Zelensky armadilhado por Moscovo e Washington

(Por Thierry Meyssan, in Rede Voltaire, 22/11/2022)

O Presidente ucraniano dirigindo-se ao G20

A evolução da relação de forças no campo de batalha ucraniano e o trágico episódio do G20 em Bali marcam uma viragem da situação. Se os Ocidentais continuam a acreditar na vitória próxima sobre Moscovo, os Estados Unidos iniciaram já negociações secretas com a Rússia. Eles aprestam-se a deixar cair a Ucrânia e em deitar as culpas exclusivamente a Volodymyr Zelensky. Tal como no Afeganistão, o despertar será brutal.


Conversando, há cerca de dez dias em Bruxelas, com um chefe de bancada de deputados que diria de mente aberta, escutei-o dizer-me que o conflito ucraniano era decerto complexo, mas que a coisa mais saliente era que a Rússia tinha invadido esse país. Respondi-lhe observando que o Direito internacional obrigava a Alemanha, a França e a Rússia a aplicar a Resolução 2202, o que Moscovo (Moscou-br), sozinho, havia feito. Prossegui lembrando-lhe a responsabilidade de proteger as populações em caso de falha do próprio governo.

Ele cortou-me a palavra e perguntou-me : « Se o meu governo se queixar da sorte dos seus cidadãos na Rússia e atacar esse país, achará isso normal? ». Sim, respondi-lhe, se tiver uma Resolução do Conselho de Segurança. Você tem alguma? Apanhado de surpresa, ele mudou de assunto. Por três vezes, perguntei-lhe se podíamos abordar a questão dos « nacionalistas integralistas » ucranianos. Por três vezes, ele recusou. Despedimo-nos com cortesia.

A questão da responsabilidade de proteger deveria ter sido esbatida. Este princípio não justifica uma guerra, mas sim uma operação de policia, realizada com meios militares. É por isso que o Kremlin cuida em não designar este conflito como uma « guerra », mas como uma « operação militar especial ». As duas maneiras de falar referem os mesmos factos, mas « operação militar especial » limita o conflito. Desde a entrada das suas tropas na Ucrânia, o Presidente russo, Vladimir Putin, precisou que não pretendia anexar este território, mas unicamente libertar as populações perseguidas pelos « nazis » ucranianos. Num longo artigo precedente, indiquei que, embora a expressão «nazis» seja correcta no sentido histórico, ela não corresponde ao modo como esta gente se refere a si própria. Eles utilizam a expressão: « nacionalistas integralistas ». Lembremos que a Ucrânia é o único Estado do mundo a ter uma Constituição explicitamente racialista.

O facto de constatar que o Direito internacional dá razão à Rússia não significa que se lhe dê um cheque em branco. Todos devem criticar a forma como ela aplica o Direito. Os Ocidentais continuam a considerar a Rússia «asiática», «selvagem» e «brutal», embora eles próprios se tenham mostrado muito mais brutais em muitas ocasiões.

VIRAGEM DE SITUAÇÃO

Tendo esclarecido os pontos de vista russos e ocidentais, é forçoso constatar que vários acontecimentos suscitaram uma evolução ocidental. – Estamos a entrar no inverno, uma estação dura na Europa Central. A população russa tem consciência, desde a invasão napoleónica, que não pode defender um país tão vasto. Assim, ela aprendeu a usar justamente a imensidão do seu território e as estações do ano para vencer aqueles que a atacavam. Com o inverno, a frente fica bloqueada durante vários meses. Todos podem ver que, contrariamente à narrativa segundo a qual os Russos estão derrotados, o Exército russo libertou o Donbass e uma parte da Novorussia.
 Antes de o inverno começar, o Kremlin retirou a população libertada que habitava a Norte do Dniepre, depois retirou o seu Exército abandonando a parte de Kherson situada na margem Norte do Dniepre. Pela primeira vez, uma fronteira natural, o rio Dniepre, marca uma fronteira entre os territórios controlados por Kiev e os controlados por Moscovo. Ora, no período entre-as duas-guerras, foi a ausência de fronteiras naturais que fez cair todos os sucessivos poderes na Ucrânia. Agora, a Rússia está em posição de aguentar.
 Desde o início do conflito, a Ucrânia pôde contar com a ajuda ilimitada dos Estados Unidos e seus aliados. No entanto, as eleições intercalares nos Estados Unidos retiraram a maioria à Administração Biden na Câmara dos Representantes. Agora, o apoio de Washington será limitado. De forma idêntica, a União Europeia encontra também os seus limites. As suas populações não compreendem o aumento dos custos da energia, do encerramento de certas fábricas (usinas-br) e a impossibilidade de aquecimento normal.

