-se “Estado de direito”, com todas as conotações quase religiosas que o conceito agora encerra – se tornou ela própria autoritária, ignorando as legítimas reivindicações dos povos. Por conseguinte, a dicotomia em que se baseia não funciona. A verdadeira oposição não é entre democracia e regimes autoritários, mas entre Estados de direito autoritários e pós-democráticos (Europa de Maastricht), por um lado, e Estados antidemocráticos autoritários, por outro.

    • Boa dissertação. Dá para iniciar uma boa discussão.

      Começo só com um parêntesis para falar sobre a guerra na região da Novorússia (a metade da Ucrânia contra a qual foi feito o golpe Maidan). O que a Rússia está a fazer é defender-se da agressão da NATO, e a defender o povo do Donbass e a prevenir a invasão da Crimeia. A Rússia esperou 8 anos após o golpe Nazi+CIA e só fez a intervenção militar DEPOIS dos UkraNazis violarem a paz e bombardearem novamente o povo do Donbass. Se o “estado de direito” ocidental crítica isto, e se isto viola os “direitos humanos” da ONU, então não é a Rússia que está errada, mas sim todo o actual sistema internacional.
      A alternativa às intervenção Russa seria ver acontecer, sem nada fazer, no Donbass e Crimeia, o mesmo que acontece no Apartheid Israelita invasor: o país “legal” (Israel num caso, ditadura UkraNazi no outro) a fazer uma invasão e um genocídio do país “ilegal” (Palestina num caso, Donbass e Crimeia no outro).

      Quanto à dicotomia, não aceito sequer que ela exista. Até porque não há apenas dois sistemas, nem o Estado de Direito é exclusivo do Ocidente. Contrario-te completamente nessa conclusão.

      Por exemplo, onde há mais Estado de Direito? Numa Cuba em que apesar do sistema de partido único as pessoas de todas as localidades são representadas e decidiram que não deve haver um único sem-abrigo na ilha; ou num Portugal onde há tantos partidos, mas ficam 700 mil eleitores sem representação e mais de 4 milhões nem sequer votam (pois não acreditam nos partidos nem no sistema), e onde apesar da Constituição dizer que a habitação é um “direito”, há pessoas sem-abrigo por todo o lado?

      Ou noutro exemplo: o cidadão pró-Russo da Crimeia que pode votar num referendo livremente e em paz, pelo seu direito humano à autodeterminação, vive num “estado anti-democrático autoritário”; mas o plebeu vassalo dos EUA que vive na Europa e não pode sequer votar para escolher a Comissão Europeia, se entra ou não no €uro, se adere ou não à Constituição Europeia (e os poucos povos que puderam votar, viram as suas escolhas violadas) e têm hoje todos de obrigatoriamente apoiar uma ditadura Ucraniana nascida de um golpe Nazi com interferência ilegal dos EUA, estes plebeus é que vivem no tal “Estado de Direito”?

      Eu vou assim propor-te uma conclusão diferente para a tua tese:

      – há regimes que violam os direitos dos seus cidadãos, mas só o fazem dentro de fronteiras, e não atacam mais ninguém; Ex: Coreia do Norte. Afeganistão.

      – há regimes que protegem os direitos dos seus cidadãos, mas violam os dos que vivem fora da sua fronteira; Ex: países Nórdicos com boa classificação democrática mas que participam na NATO. E CEE (pré-Maastricht).

      – há regimes que violam os direitos de toda a gente, excepto da oligarquia dominante. Ex: EUA. E UE (pós-Maastricht).

      – há regimes que defendem ou violam direitos das pessoas consoante a etnia, língua, e religião. Ex: Apartheid de Israel, e golpistas glorificadores do Nazismo da Ucrânia.

      – e há países que defendem os direitos de todos os povos, excepto da minoria que é favorável ao regime inimigo. Ex: Cuba.

      Não há nem nunca houve um único regime no Mundo, que tenha defendido os direitos de toda a gente de forma igual, exemplar, e sem excepções. Isso é uma utopia.

      E mesmo na tal Democracia avançada e mais directa que propões, por mais perfeita que seja a implementação do regime político e do sistema económico, haverá sempre a chamada “ditadura da maioria”.

      Assim sendo, dentro de cada fronteira, resta-nos escolher que tipo de ditadura queremos: a ditadura da maioria (democracia directa, Apartheid), a ditadura da burguesia (democracia liberal, monarquia), ou a ditadura do proletariado (democracia socialista, ditadura comunista). E isto é só para definição interna.

      Depois, para definição externa, temos a escolher que tipo de relações diplomáticas o nosso regime deve ter: intervencionista (belicista, globalista, NeoCon, imperialista), ou internacionalista (pró-paz, globalização, anti-imperial, pró-mundo multipolar).

      O tipo de regime de cada país é assim uma intersecção destas duas definições. E o seu nível democrático tem dois eixos. No X mede a democracia nacional, e no Y mede a democracia internacional.

      Portugal só teve nota positiva no eixo Y nos anos em que pôs fim ao colonialismo e à guerra colonial. Antes de depois, a nota foi negativa. É negativa agora devido às vassalagem à genocida NATO/EUA, e foi ainda mais negativa durante o colonialismo e em particular durante o Ultramar.
      No eixo do X, teve nota mais positiva entre as eleições Constituíntes (1975) e a adesão à UE (Maastricht, 1992), e tem desde então vindo a degradar-se, considerando eu que em 2022 passou de vez a ter avaliação negativa, e sem qualquer perspectiva de recuperação enquanto não houver mudança de regime.

      Se quiseres complicar e adicionar um eixo Z, podemos ainda falar sobre o sistema de Justiça, que sinceramente deve ser avaliado à parte. Até porque há países que preferem coletivos de juízes, países que gostam de julgamentos populares (EUA), e países que misturam a lei civil com a lei da respectiva religião. E eu até prefiro um Estado Laico, mas quem somos nós para dizer que ele é melhor ou pior? Quem somos nós para impedir os Israelitas de terem um Estado Judeu, ou para impedir os Iranianos de terem um Estado com a lei Islâmica, ou para impedir o Vaticano de ser um Estado Cristão? Ou porque não falar da Concordata em Portugal… Enfim, seria pano para mangas.
      Mas a conclusão é só uma: o Estado de Direito é relativo.

      Até os Direitos Humanos são relativos. Há quem ache que a saúde é um Direito Humano (minha posição), e há quem discorde. Há quem ache que a Autodeterminação é um Direito Humano (minha posição), e há quem discorde, e há ainda a discussão, entre os que concordam, sobre quais as circunstâncias em que pode ser exercido: Kosovo vs Donbass e Crimea; Escócia vs Catalunha, Taiwan vs Transnístria, etc.

      E pronto, é esta a minha mini dissertação sobre este assunto, para contrapor à tua.

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