 Finalmente, em certos círculos de Poder, após terem admirado o talento de comunicação do actor Volodymyr Zelensky, começa-se a questionar os rumores sobre a sua súbita fortuna. Em oito meses de guerra, ele teria ficado bilionário. A imputação não é verificável, mas o escândalo dos Pandora Papers (2021), torna-a credível. É necessário ser completamente cego para não ver as doações que chegam à Ucrânia, mas que desaparecerem nas sociedades offshore ?

Os Anglo-Saxónicos (ou seja, Londres e Washington) desejavam transformar o G20 de Bali numa cimeira (cúpula-br) Anti-Russa. Primeiro, eles fizeram pressão para que Moscovo fosse excluída do Grupo, tal como o haviam conseguido no G8. Mas se a Rússia tivesse estado ausente, a China, de muito longe o primeiro exportador mundial, não teria vindo. Assim, foi o Francês Emmanuel Macron que foi encarregado de convencer os outros convidados a assinar uma declaração tonitruante contra a Rússia. Durante dois dias, as agências de notícias ocidentais garantiram que o caso estava resolvido. Durante dois dias, as agências de notícias ocidentais garantiram que o caso estava arrumado. Mas, em última análise, a declaração final, embora resuma o ponto de vista ocidental, encerra o debate com estas palavras: « Havia outras visões e diferentes avaliações da situação e das sanções. Reconhecendo que o G20 não é o fórum para resolver os problemas de segurança, sabemos que questões de segurança podem ter consequências importantes para a economia mundial ». Por outras palavras, pela primeira vez, os Ocidentais não conseguiram impor a sua visão do mundo ao resto do planeta.

A ARMADILHA

Pior: os Ocidentais impuseram uma intervenção vídeo de Volodymyr Zelensky como tinham feito, em 24 de Agosto e 27 de Setembro, no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ora, enquanto a Rússia tinha em vão tentado opor-se a tal em Setembro em Nova Iorque, aceitou em Novembro em Bali. No Conselho de Segurança, a França, que detinha a presidência, violou o regulamento interno para dar a palavra a um chefe de Estado por vídeo. Pelo contrário, no G20, a Indonésia manteve uma posição absolutamente neutra e não arriscou aceitar dar-lhe a palavra sem autorização russa. Tratava-se obviamente de uma armadilha. O Presidente Zelensky, que não conhecia o funcionamento dessas instâncias, caiu nela.

Depois de ter caricaturado a acção de Moscovo, ele apelou para a sua exclusão do… « G19 ». Ou seja, o pequeno Ucraniano deu, em nome dos Anglo-Saxónicos, uma ordem aos Chefes de Estado, Primeiros-Ministros e Ministros dos Negócios Estrangeiros (Chanceleres-br) das 20 maiores potências mundiais e não foi ouvido. Na realidade, o litígio entre estes dirigentes não tinha a ver com a Ucrânia, mas sobre a sua submissão ou não à ordem mundial americana. Todos os participantes latino-americanos, africanos e os quatro asiáticos disseram que essa dominação acabara ; que agora o mundo é multipolar.

Os Ocidentais devem ter sentido o chão tremer sob os seus pés. Eles não foram os únicos. Volodymyr Zelensky viu, pela primeira vez, que os seus padrinhos, até aqui donos absolutos do mundo, o deixavam cair sem hesitação para manter ainda por mais algum tempo a sua posição.

É provável que Washington estivesse de conluio com Moscovo. Os Estados Unidos constatam que, à escala mundial, as coisas viram-se contra eles. Eles não hesitarão em passar as culpas ao regime ucraniano. William Burns, Director da CIA, já se encontrou com Serguei Naryshkin, o Director do SVR, na Turquia. Essas reuniões seguem-se às de Jake Sullivan, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, com várias funcionários russos. Ora, Washington nada tem a negociar na Ucrânia. Dois meses antes do conflito na Ucrânia, expliquei que o fundo do problema não tinha nenhuma relação com esse país, muito menos com a NATO. Tem a ver essencialmente com o fim do mundo unipolar.

Portanto, não nos devemos espantar que, alguns dias após a bofetada do G20, Volodymyr Zelensky tenha contradito, pela primeira vez em público, os seus padrinhos norte-americanos.

Ele acusou a Rússia de ter lançado um míssil sobre a Polónia e manteve as suas declarações quando o Pentágono indicou que ele estava errado, tinha sido um contra-míssil ucraniano. Para ele, tratava-se de continuar a agir em linha com o Tratado de Varsóvia, concluído em 22 de Abril de 1920, pelos nacionalistas integralistas de Symon Petliura com o regime de Piłsudski ; de empurrar a Polónia para entrar em guerra contra a Rússia. Foi a segunda vez em que Washington fazia soar uma campainha aos seus ouvidos. Ele não a ouviu.

Provavelmente, estas contradições não irão aparecer em público. As posições ocidentais vão-se suavizar. A Ucrânia está avisada: nos próximos meses, ela vai ter que negociar com a Rússia. O Presidente Zelensky pode preparar desde já a sua fuga porque os seus compatriotas estropiados não lhe perdoarão tê-los enganado.


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3 pensamentos sobre “Zelensky armadilhado por Moscovo e Washington

  1. Não sei em que se fundamenta para concluir que a UE já reconhece a “vitória próxima de Moscovo”. A prática recente, de ontem, mostra a firme vontade dos líderes europeus de continuar a armar a Ucrânia com meios de maior potência e alcance, com particular empenho da França e da Alemanha.
    Macron, que se declarou o “amigo de armas” de Biden, usará a Ucrânia como arma de política interna, numa dupla vertente:
    1) fornecer armamento à Ucrânia, alimentando assim a sua indústria de guerra,
    2) manter um discurso crítico às práticas protectoras de Biden, o irmão de armas, para mostrar autonomia face aos eleitores franceses.
    Em meu entender, enquanto se mantiverem as actuais lideranças na UE (Vanderlayens, Borrels e quejandos) a mudança de orientação política só ocorrerá pela movimentação das massas populares, em reacção ao aumento custo de vida em consequência das sanções aplicadas à Rússia.
    Esta reacção retarda e retardará na proporção da capacidade da comunicação social em manipular a opinião pública, omitindo desde logo qualquer referência ao efeito das sanções, não só em termos imediatos no aumento dos preços, mas também em termos ambientais, omitindo ainda qualquer abordagem às razões históricas que estão na origem da invasão.

  2. Nem aos políticos, nem aos comentadeiros, profissionais e amadores, interessa as razões históricas desta tragédia. O que é preciso é repetir sistematicamente que a Guerra começou em fevereiro de 2022, que a Rússia é o demónio e a Ucrânia o anjo da democracia. O mal só vem dos russos, pedir o fim da escalada do conflito é ser pro- russo. Quando a maioria da população se aperceber do embuste em que se enredou ou será tarde demais ou os interesses de quem orquestrou toda esta situação foram alcançados. O Futuro, de qualquer modo não será nada bom: o holocausto nuclear ou viver debaixo do Império e das suas regras.

  3. «O Presidente Zelensky pode preparar desde já a sua fuga porque os seus compatriotas estropiados não lhe perdoarão tê-los enganado.»

    Se houver uma réstia de justiça no Mundo, o ditador Zelensky (fantoche de Washington, tudo bons amigos corruptos) não escapará a uma bala disparada por um “herói” de Azov contra o “traidor”, assim chamado Zelensky após assinar a rendição e a cedência de territórios.

    E se calhar é isso que a CIA/Pentágono mais querem. É que o cenário alternativo, é terem mais um Guaidó por aí à solta, a mostrar o ridículo que é o regime genocida ocidental com grave vício numa droga pesada chamada “golpes e outras formas de impor a hegemonia à força”.

    E se no final disto tudo sobrar um pouco mais de Justiça, todos, e repito TODOS os territórios e cidadãos vítimas da ditadura que se seguiu ao golpe “Maidan”, terão direito a um processo de desnazificação e a referendos de independência, à re-legalização dos seus partidos, e a uma resolução de segurança que lhes garanta que os NAZIS (é mesmo assim, óh Meyssan) não fazem em mais lado nenhum o que andam a fazer no Donbass há 8 anos, na Taurida e Kharkov há 10 meses, e ameaçam desde 2014 fazer também na Crimeia.

    A conversa com o tal diplomata, nos dois primeiros parágrafos, é uma repetição das conversas que vou tendo com outras pessoas, ou bêbadas com a propaganda, ou parte do problema (elas próprias veículos da propaganda). Os NAZIS podem fazer golpes, mas os anti-Nazi não podem declarar independência. Os NAZIS podem bombardear (como se vê nos relatórios da “defunta” OSCE), mas os anti-Nazi não se podem defender, nem pedir ajuda à Rússia, nem muito menos contar que os outros signatários de Minsk (França e Alemanha) sejam sequer minimamente honestos e decentes quanto a essa situação.

    Por falar em vigaristas, estas semana a Sanna Marin, a prostituta da NATO/Washington de momento a desgovernar a Finlândia, disse o que disse, que a Europa precisa muito dos EUA… Mais palavras para quê? É, repito quantas vezes for necessário, uma prostituta. Pior, não vende o corpo por necessidade, vende todos os princípios por ignorância ou corrupção. E peço já desculpas às senhoras que têm essa profissão, devido à comparação com esta suína…

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